terça-feira, 26 de agosto de 2025

Da dificuldade de ser feliz (I)

 

No final de julho, no cabeleireiro, um homem na casa dos quarenta proferiu uma daquelas frases que parecem saídas de algum catálogo sobre bem viver. Pois bem, disse que para ele qualquer dia de férias era melhor do que um dia de trabalho. Nova geração, pensei, muitos homens da outra sentiam vazio ou inquietude, não sabiam estar de férias, alegrou-me que ele soubesse e ri-me. Claro que ele me perguntou logo se eu  concordava, com aquele sorriso radiante que anunciava muito gin, muito aperol, muito sunset. 

Não podia dizer-lhe, por isso só sorri e abanei a cabeça, concordar poderia aumentar ainda mais aquela felicidade que já parecia inundá-lo.

No silêncio do Verão, sobretudo se está muito calor, chegam por vezes sombras. Começa como uma onda pequenina em torno de um desgosto, um sinal de desamor, uma injustiça que me foi feita, uma memória má que tanto pode ser recente como tão lá atrás que escavo, escavo para chegar até ela. E essa onda cresce, cresce... e já não é fora de mim, é cá dentro junto ao coração e não me deixa respirar. E se estou em casa as paredes parecem inclinar-se e prestes a desabar e não consigo estar em lugar nenhum, vou de espaço em espaço à procura de um lugar mas não encontro abrigo. E já não há qualquer ligação ao motivo triste que originou tal coisa, já é só a coisa, um monstro que corre atrás de mim e dentro de mim. Não consigo então fazer as coisas mais simples: comer, tomar banho, ler, ver televisão. Muito mais em casa, mas já aconteceu no cabeleireiro, no dentista, no café, na rua e até na praia. Posso colocar-lhe um nome, chamar-lhe crise de ansiedade ou de pânico, mas para que servem os nomes? Claro que tenho medicação de emergência mas ter que tomá-la deixa-me muito triste, por isso evito e tento outras soluções. Poderia talvez já ter encontrado, mas na verdade o que resulta uma vez, pode não resultar uma segunda, por isso continuo na minha busca.

Como pode tal coisa acontecer nesta estação do ano que é toda luz e brilho? Como pode isto acontecer no tempo em que é possível apanhar conchas, andar dentro do mar, comer gelados, ver crepúsculos tão tardios e belos?! Esta desarmonia desarruma-me, evidencia-me com clareza que tenho tanta facilidade em ser feliz como dificuldade. Quis dizer-vos porque dizê-lo, é talvez das únicas coisas que parece sempre resultar, com a palavra fora de mim chega pouco a pouco uma acalmia, sobretudo se ela é acolhida.

~CC~


12 comentários:

  1. Dizer o que nos incomoda é uma forma de catarse e para si é terapêutico. Ainda bem que resulta. Eu encolho-me em reservas de museu e regra geral não exteriorizo; faz parte da minha introversão. Nós, seus leitores, acolhemos sem dúvida e até estou em crer que "sentimos" mais a sua infelicidade por questões de cumplicidade e até fraternidade do que eventuais relatos de sonhos dourados em paraísos azuis, que podem causar sempre alguma inveja encoberta. Tudo à portuguesa, digo eu, que sempre nos demos mal com o sucesso alheio e fomos solidários com a desgraça. Um abraço CC.

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    1. Nem paraíso nem desgraça Joaquim, a vida é em geral mais complexa que esses postais ilustrados que tentam vender-nos. É isso que procuro mostrar, as várias facetas que um eu pode ter. Tenho muitos momentos bons e luminosos, como também já mostrei. Esse poeta esquecido da música portuguesa que tantas canções já escreveu para o Rui Veloso disse: mostra-me o teu lado lunar! E com razão porque o solar está à vista de todos. Um abraço amigo Joaquim.

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  2. Admiro a coragem da sua crónica de hoje. O importante é que tem consciência da situação e tem o conteúdo cultural necessário para enfrentar e vencer esses momentos. Escrever ajuda muito, sei por experiência própria.
    Um abraço.

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    1. Obrigada. Escrevo-o por duas razões: para fazer bem a mim própria e também a quem lê e possa passar por alguns momentos destes. Um abraço

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  3. Li com respeito e atenção “Da dificuldade de ser feliz”, que sugere que a autora, uma mulher de sensibilidade extrema, possa carregar consigo uma depressão.
    Eu, mulher pragmática e sem aquela sensibilidade excessiva, não encontro dificuldade de ser feliz.

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    1. Ah Teresa...eu não tenho depressão nenhuma, nunca tive, tenho um enorme gosto em viver. Mas ser feliz a tempo inteiro é coisa que desconheço e também não quero conhecer, abre-se a TV, vê-se Gaza e ficamos tristes, derrotados pela desumanidade.. Assim, também há janelas dentro de nós para coisas menos boas, pessoas que perdemos, injustiças que nos foram feitas, no meu caso particular um processo de doença muito grave, etc..isso não significa estar ou andar deprimido, foi justamente o que quis explicar...no meu caso, há apenas alguma ansiedade associada a essas memórias, como um medo dessa repetição ou a impossibilidade de lutar contra isso. Já ouviu a canção do Rui Veloso chamada Lado Lunar? Deixo-a aqui para si:

      Não me mostres o teu lado feliz
      A luz do teu rosto quando sorris
      Faz-me crer que tudo em ti é risonho
      Como se viesses do fundo de um sonho
      Não me abras assim o teu mundo
      O teu lado solar só dura um segundo
      Não é por ele que te quero amar
      Embora seja ele que me esteja a enganar
      Toda a alma tem uma face negra
      Nem eu nem tu fugimos à regra
      Tiremos à expressão todo o dramatismo
      Por ser pra ti eu uso um eufemismo
      Chamemos-lhe apenas o lado lunar
      Mostra-me o teu lado lunar
      Desvenda-me o teu lado mal-são
      O túnel secreto a loja de horrores
      A arca escondida debaixo do chão
      Com poeira de sonhos e ruínas de amor
      Eu hei-de te amar por esse lado escuro
      Com lados felizes eu já não me iludo
      Se resistir à treva é um amor seguro
      À prova de bala à prova de tudo
      Toda a alma tem uma face negra
      Nem eu nem tu fugimos à regra
      Tiremos à expressão todo o dramatismo
      Por ser pra ti eu uso um eufemismo
      Chamemos-lhe apenas o lado lunar
      Mostra-me o teu lado lunar
      Mostra-me o avesso da tua alma
      Conhecê-lo e tudo o que eu preciso
      Pra poder gostar mais dessa luz falsa
      Que ilumina as arcadas do teu sorriso
      Não é por ela que te quero amar
      Embora seja ela que me vai enganar
      Se mostrares agora o teu lado lunar
      Mesmo às escuras eu não vou reclamar
      Toda a alma tem uma face negra
      Nem eu nem tu fugimos à regra
      Tiremos à expressão todo o dramatismo
      Por ser pra ti eu uso um eufemismo
      Chamemos-lhe apenas o lado lunar
      Mostra-me o teu lado lunar
      Mostra-me, mostra-me o teu lado lunar
      Mostra-me o teu lado lunar
      Mostra-me, mostra-me o teu lado lunar
      Mostra-me, mostra-me, mostra-me o teu lado lunar

      Carlos Tê

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  4. Bom, é impossível não lembrar Rui Veloso a cantar Tê. Além do mais gosto dessa canção por ser um bocadinho contra natura, há no meu espírito qualquer coisa que se anima no remar contra a maré (é uma parvoíce, mas é assim). A maioria das pessoas não gosta do nosso lado lunar, quer-nos a sorrir, escusando dar trabalho ou estragar o ambiente. E todos temos esse "lado lunar" que a poética de Tê ilumina e até faz parecer bem, mas, digo eu, não é atractivo.
    Suponho não ter sofrido crises de ansiedade ou pânico; mas também lhes desconheço sintomas e, se calha, sofri mesmo:). É verdade que, a caminho das orais que fiz, quase perdia o andar, as pernas embotavam. Chamava-lhes "nervos".
    Não se entende a razão de uma tristeza avassaladora nos invadir. Somos os mesmos de antes, talvez com mais uma pouca sorte, uma morte, uma doença, sei lá. Ou nada disto. Só que, de repente, fica tudo escuro (no lado lunar é sempre lua nova, facto um bocadinho contraditório). Como é que volta a ser manhã? Outro mistério. Falar ou escrever sobre, ajuda sempre. Liberta. É minha opinião que não somos felizes senão brevemente e só algumas vezes (é aproveitar). Na grande parte da vida somos só assim-assim; nem felizes nem infelizes.
    Pois pode sempre escrever, CC. Cá estamos para ler.

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    1. Tudo tão bem compreendido, tão bem dito...Obrigada! Curiosamente sempre lidti bem com exames, orais e outras provas públicas que fiz, assim como com as muitas exposições públicas que fazem parte da carreira académica. Agora já não me apetece é tanto. Quando li o que escreveu sobre a relação com a sua irmã gostei muito também, porque é do mesmo que se trata, como dentro da luz também pode habitar a sombra. Um abraço amigo.

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  5. Bom Dia CC,
    a música funciona muito bem comigo.
    Mando um link do youtube, do que me costuma ajudar, mas é todo um mundo a explorar :-)
    .
    https://www.youtube.com/watch?v=UyqN7lEFkpY&t=4188s

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  6. Vou ouvir, obrigada pela atenção. Um abraço

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