Não tenho visto tanto cinema quanto preciso, mas tenho compensado com umas idas ao teatro. Chego invariavelmente esgotada ao início das noites e muitas vezes tenho ainda de cozinhar, logo não consigo esgueirar-me para a minha grande catedral, o cinema Charlot. Salvo-me embebendo-me nos únicos canais que valem a pena para além dos de culinária e do canal 2.
Era uma vez na América - Sérgio Leone, 1984 Cine/TV
Antes deste filme eu apenas vislumbrava que na amizade também podia haver ciúme e traição, que mesmo ela, no esplendor da sua beleza, não era um amor incólume e à prova de bala. Tudo o mais é importante no filme, mas nesta relação intensa é que reside a maravilha que é.
Dias Perfeitos - Wim Wenders Cine/TV
Após os primeiros quinze minutos eu pensei que tanta calma, tanto silêncio, tanta coisa a acontecer sem acontecer realmente nada, me iam conduzir rapidamente ao sono profundo no sofá. Não reconheci o cineasta que me fizera vibrar, que me cortava a respiração. Mas depois fiquei absolutamente presa ao homem e à sua dança de limpeza, arrumação, perfeição. Ao mesmo tempo que pensava que esta personagem não podia mesmo existir, pois determinadas coisas não batiam certo como ser culto e limpar casas de banho públicas, essa sua estranheza prendia-me, queria perceber melhor. Afinal é possível escolher só ser em vez de ser e ter ou só ter. Tocante.
O Quarto ao lado, de Pedro Almodôvar - cinemas Charlot
Também não reconheci um dos meus cineastas preferidos, também ele envelheceu, só isso lhe permite fazer este filme quieto, gentil, triste. Disseram-me para não ir que me seria pesado, a personagem principal tem cancro e é incurável. São circunstâncias de convívio próximo. Curiosamente achei o filme leve. Escolher morrer e ter possibilidades de o fazer de forma tão favorável é um privilégio. Achei que também eu gostaria de escolher morrer assim, por mais que custe abandonar um mundo tão imperfeito quanto amado.
Vão ao cinema, preferencialmente num cinema a sério, não os abandonemos.
~CC~
Cara CC,
ResponderEliminarEstar tantos dias sem a ler, dói, primeiro porque nunca se sabe o que se passa desse lado, depois porque a sua escrita nos faz falta.
Tão sedutor e subtil como duas siglas repetidas entre dois tildes-ondas é o seu talento para a escrita.
Por favor, continue a escrever, seja crítica de cinema ou um prontuário de como preparar gins tónicos, pois de certeza que terei todo o gosto em lê-la.
Atentamente,
Querido Joaquim, quanta gentileza a sua, muito obrigada!
EliminarDos três só não vi O quarto ao lado. Mas hei-de ver. Espero que passado o Natal ainda esteja em cartaz. E gostei imenso de Perfect days. Mesmo. Para mim é a beleza das pequenas coisas, a beleza de se fazer bem o que se faz (ou o melhor possível); a beleza de abdicar de outro modo de vida para ter tempo para si e se dedicar à contemplação - e fotografia - do que gosta. A vida simples cultiva-se e limpar casas de banho, como se demonstra no filme, é uma profissão importante que importa ser bem executada. A cada um seu métier. E a disponibilidade que esse indivíduo tem para com os outros é tocante. Poucas palavras e gestos precisos no momento exacto é quanto baste. Ainda tenho o filme no portátil,
ResponderEliminarQuanto a Era uma vez na América é um dos meus filmes desde a juventude. Há algumas coisas nele que inda hoje não sou capaz de entender. A que refere sobre a amizade é das mais amargas. Mas há mais. E Roberto de Niro marca todo o filme.
Boa noite, CC.
Esta a ver Bea, afinal amamos os mesmos filmes:) Bom fim de semana!
EliminarTambém acho que o Almodóvar está diferente de há uns anos para cá. E leveza é um adjectivo que encaixa perfeito, neste filme do post e não só. «Julieta» «Mães Paralelas» «Dor e Glória» (...) tudo filmografia recente que parece despersonalizada. É como se o homem passasse do underground para o mainstream num acidente rodoviário grave. Perdeu os miolos, as cores, a língua, a mão. Enfim.
ResponderEliminarAmanhã ou depois vou fazer um pequeno balanço do que mais gostei neste ano lá no amortedesalome. Almodóvar não vai constar.
Abraços.
O Diogo tem um gosto muito singular, irei sim lá espreitar. Os homens envelhecem, como não podem envelhecer os seus filmes? Abraço
EliminarPor aqui as salas de cinema estão na mão das distribuidoras que operam nos centros comerciais. Nada sério para ver. Também recorro à RTP2.
ResponderEliminarUm abraço.
É uma pena que os cidadãos e/ou o poder local não possam cuidar dos seus lugares de culto, é assim que encaro o cinema da terra.
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