terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Laurinda (IV)

 

Naquele tempo não se podia amar tudo e todos. Uma rapariga amava um rapaz e um rapaz uma rapariga. Por isso ela lembra-se daqueles seis meses de inebriamento como uma memória não autorizada de si mesmo. Agora que o perigo passou e já envelheceu o suficiente, pode recordar-se da boca mais bela que alguma vez viu, do modo dela sorrir, do calor dos seus corpos quando dormiam encostadas. Uma única vez sentiu que era um calor excessivo, uma vertigem para lá do que era suposto.

Ela não sabe se outros passam por um momento assim, em que não sabem para que lado pende a sua orientação sexual, nunca falou desse assunto com ninguém. E quando pensa que podia ter amado uma mulher, pensa só e exclusivamente naquela amiga que era como um junco verde e cujos lábios tinham o tom das cerejas. Tudo morreu ali. Mais tarde Jacinta ainda a viu umas quantas vezes mas nada nela era igual, tinha amadurecido e a idade abafou a sua frescura juvenil, a sua beleza emergente, a sua inocência. Ambas se tinham casado com homens e tido filhos, sido mais ou menos felizes. Agora, ambas sozinhas, nunca se encontravam ou se viam, Laurinda evitava-a mesmo, do mesmo modo que evitava o seu corpo e a sua sexualidade. Contudo, quando se permitia tocar-se, mesmo ao de leve, era a memória da amiga jovem que emergia.

~CC~





1 comentário:

  1. Há assuntos que não são de propalar. Pela descrição parece que essa dona seria bi ou homo. A vida não lhe deixou tempo para, ou foi deliberado e ela não quis aprofundar, sabendo que sabia?! É uma decisão possível.
    Boa tarde, CC.

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