quarta-feira, 29 de maio de 2013

Retratos desta margem (I)



A margem sul é um encontro entre rios aproveitado por uma indústria que se quis fazer crescer tardiamente num Portugal sempre à procura de ser como os outros. Sobraram vastas zonas verdes onde a agricultura de pequena exploração sobreviveu, a par do crescimento da vinicultura. Quando outros se puseram a arrancar vinha, por aqui chamaram-se os enólogos. Em alguns lugares mais rurais vive sobretudo população muito envelhecida, enquanto noutros nunca vi tantos jovens e tantas crianças na rua.
 
Viajo intensamente por estes lugares conhecendo um pouco de tudo, ou seja de todas as instituições que trabalham na área social, cultural e educativa. É um distrito feito do contraste entre autarquias em geral muito dedicadas e cidades que foram descolando de Lisboa e estão à procura do seu próprio desígnio. Há muitas histórias difíceis de quem vive perto da marginalidade e que todos os dias luta para não cair nela. Os meninos são em geral muito revoltados pelo que não têm, mas o que não têm é muito mais vasto e profundo do que tudo o que se lhes possa dar. Crescer numa sociedade e num tempo em desagregação já é difícil mas ainda é muito mais quando não há pilares. E não estou a falar de ter uma família tradicional mas tão só de ter laços, de sentirmos que importamos para alguém, Eles são empurrados da família, da escola e por vezes mesmo das instituições de solidariedade social. Poderão eles resistir, poderão eles fazer a diferença, inverter o peso do destino? Estamos sempre a dizer-lhes que sim. Mas por vezes sinto, como ontem, que nada do que se lhes diga pode ter a importância do abraço, do afecto,  porque é esse que lhes toca a pele e é disso que precisam.
 
Num tempo em que os animadores socioculturais, como outros profissionais, têm cada vez menos lugar nas escolas e tudo se parece resumir à importância da instrução, o que mais gostaria era de ter o ministro da educação na aula a que ontem assisti numa escola da cidade sol. Talvez ele pudesse finalmente perceber que nada se aprende se não se quiser aprender. Talvez ele pudesse perceber que para aprender é preciso ter o coração preenchido e a cabeça minimamente arrumada. Talvez ele pudesse perceber que aquelas animadoras que dão abraços aos meninos são uma peça importante da reconciliação daqueles miúdos com o mundo e que sem isso de pouco vale a tentativa de lhes ensinar o que quer que seja.
 
~CC~
 
 
 
 
 

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