domingo, 3 de março de 2024

Que coisa linda...

 

Que coisa linda ontem me aconteceu.

Entrei num lugar que há muito desejava, parece que já não se chama assim agora, mas para todos é e será sempre o hospital Júlio de Matos. Têm lá dentro a experiência de teatro terapêutico mais antigo do mundo, já lá vão mais de cinquenta anos e o seu fundador, que lhe chamou Teatro dos Sonhos, já não está mais entre nós. Conseguiram, apesar disso, continuar.

Não, não fui ver um espectáculo, fui estar com eles, em todo o pleno sentido da palavra, o que implica fazer junto. Comigo, o meu pequeno grupo de mestrandos. Uma das melhores manhãs da minha vida. Estão lá dentro pessoas como tu e como eu, as fronteiras são tão ténues entre o que nos equilibra e os que nos desequilibra.

Foi desagradável andar no gelo e maravilhoso andar no campo de flores. E quando chegou a caixa articulada, o nosso objecto cénico, não quis entrar lá para dentro por me lembrar um caixão e uma prisão, mas o meu pequeno grupo (entre os quais um residente jovem recente e uma mulher residente há muito tempo) ensinou-me que afinal podia ser um barco e que até podia voar nele.

~CC~


9 comentários:

  1. Deve ter sido uma experiência muito interessante e recolha de elementos que talvez dêem que pensar.
    Um abraço.

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    1. Se estamos acordados, tudo nos dá que pensar:)
      Um abraço

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  2. A sala de fumo dum hospital psiquiátrico é um dos espaços de mais liberdade, ouvem-se histórias do arco da velha, fazem-se amizades que depois se perdem cá fora por causa dos filtros societais, cheguei a discutir filosofia com uma enfermeira fumando e depois na consulta após internamento já éramos estranhos outra vez.

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  3. A sala de fumo comum às camaratas masculinas e femininas de um hospital psiquiátrico é um espaço da maior liberdade, porque sem filtros ou responsabilidades, até porque há uma diferença entre liberty and freedom, e só os ricos podem ter as duas coisas, mas não poderão nunca ser felizes. e nós ali dentro éramos felizes com amizades que cá fora não sobreviviríam ao mundo canibal de hoje e de sempre, lembro-me de discutir filosofia com uma enfermeira que me dizia que todos os sem abrigo são esquizofrénicos e eu dizia que era a vida que nos largava na rua, e depois largado no mundo após o internamento e na primeira consulta ambulatória no centro de saúde e pastoreado pelos meus pais, voltei a vê-la e já éramos estranhos outra vez. é o duplo laço, é o double bind social. nada sobrevive.

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    1. Peço desculpa, acredito que não era para publicar os dois, queria apagar um...mas acabei por publicar os dois. Muito respeito por quem reside temporariamente, por mais tempo...e por quem lá trabalha. E fascínio por quem tenta ver as coisas de uma forma diferente como faz o Teatro dos Sonhos. E aqui também, se calhar conhece: https://www.lisboa.pt/atualidade/reportagens/manicomio-arte-sem-preconceito

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    2. Sim, conheço e sigo nas redes sociais mas nunca visitei o espaço físico, gosto muito do trabalho deles. têm entre outros a colaboração de uma poeta e pintora que respeito muito porque também já esteve internada, pinta muito bem, é a Claudia R Sampaio, ela tem livros publicados, o de maior acesso é um que ela publicou em 2018, salvo erro, na porto editora.

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    3. Conheço o espaço que é muito bonito...e tenho o livro da Cláudia R aqui na estante:)

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  4. Assim que li, lembrei-me logo de uma das experiências imersivas de que mais gostei: "E morreram felizes para sempre". Foi nesse espaço do Júlio de Matos, há uns anos.

    Entrei nos sites do hospital e do grupo, e não me apareceu nada em cena... apenas as leituras.
    Talvez seja um período de pausa.

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    1. Olá Isabel, estão a construir...acho que só lá para novembro. Nós não fomos assistir, fomos participar numa sessão-oficina.

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