Deixei-o esquecido como matéria ao abandono, talvez por ter sido ele a trazer-me as dores maiores. Olho-o agora com as suas cicatrizes, com as suas rugas, com os nódulos de gordura onde não devia ter e a magreza excessiva onde devia haver músculo. Olho-o com o pavor com que o alimentei do medo do toque, da dor desse toque. Coberto é bastante aceitável, descoberto é bastante incómodo. Em geral os corpos de meia idade quando nus só se aguentam no calor de outros corpos.
Olho-o como o lugar onde o prazer deixou de existir marcado por fantasmas vários. E ainda assim há nele uma memória ténue do embalo de um abraço, do sabor de um beijo, da força de um desejo salgado. Não sei se ainda o consigo preparar para qualquer sementeira ou se prefiro que seja só esse lugar onde o vento se deita manso e se aquece a si próprio entre os lençóis de Inverno.
~CC~
Parece-me bem que estou consigo no segundo parágrafo. Sem dúvidas. Tenho lençóis extraordinários, meias idem, colchão aquecido, sei lá... Também é verdade que não dou ao corpo assim tanto valor estético como isso. E a decadência, cuja se vai afirmando cada dia com mais força e rapidez, tornou-se hábito; sou bastante semelhante às mulheres da minha idade que não se preocupam em esconder os anos. Aos setenta, a preocupação chama-se osteoporose e coisas que tais. Como dores articulares, rupturas nos músculos, joelhos armados em parvos, e outras maleitas da idade. Tememos deixar de andar, coxear em demasia ( ainda colecciono o temor de um dia não poder nadar).
ResponderEliminarNa parte que me toca, o corpo tem-se portado razoavelmente. A questão é que os meus sofrimentos de alma fazem dele saco de porrada. Detesto que seja assim, mas é coisa que não consigo mudar.
Se tenho bolas de gordura e emagreço onde não devia? Quero lá saber. Olhe CC, eu, a bem dizer, nem sei o que tenho. O lema é: se não dói (ou dói pouco), estou bem.
Compreendo, a sua situação é outra. Apesar de ter sido (e tb será) fonte de sofrimento, tem de fazer as pazes com o corpo, é ele que nos leva a todo o lado, faz parte do eu. No outro mundo, segundo os gregos antigos, somos meras sombras imateriais. E não pense que a hipótese lhes tenha agradado :).
Um beijinho
Compreendo-a Bea, o "lema se não dói estou bem" acompanha certamente o(s) envelhecer(es). Mas ele não pode ser só esse invólucro mudo que nos transporta, ele é também fonte de sensações e como tal diz-nos coisas, coisas que nem sempre temos tempo para escutar ou queremos fazê-lo.
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