quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Arrumar e desarrumar mundos

 

O que procuramos quando viajamos? O que nos move a determinados lugares?

Na Grécia tudo é mito e é por ele que vamos lá. Por todos os que escreveram esse mito muitas e muitas vezes, todos os poetas que se vergaram a essa suposta transcendência pagã e ainda os outros crentes, aqueles que nos disseram que ali tinha sido o berço de tudo, da civilização, da democracia, da cultura, da beleza. E até do Ocidente, seja ele o que for. Homero escreveu os dois livros fundadores, a Odisseia e a Ilíada, ainda hoje considerados obras primas que devem constar de qualquer estante de um intelectual que se preze.

 E há ainda o mito do azul e branco das ilhas, dessa autenticidade tecida entre filmes, música e por certo muitas capas de revista, este é um mito diferente, mais cor de rosa, conotado com a riqueza e o glamour Por isso os turistas apenas visitam a Acrópole e os dois bairros que com ela confinam e das ilhas apenas Mikonos, Santorini e, quanto muito, Corfu. Mas as ilhas são mesmo muitas e diversas, até as duas que visitamos e eram vizinhas, pouco tinham a ver uma com a outra.

Não sendo imune às narrativas que vingam sobre a cultura e os povos e tendo a alma cheia dos poemas de Sophia, não posso afirmar não ter sido essa turista, igual a tantas outras que nos 35 graus de Agosto suou na subida à Acrópole fascinada pela beleza do lugar e se comoveu dentro do museu com a antiguidade de certas peças datadas de 700 anos antes de cristo. Fui como todos são. 

Mas tudo o resto é que foi mais importante. Tudo o que descobrimos entre barcos e espera por barcos para ilhas que não eram as da moda, tudo o que calcorreamos nos bairros menos conhecidos, no mercado, nas pessoas com as quais nos cruzámos, na história do país que fomos lendo em voz alta, desde os 7 séculos antes de Cristo aos 23 depois. Nos pequenos turismos cheios de gregos onde mal se falava Inglês. 

A Grécia Clássica ocupou um período muito curto deste tempo histórico e, contudo, é essa a memória a que se volta, a que se promove, a que vende. Os homens gostam tanto de histórias e aquela é um imaginário riquíssimo, entre homens, deuses e semi-deuses constrói-se um sistema que fala de tudo o que apaixona, enriquece e amedronta a humanidade. 

Mas o sentimento mais preponderante que trago de lá não é o de estar a Ocidente mas sim a Oriente. Nos paladares, na luz, no modo de falar e no modo de ser das pessoas. E muito, muito longe da Europa, mais ainda do que em Portugal. A Grécia é um país que faz fronteira com a Macedónia, a Bulgária, a Albânia e com a Turquia. Mas no nosso imaginário é como se estivesse colado a Itália e fosse o nosso berço de cidadania. Varremos muitos séculos do nosso imaginário, a Grécia é um país que só voltou a ter configuração com essa identidade no século XIX. 

Aprendi muito. Desarrumei e arrumei mundos. 

Com isso não quero dizer que não tivesse ficado igualmente deslumbrada com o primeiro mergulho no mar Egeu, transparente, salgado, sem ondas, quente. 

~CC~




6 comentários:

  1. Imagino sempre que um país a sério não é o das revistas ou panfletos turísticos. E reconheço que me interessam os dois lados e até que cultivo esses pormenores acerca da mentalidade de um povo e sua forma de vida. Desconheço a Grécia, talvez não venha a conhecê-la, a vida humana cresce mais por dentro que por fora. Contudo, este ano projecto falar desses contos maravilhosos, elucidar essa iniludível raiz poética, ligá-la a tanto que existe. Quiçá o laço originário grego, legado de um desconhecido Homero, seja ponte segura do pensamento e exemplo de acção.
    Inédito povo esse que aprendeu a ler num livro de poemas.
    É um prazer saber que gozou o passeio e refez ideias. As viagens existem também para nos situar, não é mesmo?
    Bom dia

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    1. Também acho inevitável ir à procura do primeiro lado - o mito é o que nos move, mas é bom ir além disso também, como a Bea diz. Nem se sabe bem quem era Homero...(se calhar são vários ou os livros foram escritos e reescritos várias vezes) mas é realmente incrível que sejam longos poemas que eram decorados para serem ditos em público. Tem de ir Bea...

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  2. por algum motivo se desenvolveu naqueles pedaços fragmentados de terra uma das mais sofisticadas civilizações do mundo! nem quero imaginar o que seria de nós, reles macacos, sem o sr. Arquimedes, ou o tio Pitágoras! gosto de ver o que muitos chamam de calhaus e posso passar horas a vê-los, sem me aborrecer um milímetro.

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    1. Já foi? Acho que ia adorar cada bocadinho...mas eles estão a reconstruir quase tudo ( A Ágora antiga foi toda edificada)....já não há só pedras...o que é pelo menos discutível... de qualquer modo também me comovi muito na parede só de pedra multisecular da biblioteca de Adriano. Eu ainda quero voltar a outras zonas que não vi.

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    2. infelizmente não :( mas quem sabe um dia
      deve voltar, mesmo para ver o que já se viu, porque nunca se vê de igual forma

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    3. Para alguém que escreve sobre deuses e deusas como o Mau-Tempo, é aquele lugar certo no mundo:) Sim, tenho vontade de voltar...mas ainda há tanto lado onde quero ir...a ponderar.

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