quarta-feira, 1 de maio de 2019

Memórias de Pemba



Somos de todos os lugares por onde passámos? Ou só dos que nos ficam agarrados à pele?

Olho para as imagens de Pemba e não as reconheço.  Sim, é verdade que apanhei lá uma das grandes chuvadas da minha vida e fiquei molhada da cabeça aos pés, mas bastou uma hora para o sol voltar.

Foram as melhores mangas que já comi, a única estrela do mar que nadou comigo, os risos mais transparentes e alegres que vi dos meninos ao fim da tarde na praia, os entardeceres mais belos mas também rápidos, o calor que me foi mais difícil de suportar por causa da humidade. Os formandos mais educados que alguma vez tive, falando um português correctíssimo, mas também algo distantes, formais, quase todos homens, as mulheres professoras eram quase todas cubanas. Sabiam de cor textos, autores, teorias, em comparação com outros países, notava-lhes mais apetência pelo saber, mas dificuldade em debater. Os dois colegas com os quais viajava e trabalhava eram praticamente dois desconhecidos.

Foi também em Pemba que convivi pela primeira vez com muçulmanos, os proprietários da pensão em que estava. Convivi é um modo de dizer, os homens baixavam os olhos quando me falavam e as mulheres eram sombras que via ao longe, coladas às paredes. 

A cidade era um aglomerado de bairros completamente diferentes uns dos outros, havia uma parte de casas coloniais, grandes bairros africanos construídos em terra mas bem feitos, alguns bonitos, bem diferentes dos bairros de lata alguns subúrbios e uma orla junto às praias de casas novas, grandes resorts, alguns luxuosos, cheios de jardins muito verdes e frescos. Era grande, dispersa, nem bonita, nem feia, mas a praia, o mar, essa parte era pura beleza. E o mercado, o grande mercado onde tudo, mesmo tudo se vendia, era África pura.

O azul do Indico, a temperatura quente do mar, o meu primeiro amanhecer em África no meio de uma picada, os macacos que pulavam à frente do carro, em grande algazarra. Nesse amanhecer, as mulheres a caminharem , de enxada aos ombros, directas às machambas, eram sobretudo elas que as trabalhavam. Dificilmente saberiam que o primeiro de Maio era um dia seu.

O teu telefonema chegava sempre ao fim da tarde e lembrava-me que do outro lado do mundo alguém me esperava. E ao mesmo tempo que aquele lugar me agarrava, não sabia ainda o que me ficaria dele. Desejei depois muitas vezes voltar a Moçambique, pensei sempre que se algum milagre monetário me acontecesse, o partilharia com esse país, mais do que com aquele em que tinha nascido, é tão diferente. Agora, mais que nunca, como o precisam.

~CC~










Sem comentários:

Enviar um comentário

Passagens