sábado, 2 de janeiro de 2021

De par para impar


Não desprezo 2020, tão pouco o acho o pior ano das nossas vidas. É preciso lembrar que já houve duas guerras mundiais, que nos confrontámos com o nazismo e com o fascismo, que houve e há todos os dias atrocidades muito piores do que aquelas que este vírus nos trouxe. Eu tenho mais receio do que está para vir e não se pode controlar através de nenhum feito da Ciência, eu tenho mais medo do que é mau e é humano, mais receio do escuro que habita, que fica, que invade.

E agora uma segunda parte, menos negra, mais pessoal.

Em 2020 aprendi a fazer pão e folar de Olhão. Testei se seria capaz de viver numa aldeia. Teci alianças para cuidar da mais velha sem a levar para um lar e consegui. Vivi muitos dias sem estar com ninguém presencialmente e percebi que um abraço e dois dedos de conversa são mesmo um bem precioso, mas que conseguia viver comigo própria sem que essa solidão me pesasse em demasia. Não perdi nenhum amigo. Não perdi o emprego nem nenhum trabalho que me fosse significativo. Talvez me tenha tornado melhor docente, ainda não consigo avaliar bem. Fui ver o mar sempre que o coração apertava. Não gostei das máscaras mas suportei-as sempre que era necessário. Não falhei exames médicos, embora tenha sido uma luta. Perdi dinheiro de viagens e adiei projectos sem desesperar. Suportei sem muita tristeza o Natal em ponto pequeno, assim como a passagem de ano. Recebi um livro de poesia da minha filha, há quanto tempo não me ofereciam um. 

A vontade de viver continuou e continua intensa mas fui modesta a pedir e a querer, sobretudo em coisas para mim própria, talvez tenha ganho algum minimalismo ou aprendido a valorizar as coisas mais pequeninas.

Já os abraços, esses que venham em grande.

~CC~



8 comentários:

  1. Desprezo é uma palavra muito forte, acho que não desprezo nada nem ninguém e muito menos um ano que consegui viver. Quanto às guerras e outras atrocidades, não as vivi, podem ser malevolência pura, acredito que sim, mas não foram os meus anos e só quero que não tornem.
    2020 não me tirou muito nem alterou grandemente as rotinas, mas o que tirou faz-me muita falta. Não fiz nada de saliente nesses meses compridos, mas não foram uma tristeza e vivo bem comigo e gosto de estar só e por aí. O meu Natal foi muito igual ao de outros anos e a passagem de ano idem. Julgo não ser apenas em meu nome que avalio ter sido um ano mau e que, quem sabe, foi só princípio. Mas tenho esperança, talvez esteja enganada, pelo menos parcialmente. A CC tem razão, a maldade humana é a pior moléstia.
    Bom ano, CC.

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    1. Não ignoro que foi um ano difícil, a cultura talvez a mais afectada como actividade económica. Eu também tive as minhas dificuldades - um grande aperto foi ver todos os estágios dos cursos suspensos. Mas tratam 2020 de forma tão dramática que parece que a humanidade não tem sido sujeita a pior, enfim...
      Para si desejo o regresso aos passeios à Gulbenkian e respectivos concertos:)
      ~CC~

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  2. Em memória das suas vítimas, eu acrescentaria o estalinismo e a inquisição à sua lista de atrocidades.
    Vejo que em 2020 descobriu-se, desafiou-se e encontrou talentos insuspeitados. Parabéns por continuar a encontrar motivos para se realizar CC e, se um dia eu passar pela sua mente, abrace-me, nem que seja apenas por um instante.

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    1. Bonita frase Joaquim, muito poética: "abrace-me, nem que seja apenas por um instante". Já viu o que é capaz de escrever? Explore esse talento, invista, reinvente(se)...Um abraço virtual grande! Em presença teria mais dificuldade, não me vejo a abraçar de repente alguém que não conheço, embora já tenha feito muitos exercícios desses (coisas da expressão dramática), mas para ser eu mesma e abraçar alguém com vontade e carinho, preciso sempre de tempo.
      ~CC~

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  3. foi um ano atípico e acho que viemos pior enquanto sociedade do 1ºconfinamento. Quanto ao pós virus, cá estaremos para avaliar.

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  4. Não vivemos bem de facto, vivemos com medo, ansiedade e desconfiança. Mas a humanidade já mostrou pior (e mostra ainda). Pós vírus soa bem, se bem que ainda não o consiga dizer e muito menos saborear.
    ~CC~

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  5. Muito temos em comum (os meus mais velhos, porém, partiram antes da pandemia, ufa), até a profissão.
    Haja esperança!
    Beijo, CC, e bom 2021! :)

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  6. Esperança...querida Maria Eu, obrigada!
    ~CC~

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