domingo, 13 de julho de 2014

A morte adiada


Os velhos não vivem, adiam a morte entre duas doenças, as pernas que já não obedecem, os olhos que foram deixando de ver, o ouvido que ficou a ouvir tudo mais longe. Adiar a morte é uma coisa triste, adiam-na entre as memórias do que já foram, o lamento profundo da solidão que os habita, a inutilidade de sentirem que a vida, a que têm, de pouco já vale. Tanto esforço para isto. Tanta droga inventada, tanta máquina de suporte de vida, fisioterapia, centros de dia. Hoje ajudei mais uma velhota a carregar no botão para abrir o comboio, outra a saber onde era a estação onde devia sair, a escolher o papel certo para dar ao revisor. Apenas uma viagem de comboio e tantos velhos desamparados, viajando sozinhos, cheios de medo de passarem a estação, descerem do comboio, abrirem a porta. O revisor diz que há um sistema de apoio que tem que ser accionado com alguma antecedência para estes apoios. Duvido de tal coisa. As estações ao Domingo estão quase totalmente encerradas e as bilheteiras que abrem, fazem-no por curtos períodos. Ainda me lembro de viajar na carris e haver sempre um revisor, sempre alguém para além do motorista. Agora é raro. 

As aldeias, as vilas, as cidades estão cheias de velhos sós, muitas vezes doentes. Estamos longe de avaliar, de perceber a dimensão real do problema. Se a ajuda chegasse mais cedo, talvez não se tornassem tão amargurados, tão difíceis. À distância a que vivo da minha mãe, tento dizer-lhe que não pode viver na sombra do que já foi, de que a velhice lhe roubou coisas e que tem que as aceitar, que deve viver pensado em quem é e no que pode ter. Não é fácil. 

~CC~

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