sábado, 13 de julho de 2024

Era só para falar dos pássaros do sul

 

De lugar em lugar faço a viagem. 

Em cada um deles já houve um pedaço da minha vida inscrito, o encontro é marcado por essa memória e, contudo, o presente de cada um desses espaços é já outra coisa. Disponho-me a fechar os olhos e caminhar até ao sabor antigo, vejo-me, vejo-o, vejo-os. Depois abro os olhos e encontro a outra que eu sou, os outros que eles são. E das pessoas novas que me apresentam ou que se apresentam, registo pouco. Tenho pena que assim seja, como se a minha capacidade de acolher estivesse diminuída, não obstante a receptividade a todos os diálogos que se constroem e a apreciação do interesse que cada pessoa em si tem. Não há dificuldade em ir e em estar, mesmo quando vou sozinha ou estou com grupos que mal conheço. Mas passar desse limiar, confiar, enlaçar, navegar...nem consigo perceber a facilidade que os outros têm nisso, como do nada tecem a teia e nela se enredam. Em geral eu preciso do tempo longo e envolvente, seja na amizade ou no amor.

Já na conservação dos afectos sou mestre. O gosto que tenho em encontrar os amigos, saber deles, dos filhos, do trabalho, perco-me nessas conversas de revisitação olhos nos olhos, quero acolhê-los no meu abraço.

Por isso me doem as ausências, os lugares apagados, as transformações radicais dos sítios, espaços vedados. 

O meu dedo toca sempre no terceiro andar de certo prédio, não sei quando se apagará essa memória que o corpo tem. Às vezes também eu penso que poderia ser leve e ligeira como uma pena, inclinar-me para essa superficialidade que parece tornar as pessoas felizes. Mas sei que nada em mim é assim, tudo é profundo, denso e grave, tudo o que amo tem que ter consistência. Felizmente também me sei rir e até de mim e da minha gravidade, caso contrário talvez fosse sempre triste.

E isto era só para falar dos pássaros do sul. 

~CC~

 

3 comentários:

  1. "Mas sei que nada em mim é assim, tudo é profundo, denso e grave, tudo o que amo tem que ter consistência."
    É assim que deve ser. Compreendo.
    Um abraço.

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  2. E falou de outra coisa que, lida, pode identificar-se em mais gente.

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