quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Nostalgia



Estive a contar e os anos de vida em Lisboa ainda ganham a todos os outros.

Houve a Lisboa da minha adolescência, quase desaparecida. O que não morreu, é hoje profundamente diferente. A baixa, Alfama, o Bairro Alto. Amei e vivi intensamente cada um destes lugares. 

Houve a Lisboa da minha idade adulta, que julgo ainda viva e por isso busco-a e ao buscá-la constato também que certos lugares, icónicos, se esfumaram. Acreditam que fui à livraria Buchholz no Campo Grande? A senhora do café olhava-me incrédula: mas minha senhora isso já desapareceu há uns anos. Ainda penso ir ao cinema Londres e tomar um café com um scone no Magnólia. É hoje um hiper china fantasmagórico. Sobra-me a livraria Barata, mas acho-a um bocadinho sombria, parece não ter o encanto de antes. E todos os cafés são agora padarias, cadeias de padarias, iguais em cada bairro, com os mesmos produtos e os empregados vestidos com os mesmos uniformes, mais uma mania que durará uns anos. E no Go Natural, essa primeira loja de produtos saudáveis, um sopro de ar fresco quando abriu, pedem-me agora o cartão continente, pelo que deve ter sido comprada pela Sonae.

Estas rugas não são visíveis ao espelho, são uma espécie de marcas interiores, um frio que nos chega quando sentimos perder os sítios que identificamos como parte da nossa vida. Sempre me disseram que eu tenho uma costela nostálgica, qualquer coisa de triste que me anda agarrada. Enfim, sobra-me a outra para rir.

~CC~





11 comentários:

  1. Penso que essas mudanças são transversais a cada cidade, cada Vila que conhecemos. Tudo, de alguma forma mudou, mesmo quando ainda existem, já não detêm o mesmo encanto que lhe encontrávamos.

    Boa noite

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  2. Então a CC anda em busca dos lugares perdidos na capital, pois é, tudo muda, restam-lhe as memórias. Não a tinha por nostálgica, eu sim assumidamente. De tal maneira que há uns tempos encetei um périplo por lugares com significado na minha vida. E para começo, meti a família no carro e fui até ao Sabugal, terra de minha avó, onde passava temporadas na infância e juventude. Tudo mais bonito mas com uma desertificação de gentes assustadora.
    Ontem fui ao Bairro Alto. Quando por lá passei no princípio da adolescência era núcleo de jornais e antro de prostitutas e proxenetas (que mal soa assim, mas noblesse oblige) a par de pessoas honradas que lá viviam ou trabalhavam. Mais tarde passou a fazer parte dos roteiros nocturnos da capital principalmente por causa dos bares com música ao vivo.
    Ontem calhou lá passar, as ruas continuam estreitas e próximas e vi jovens, muitos jovens logo pela manhã, cafés de bairro renovados, casas reabilitadas, muita vida, chapeleiros, ateliers, lojas de aluguer de scooters, mercearias, artesanato, livrarias, tudo a par e em perfeita harmonia e que lhe confere uma alegria e um ar que se respira e nos inunda os pulmões de frescura e bem estar.

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    1. Sou qb nostálgica, por exemplo, em relação às pessoas do passado que ficaram pelo caminho, não ando à procura delas. Eu não sei se gostava mais do antigo bairro alto ou se gosto mais do de agora, só que o outro era o meu, onde as noites começavam às 22h e acabavam às 2h (o que não quer dizer que não tenha apanhado alguma vezes o primeiro autocarro da manhã da Carris), enquanto agora começam às 2h ou pouco antes. Já a Alfama de agora, sem dúvida, prefiro a outra, é que há gente aos magotes e parecem-me esmagar um bairro que era uma aldeia dentro de Lisboa. Nunca levo ninguém nas minhas peregrinações, vivo-as de uma forma muito íntima e solitária.
      ~CC~

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  3. Nostalgia mesmo, ~CC~.
    O Londres, cujas cadeiras 'afundavam' quando nos sentávamos, e onde ia sempre ver as estreias do Woody Allen e do Bergman.
    E o Star (na Guerra Junqueiro) com umas poltronas também tão confortáveis.
    Só que eu ia sempre à Mexicana :)

    Apenas conheci a Buchholz do Marquês de Pombal (quando fui comprar os livros do Deutsches Institut); aí e na velhinha Bertrand do Chiado é que eu costumava comprar livros não traduzidos, isto antes de aparecerem os centros comerciais.
    Há muita coisa nova que eu gostaria de ir conhecer, mas ao ver as filas enormes para tudo (até para comer um pastel de nata) perco a vontade e fico aqui agarrada ao passado - alfacinha murchando na Beira, Piscis com saudades do mar...

    Bom fim-de-semana!
    🐳

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    1. Claro que também conheci a Mexicana, mas era mais alta burguesia (claro que não exclusivamente) e eu enquadrava-me mal. As estreias Maria, todas essas no Londres, do Star não me lembro. Eu também conheço algumas das coisas novas, algumas muito vintage como o LX Factory e de algumas até gosto, mas não deixei lá a minha pele:)
      De vez em quando, se puder, quebre um bocadinho esse exílio:)
      Bom fds para si também
      ~CC~

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    2. A Mexicana ficava entre o Londres e o Star, sítio ideal para um lanchinho entre as duas sessões. Nós éramos três jovens Marias A (sendo que os A eram de nomes diferentes), muito alegres e nada burguesas (bem, uma delas era betinha) e achávamos a pastelaria linda; só mais tarde soube que aqueles belíssimos painéis eram do Querubim Lapa.
      Pastelaria que eu achava snob era a Versailles, íamos lá quando o filme era no Monumental, mas eu achava tudo muito emproado, depois passámos a ir comer um gelado ao Galeto.
      Quando íamos ao Tivoli ou ao S. Jorge, era sempre a Veneza que tinha os melhores bábás de Lisboa e arredores.
      Mas tudo isto já foi há mais de mil anos ;))

      Gostei de saber que gosta de Lisboa.
      🌹

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    3. Ah mas a Versailles é linda, linda...embora, como diz, snob. Mas eu entro na mesma:)
      Gosto muito de Lisboa Maria, não já para viver.
      ~CC~

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  4. Julgo que vai morrendo o atendimento personalizado e substitui-se pelo normalizado. Os meus filhos gostam, acham que assim não perdem tempo, é mais eficaz e rentável.Suponho que os chineses mais a sua quinquilharia (que por vezes compro) hão-de mandar no mundo. Ou, pelo menos, no mundo português. Desgosta-me que assim seja, parece-me uma perda de independência subreptícia, como se haja raízes que se vão ramificando subterrâneas e comendo toda a fertilidade da terra; contudo não dão sinal de folha, flor, fruto. Por enquanto.
    Lisboa não me existiu antes da adultícia. Na juventude era apenas um lugar no mapa e onde havia hospitais muito grandes de que se socorriam os médicos da província quando eram bons médicos e os doentes pobres estavam à morte.
    Quando fui jovem adulta também a não conheci. Frequentava-a é certo, mas limitava-me a fazer um caminho sem desvios, correndo de uns transportes a outros, sempre com lanches e tricot misturados com os livros. Fui uma única vez à Gulbenkian procurar um livro e achei um lugar maravilhoso, a coisa mais bonita que vira excepto a praia da Figueira da Foz que visitei teria uns treze anos. Mas a voragem do tempo e múltiplos deveres afastaram-me de tal lugar. E portanto hoje continuo a conhecer mal a cidade, a enganar-me no Metro, a encontrar novas ruas, mas que se calha são as mesmas e é pura distracção não as ter notado. A geografia da cidade não me entra, como não me entra geografia nenhuma. Portanto, não sei o que falta, quem ou o que está no lugar de quê, senão em algumas livrarias onde procurava livros de estudo e que reparo já não existem.
    Quanto a relação das pessoas com a cidade depende do que elas são e do que e como nela viveram.
    Bom fim de semana, CC.

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    1. Tive mais sorte, Bea, conheci a Gulbenkian desde sempre, vi lá inúmeros ballets e concertos e até estive na inauguração do Centro de Arte Moderna em 1983.
      (O meu irmão casou-se na igreja junto ao museu)
      Quando eu estava em Sines, às vezes vinha a Lisboa só para ver filmes (sempre fui muito cinéfila). Apanhava o autocarro às 08h e depois de ver Lisboa (linda, linda) da ponte, descia logo na primeira paragem, mesmo em frente à Gulbenkian. Sabia-me bem andar um pouco, depois de 2 horas sentada, e era bom atravessar aqueles jardins; umas vezes entrava, outras não. Era suposto ver dois filmes, abastecer-me de livros e discos, espreitar o Tejo (se possível) e regressar no mesmo dia.
      Quando passava o fds completo vinha à boleia de colegas e já dava para ir a espectáculos à noite.

      É bom recordar...
      🌹

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  5. Lisboa, Bea, é para mim uma das cidades mais bonitas do mundo. A luz, o rio, encanto que lhe dão as várias colinas...nunca pensei vê-la tomada de assalto por esta onda de turismo de massas, admitindo que a mesma pode ter coisas boas, mas tem muitas outras más. Conheço-lhe de olhos fechados a geografia, não obstante a ter deixado há mais de dez anos e de não ter saudades de morar por ali (nunca tive a sorte de morar no centro mas sempre nos arredores, o que massacra muito a vida quotidiana).
    Bom fds
    ~CC~

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