segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Crónicas da estação quente (V)



Começava Agosto, era o dia primeiro.

E tinha começado quente, abrasando todos aqueles montes sem mar. A cidade sufocava, era aberta ao sol pois os Invernos eram apesar de tudo mais longos e muito frios. 

O relógio batia as quatro da tarde na praça central, a única sombra era a das duas esplanadas, quase cheias. Estavam lá mães, muitas mães, ainda relativamente jovens. Estavam umas poucas avós com netos. Estavam senhoras recém entradas na reforma, bem arranjadas, num encontro entre elas. Numa das mesas também homens, relativamente jovens, não sei se pais pois as crianças não estavam junto deles. E a praça tinham destas fontes modernas que nascem do chão, jorrando água de quando em quando, num jogo de repuxos.

As crianças tinham-se juntado todas junto dos repuxos de água, um grupo delas entre os quatro e os doze anos. Eram já um bando, umas oito, em escadinha. Primeiro elas apenas andavam, cruzando os espaços entre os repuxos, apanhando apenas uns salpicos. Até que a primeira se descalçou. Até que uma outra tirou a camisola. Até que a brincadeira já não era evitar a água mas tentar apanhá-la. 

Os pequenos gritinhos de alegria dos meninos chegaram à esplanada. As mães e as avós deitaram as mãos à cabeça. Ai que se aleijam, ai que se magoam, ai que se constipam. Até que uma se riu: deixem lá os miúdos, fazem eles bem, está um calor insuportável. E as outras riram-se também. Vamos fingir que não vemos disse a primeira que se riu. E continuaram a conversar umas com as outras.

Depois uma das senhoras sem netos disse: aqueles miúdos ainda se magoam! Os homens olharam pela primeira vez. Uma das mães disse: se calhar já chega. Foram buscá-los, não sem luta, claro. Uns vinham em pingo, outros apenas salpicados, elas fingiam que se zangavam, engolindo o riso.

No meio da confusão, ainda ouvi uma menina ruiva a dizer para o rapaz muito moreno: amanhã vens?

~CC~








5 comentários:

  1. Tive uma infância enclausurada. Sem irmãos nem primos para brincar e habitando numa grande cidade, as brincadeiras de rua estavam-me dificultadas. Restavam-me as visitas a casa dos colegas de turma.
    Por outro lado, os afazeres de meus pais impedia-os de terem tempo livre para brincarem comigo.
    De acordo com vários psicólogos, brincar ao ar livre é do melhor que há e todos concordam que as crianças têm de brincar, de preferência na rua e em família.
    Pode parecer que não, mas as brincadeiras são, na verdade, uma coisa séria na vida dos mais novos.

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  2. No meu tempo essa pergunta (apesar de inocente) só poderia ser feita por um menino; ainda bem que os tempos mudaram ;)

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  3. Pois quem me dera a mim ser criança nessa fonte rasa e intermitente sob o olhar de mães e avós que fingissem não me ver. Havia de ser uma alegria inocente, como são todas as verdadeiras alegrias da vida.
    Bom dia, CC.

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  4. Joaquim, brincar na rua é tão bom:) Ainda bem que hoje tem consciência disso para o poder proporcionar a outros.
    Maria, que bom que reparou nesse pormenor (maior) da história, pensei que ninguém iria dar conta, que atenta!
    Bea, alegria da mais pura:)
    Abraços 3
    ~CC~

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