quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Alcomonias

 


As meninas de 4 e 5 anos cantam uma música das Doce no palco, são artistas livres, ninguém as interromperá com críticas ou aplausos. E o sino da igreja a tocar de meia em meia hora deve ser o único que não me incomoda. O senhor que anda de mesa em mesa a avisar do ensaio mais logo detém-se em dúvida a olhar para mim. Percebo-o, não sou daqui mas também não lhe pareço turista. Acerta no meu estatuto. Sei que um dia ele não virá, a aldeia está cada vez mais estrangeira, nesse dia já não virei mais.

Há quem vá para as termas regenerar corpo e alma, eu venho para aqui. Acho que chorei aqui dores várias e recompus-me de notícias más, amores perdidos, horizontes nebulados. Há alguma coisa aqui, um cheiro, um sabor, um ingrediente contido no ar que respiro.

Começou há muitos anos, uma primeira visita em grupo de escola, uma peça representada no interior da igreja com base num livro de um escritor local, que bonito foi. Depois foi o monte da M, um céu inesquecível de estrelas e a água que íamos buscar à fonte. Pouco depois a casa da C, pequenina, mas com aquela mesa no alpendre, com os olhos presos na caruma dos pinheiros e a praia mais adiante, descida ingreme com o mais belo por do sol do país. Agora alugo de quando em quando uma casinha na aldeia, de especial tem zero, mas já a olho como um porto de abrigo. A solidão não dói, por isso talvez não o seja, é apenas a companhia de mim mesma, um tempo só meu. E o trabalho aqui é apenas um part-time, está no lugar exacto em que deveria estar sempre na vida e não no lugar central que ele ocupa. É que ali perto há o mar e isso muda tudo.



~CC~

6 comentários:

  1. Também a mim o mar sempre cativou. Não o tenho tão perto mas, não me está assim tão longe.

    Feliz dia, para si

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É respirá-lo o mais que puder, eu já jurei não o abandonar por tanto tempo.
      Obrigada, para si também.
      ~CC~

      Eliminar
  2. O mar ali perto? É que da terra do escritor até ao mar, ainda é longe.
    Assim não vou lá...

    ResponderEliminar
  3. Joaquim, tem que entrar no espirito alentejano...qualquer coisa é logo ali, é assim a planície. Infelizmente não tenho o livro mas sei que a história era passada por aqui, entre o sequeiro e o mar, um rapaz que tudo sabia de plantas e animais...nem sei porque teria afinal os olhos tristes se sabia tanta coisa (tenho mesmo de conseguir o livro).
    ~CC~

    ResponderEliminar
  4. Que bom quando se encontro um porto de abrigo tão perto de tanta coisa e, ao mesmo tempo, tão longe de outras tantas.
    Boas maresias e bom fim de semana.

    ResponderEliminar

Passagens