domingo, 21 de setembro de 2025

O dia perfeito (I)

 

Um dia perfeito pode começar extremamente imperfeito. Engolir a minha refeição preferida num ápice e colocar o despertador para as 6h30m da manhã. 

E depois o dia endireita-se devagarinho rumo à perfeição e só no dia seguinte sabemos, quando acordamos com o corpo moído de cansaço, que foi afinal um dia perfeito. Tento moderar as minhas expectativas sobre as coisas, aprendi a aligeirar a fasquia depositada em cursos, conferências, viagens, passeios, restaurantes, espectáculos, livros, programas culturais. E se quero ir e não há vaga ou não me escolhem, isso também já não me gera grande sofrimento. Que tal não passe por falta de empenho ou paixão, talvez seja antes a camada protectora que coloquei sobre a pele sensível que toda a vida tive, sensível em excesso. O sol assim queima menos. Primeiro não podia ir pois tinha outros compromissos, depois não havia vaga, e por fim alguém ligou a dizer que podia ir mas não havia lugar para almoçar a maravilhosa degustação alentejana, declinei dizendo esperar outro dia, outra hipótese. E afinal tudo se encaixou, tudo se abriu como aquele céu azul depois da chuva.

Os nomes dados às coisas são tão piores que as coisas. Não gosto especialmente da designação Turismo Literário. Mas é só um nome, também aprendi que os nomes não dizem tudo. E se uma coisa é moda não corras atrás, pode ser gato por lebre. Mas não fujas também só por ser moda, pode ser uma boa moda, um rasgo que se abre num caminho ainda por fazer. Estou assim, tornei-me assim, alguém que ainda pensa três vezes para fazer uma coisa, mas não põe de lado um primeiro impulso, uma vontade, deixa que se aloje e segue. E sobretudo alguém que não põe o medo à frente da maior parte das coisas, que só o deixa vencer algumas vezes, não todas as vezes.

Ontem não venceu, até regressei de noite pela estrada do acidente horrível. Antes tentei vir pela auto-estrada mas era um desvio tão evidente e ainda por cima pago. Claro que no sitio exacto, a memória chegou e agarrei o volante e tremi um pouco, contei à pessoa que vinha ao meu lado que tinha sido ali, exactamente ali. Mas a noite estava clara e não chovia a cântaros. 

Juntar livros e paisagens, deixar que as histórias nasçam das pedras e dos lugares, é bonito, não é? Talvez volte para vos contar.

~CC~





8 comentários:

  1. Concordo plenamente. Juntar livros e paisagens permite que as histórias ganhem vida onde menos esperamos — nas pedras, nas ruas, no cheiro da chuva. É bonito quando o lugar inspira a leitura e a leitura revela o lugar de uma forma nova.

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    1. O livro e/ou o autor inspira as pessoas a ir e o lugar inspira as pessoas a ler ou a voltar a ler. Um abraço Teresa

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    1. Acho mesmo que ia adorar esta visita dedicada a Saramago e ao livro Levantado do Chão. Consulte na Câmara Municipal de Montemor o Novo ou na Fundação...oxalá tenha sorte e arranje lugar, não é fácil.

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  3. O que admiro na CC é que saiba tanto sobre si mesma e isso seja de certa forma moralizante, uma espécie de lição para terceiros. Transpondo para o plano pessoal, concluo que fui mudando mercê dos anos e do mundo que vivi, mas não vou além disto. O "conhece-te a ti mesmo" em mim funciona em modo genérico e mais no sentido socrático que psicológico.
    Crio grandes expectativas com filmes e saio algumas vezes decepcionada. As pessoas por vezes conseguem ser decepcionantes, mas aí o que funciona não é a expectativa, mas a surpresa que o outro consegue ser.
    À medida que nos aproximamos do fim vamos perdendo urgências e expectativas elevadas. Talvez haja mesmo uma espécie de capa protectora que os anos criam em nós. Tornamo-nos moderados, o que, em parte, é uma grande chatice. Aquele carrocel de altos e baixos tinha o seu quê de interesse.
    E, se lhe apetecer, um dia, conta o que falta. Se não...ninguém morre:).
    Boa semana

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    1. Ah, ah..sem dinheiro ou tempo para "o divã" sobra a escrita...tive o meu qb de altos e baixos e alguns esgotaram-me bastante, mas também concordo que qb de paixão é preciso, mas com pouca dor, porque essa fica no corpo e alastra-se perigosamente noutros efeitos. Um abraço

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  4. O relógio da sala acabou de dar as doze badaladas. Leio na agenda electrónica as tarefas importantes para o dia seguinte e reparo no seu nome. Será que já nasceu? Hesito, mas acabo por optar por esperar algumas horas mais.

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    1. Que atento e amigo Joaquim, agradeço-lhe muito. Nasci lá do outro lado (Luanda)...e estou certa que foi perto do Crepúsculo. Um abraço

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