sexta-feira, 20 de outubro de 2023

É a noite que temo

 

Com chuva, com vento, saio pela noite de Outono. Ainda agora era dia, ainda agora era Verão. E agora a noite parece chegar abruptamente e com ela o vasto silencio da ausência. E de repente já não é a ausência dela, são todas as ausências. E já não é a morte dela, são todas as mortes, mesmo aquelas que estão do outro lado do mundo.

Já não há o que me segure neste sofá onde o silêncio foi sempre tão bem vindo, onde a solidão nunca teve tal nome porque estava comigo e dentro de mim e com todo o mundo fora de mim.

É preciso sair, é preciso ver gente, é preciso ouvir vozes, é preciso não deixar que a tristeza venha afogar-me dentro do escuro. Na luz do dia tudo me arrasta e me leva e me puxa para o sol, é a noite que temo, é no seus braços que moram os fantasmas. 

Um dia voltarei a aninhar-me aqui ou noutro lado, enrolada numa manta, capaz de ler um livro e de sonhar futuros.

~CC~

4 comentários:

  1. Não saio para a noite, mas tudo o resto, eu e outra gente, o vivemos como a CC tão bem descreve. Cada um a seu modo chora a perda. E suponho que a dor não se esgota no ente querido que nos falta e faltará. Nele vêm à tona todas as irreversíveis partidas que nos existem na fundura e repetimos os momentos terríveis de tempos sem nome. E mágoa lembra mágoa: nos nossos choramos as mortes que sabemos pelos media e são injustiça pura - aniquilam vidas, são geradores do ódio que transtorna o espírito e faz do homem o animal mais temível. Por outro lado, sabemos de gente que morre abandonada, sem uma lágrima ou mão que se estenda, abandonados pela família como cães de rua. Mas, sobretudo, penso que choramos por nós que ficámos sem o mundo que o outro trazia com ele, sem o carinho e atenção que nos dedicava ou a nós comprazia dedicar-lhe, sem a confiança que nos infundia a sua presença física, o olhar, um abraço, ... há quem nomeei o sentimento e o diga egoísta. Será. Mas senti-lo é um direito e o primeiro degrau para adquirir a força e o jeito que nos faz subir de novo a escada e continuar caminho. A dor, sendo confrangedora pausa comum de todos, é sempre única. Sofrê-la é já um sinal de esperança, CC.

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    1. Estes comentários da Bea até dão vontade de publicar em post:)

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    1. Obrigada João por vir até aqui a esta rua e pelo comentário.

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