Sebastião da Gama ficava feliz quando sentia que a aula tinha sido boa e ele uma parte dessa obra. Acho que grande parte do que ele diz é de uma total actualidade. Sinto que a felicidade dele ocorre não apenas pelos alunos se demonstrarem capazes de aprender mas também seres capazes de bondade. Esta segunda parte é cada vez mais omissa, tenho sentido que os grupos são cada vez mais desavindos e competitivos, sem cola que os una.
Quando ontem lhes disse que tínhamos que negociar pois tinha seis locais para o desenvolvimento dos Projectos e muito provavelmente quereriam os mesmos, sabia o que me recomendariam. E assim foi: tirar à sorte. Recusei porque não podemos ceder à sorte a capacidade humana de ouvir, analisar e negociar. E foi difícil, não fora o frio, teria suado. Fiz recuos estratégicos para evitar obrigá-los ao que não queriam colocando outras e outras hipóteses. Por fim, aceitei que um dos lugares não lhes interessava mesmo. Iria tentar duas vagas no mesmo local. De repente um grupo disse que queria ir. Indaguei da razão do recuo. A resposta foi surpreendente: não queremos que fique triste. Que gentileza. Disse que não ficaria, que aceitava. Respondeu outro de outro grupo: queríamos ver como é que a professora negociava, se era capaz, se não nos obrigava. Dei uma gargalhada. Fiquei contente como o Sebastião ficava, tinha ali seres humanos.
Ninguém nunca me irá avaliar por isto, pelo suor da palavra, da negociação e do encontro. A avaliação incidirá em quantos artigos publiquei e se foram ou não em revistas internacionais, mais métrica, menos métrica, algo quo que para os estudantes não tem, nem nunca terá grande efeito. E é por isto que hoje abandonaria a carreira ou nem sequer a começaria, porque a essência está adulterada e perdida.
Se calhar é mesmo melhor um tutor digital para cada aluno. Nesse mundo já não estarei.
~CC~
Moro na mesma terra há mais de trinta anos. Quando para cá vim, os africanos, pretos e mulatos, eram uma minoria e circunscritos a um pequeno bairro. Na década seguinte começaram a aumentar exponencialmente. Nunca tive problemas com eles. Felizmente. Mas ouvi coisas. Mas também ouvi coisas de brancos, de drogados (geralmente brancos) e de ciganos.
ResponderEliminarHoje em dia são mais do que nós e os brancos formam quase uma pequena ilha. Os brancos habitam os prédios melhores e mais caros e os africanos, pretos e mulatos, continuam a morar em prédios de renda económica, mas passaram a arrendar habitações melhores em prédios de qualidade média ou em antigos que sofreram remodelações.
Quando eu ia de comboio para o emprego, aborrecia-me ver o comportamento de alguns, pois além de falarem muito alto ao telemóvel, punham os pés em cima do banco da frente e iam numa boa. Os brancos olhavam de soslaio e quando diziam alguma coisa eles retiravam os pés sem resmungar.
Entretanto apercebi-me de que algo começou a mudar. Foi um dia em que na minha rua uma idosa branca tombou na calçada.
Um africano, talvez preto ou mulato, foi o primeiro a acudir à velhota. Os brancos passavam e, ou falavam ao telemóvel ou olhavam com indiferença e prosseguiam. Mas o africano preto ou mulato esteve lá até ao fim, quis chamar o 112 a senhora disse que não era preciso, que morava perto e o marido estava sozinho em casa à espera dela. Eu também estava lá, mas depois vim-me embora para casa, mas o africano preto ou mulato, permaneceu e disse que ia levar a velhota até à porta de casa.
Aqui frequentamos todos o mesmo Pingo Doce cá do bairro. Vou lá todos os dias comprar pão e deve coincidir com o intervalo das aulas da escola, porque está cheio de miudagem, maioria africana, pretos e mulatos que vão lá comprar o lanche com as poucas moedas que os pais lhe deram em casa.
Escuto-lhes as conversas e os pedidos de desculpa delicados quando damos uns pequenos encontrões uns nos outros, devido à pressa que trazem para não chegarem atrasados à aula seguinte. As miúdas africanas então, pretas, mulatas são de uma simpatia inexcedível, por favor, desculpa, por favor, desculpa é o que mais se ouve e o que mais se sente é o seu cheiro perfumado. Dou-lhes a vez na fila da caixa e vejo-as passar com um Kit Kat, uma bolinha de pão com queijo ou um donut. Dou comigo a pensar como se comportam e são tão diferentes dos pais e avós e tios que comigo se cruzaram décadas atrás.
O que mudou?
A educação claro está!!
Benditos professores e educadores que diariamente tanto fazem para a sua integração na sociedade de amanhã.
Bem haja CC.
PS - Entre os meus dezasseis e dezoito anos joguei andebol num clube da margem sul. Na equipa havia um tipo preto chamado Paris (não sei se era da família do Tito) e o resto éramos todos putos brancos.
Mais alto que nós, esguio e espadaúdo já começava a pintar um bigodinho.
Tinha um grande poder de elevação e um remate potente e certeiro devido ao seu braço longilíneo.
Acha que o tratavamos como nosso igual? Errado. O Paris era a vedeta, fazíamos tudo o que ele dizia, quando não jogava perdíamos!
Complexo tudo o que diz e o que eu poderia dizer. Mas vou ser simples: a escola faz muitas vezes a diferença sim, outras nem tanto (e só reproduzem a desigualdade)...Fica a minha homenagem a todos os que lutam por fazer a diferença.
EliminarEnão os seus alunos não demonstraram que a preferem a si, CC; algum falou em tutores digitais?!
ResponderEliminarSe e quando isso acontecer, a educação já foi.
Boa noite
As políticas educativas e as instituições sobrepõem-se tantas vezes à vontade dos estudantes e dos professores...não creio que alguma vez os miúdos tenham pedido manuais digitas...e eles estiveram quase para substituir o papel. E então as carreiras do ensino superior...os alunos pouco entram na equação, somos avaliados pelo "index" dos artigos publicados, sejam ou não ciência a sério...e muitos professores concordam, já eclodiram nesse sistema. (Bea, se for a Cabrela, procure uma pessoa com um vestido de lã às riscas pretas e brancas, levo-o para que possa reconhecer-me).
EliminarComo seria diferente a escola numa sociedade onde não houvesse diferença de classes.
ResponderEliminarUm abraço.
Pois...não tinha pensado nessa perspetiva.
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