sábado, 4 de janeiro de 2020

Acordar



Fiz a mala a 21 de dezembro e ainda não voltei a casa, nestes dias dormi em muitas casas diferentes e tive a minha aldeia como queria, tive mesmo duas. Acho que o meu ter vai ser sempre assim, volátil, temporário, errante. Voltarei para vos falar dessas aldeias em lugares tão diferentes, tão temporariamente minhas, sei que em nenhuma delas viveria. Cada dia que avança sei que de meu só terei mesmo o meu corpo e as marcas que fui deixando por aí, muitas coisas que o tempo apagará e outras que talvez não. Provavelmente ter não é a minha natureza, enraizar-me, fazer ninho. Um dia aceitarei talvez a minha natureza vagabunda, saltimbanca, desprendida de tudo quanto é material.

Por necessidade encostei aqui, talvez a terceira das minhas cidades, a número três.

Onde vocês cresceram e foram tão felizes, entre zangas monumentais, muita praia, portas a abrir e a fechar, fantasias de deixar qualquer um estupefacto. Pouco resta dos vossos risos, as casas são já outras, sobretudo uma delas, é agora bela como um museu pode ser belo, mas que saudade da desarrumação em que se arrumava. As duas casas estão agora mais tristes, embora o sol lhes continue a bater durante toda a tarde e a vista continue deslumbrante. 

A linha do horizonte mostra três camadas de um laranja a três tons sobre os vários braços da ria. A senhora que esta manhã vendia conquilhas na rua diz que as apanhou ali, quando o sol ainda raiava.  A ria, esta ria, talvez a primeira das coisas com que este país me encantou. É tão bom poder vê-la ao acordar.

~CC~





5 comentários:

  1. A memória das casas cheias é aconchegante. Sempre. Quaisquer que elas sejam. Mas já gosto que sejam memória. Ficou-me da vida um barulho insanável e o silêncio hoje é-me necessário. Não apenas para escrever ou pensar. O silêncio equilibra a mente, não deixa que os carretos se soltem por completo. Não fora este refúgio e não sei quem seria hoje.
    Há pessoas assim, são transumantes por natureza:). Não sei se a ria de que fala é a de Aveiro, cidade que considero muito bonita.

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  2. Olá Bea, também gosto do silêncio, mas às vezes tenho saudades. Ainda que o bulício dos 18 no Natal tenha sido suficiente por uns tempos, pela primeira vez com sobrinhos netos pequeninos, Natal com crianças é outra coisa:)
    Também gosto muito de Aveiro, mas a minha ria fica a sul (consta que geograficamente e correctamente nem é uma ria, mas todos a chamam assim).
    ~CC~

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  3. Já sei qual é a Ria. Não a conheço, nunca lá estive, mas dizem que é um dos últimos paraísos aí do sul.
    Gosto de saber que se sente aí bem, ao menos isso para, de algum modo, aliviar um pouco tudo o resto...
    Sabe, ~CC~, a minha mãe tem mais uns anos que a sua, mas era uma pessoa muito activa... e eu estava à espera que ela fosse assim como o Manoel de Oliveira... a verdade é que nunca estamos preparados.
    Ela está um pouco melhor agora, mas de vez em quando faz-me cada coisa... e depois não se lembra de nada; enfim é uma tristeza e, por muito que eu queira, não dá para ser optimista, sei bem o que vai acontecer.

    Ainda outro dia li num blog que algumas pessoas são umas queixinhas, umas piegas, a vida é mas é bola para a frente e tal e coisa, e não sei mais o quê... e pensei que certas pessoas não têm a mínima noção do que é a vida da maioria dos portugueses.
    Gostava de vê-las resolver todos os problemas que me caíram em cima, com os "meus" recursos económicos, palavra que gostava - e penso que o meu caso não é dos piores, mas é difícil.
    Dir-me-iam, talvez: "que maçada falar de dinheiro, quem mandou a menina nascer numa família com pouco dinheiro? Que falta de chá, credo!"

    Desculpe o desabafo, ~CC~, escrevi, está escrito.

    Muita força, vai conseguir, sei que vai conseguir (pois se eu, sozinha e sem recursos consegui).

    Abraço.
    🌹

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    1. Maria, como a entendo...cada um tem o seu registo e deve escrever o que quer e como quer e também só lê quem quer - que sentido faz criticar a forma como os outros sentem, dizem, escrevem?

      A única coisa que critico na blogosfera é o uso das crianças para vender produtos comerciais, é a única barreira que estabeleço.

      Quanto ao resto, é verdade, quem tem dinheiro coloca os seus "velhotes" em sítios melhores, pensando-os mais dignos, mas nem sempre às instalações corresponde qualidade humana.

      Por aqui a primeira tentativa é a de manter em casa, com cuidadoras e família a repartir responsabilidades e a estar também (turnos para fds, etc), vamos ver se resulta. Nestas coisas eu faço sempre o que gostava que fizessem comigo. Passei um mês e meio internada num centro clínico de grande, grande qualidade mas todos os dias queria voltar para a minha casa pequenina e sem nada de especial: era a minha!
      Beijinho e muita força Maria...

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  4. Obrigada, a ~CC~ tem sempre a resposta certa e apaziguadora :)
    Tem razão, cada um escreve o que quer no seu blog e só lê quem quer... e eu nem blog tenho.
    Talvez soasse a crítica, mas mais que isso era uma mágoa, uma tristeza... enfim, nós às vezes criamos imagens das pessoas que não correspondem à realidade e depois lá vem a desilusão.
    E isto não é só na net, é também na vida real - e a culpa é nossa (neste caso, minha!).

    Beijinho e muita força também :)
    🌹
    Maria

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