sábado, 9 de dezembro de 2023

Advento (VII)

 

É verdade, gastava-se excessivamente em presentes.

Ainda assim eu gostava de pensar em cada uma das pessoas a quem os dava. Por vezes também desesperei, sem tempo para os comprar e comprei qualquer coisa ou pedi que alguém comprasse. Não fui sempre fiel ao cuidado que cada um devia merecer-me.

Com a Troika chegou o "amigo secreto" à família. Rendi-me mas nunca gostei de tal coisa. Instalou-se como uma rotina e já não parece haver saída, ainda que faça propostas que permitam outras lógicas.

Hoje recebi a primeira prenda de Natal e a mais vulgar do mundo, uma caixa de bombons. Mas adorei porque foi inesperado e pelo contexto em que surgiu, acho que nem era bem para mim mas a pessoa resolveu dar-me e acho que o fez com carinho, num gesto repentino,

E lembrei-me que era um presente que costumava desejar muito, uma enorme caixa de bombons daquelas que as pastelarias exibiam nas prateleiras, com vários andares e muitas escolhas diferentes. As mais bonitas exibiam pinturas de cidades e as mais pirosas rosas ou outras flores, a marca mal se via, não era assim tão importante. Lembro-me em particular das da Versailles em Lisboa, de ficar a olhar para aquelas caixas que à época ainda se vendiam em "contos" e eram bem caras. As pastelarias pouco a pouco deixaram de as ter nas prateleiras, só as mais antigas o fazem. São os supermercados que as exibem em corredores inteiros mas já sem aquele fausto ou aquela roupagem. O mais curioso é que nem gosto particularmente de alguns recheios dos bombons, gosto é de pensar que não sei o que está dentro de cada um, da surpresa que cada sabor pode representar. Hoje as caixas mais vulgares são uniformes, todos com os mesmos bombons e por isso sem grande piada. 

E assim se perdeu no tempo aquele desejo, por certo tão consonante com a jovem pobre que fui. 

~CC~








1 comentário:

  1. Na vila perto do nosso lugar, um "já ali" alentejanamente à distância de 5km, palmilhados por muita gente (eu incluída) na poupança de tostões e escudos, fascinava-me na única pastelaria da vila a pirâmide de suspiros brancos e os gatinhos e sombrinhas que a rodeavam e que o Menino Jesus, por vezes, se lembrava de me oferecer à unidade. Impressionava-me que minha mãe afirmasse não ter dinheiro para me comprar um, pois se havia ali tantos. Dado o inconveniente económico, antes pensava que o pasteleiro - nascido no nosso lugar e conhecendo-nos bem - , se ela pedisse um suspiro para mim, mo daria de boa vontade. Fazia birra e zangava-me por não anuir à minha proposta. Hoje avalio tudo de outra forma. Ao rever esses momentos, vêm-me todos os outros em que me lambuzei com o açúcar do suspiro, húmido no interior. Minha mãe limpava-me a boca a sorrir. Jamais pediu um bolo para si - assunto em que nunca pensei. É claro que sempre eu lhe oferecia um pedacinho, queria por força que ela provasse, mas parecia tão contente de me ver saborear a iguaria! Por vezes, eu preferia um bolo de arroz e ela alegrava afirmando ser mais alimentício. Raro conseguia consumi-lo todo. Pedia um guardanapo e guardava-me o resto para mais tarde.
    Também recordo essas caixas abertas e em exposição, banindo os ditosos suspiros. Mas não as compreendi como caixas, pareciam-me altares cheios de bombons todos em fila, com pratas bonitas e diferentes umas das outras. Embasbacava a olhar o alinhamento, mas não senti curiosidade por eles, apesar de minha mãe me dizer que não estavam à venda como os gatinhos ou as sombrinhas, nessa época destronados para as laterais da montra e a monte dentro de tacinhas, o que me soava a ofensa. Em pano de fundo, uma árvore de Natal que para mim era encantamento, tinha luzinhas que acendiam e apagavam e chocolates dependurados: peixes, bolas, um ou dois gatinhos, sombrinhas e pequenas caixas de chocolates com laços coloridos, um laço enorme em cada uma e que julgava conterem sei lá quê de misterioso e bom.
    Também não alinho no "amigo secreto", quanto a presentes. É uma forma de dar uma prenda melhor, certo. Mas só uma e não se sabe para quem. Que é isso?! Faço gosto em dar presentes personalizados. Gasto muito com eles e quase nunca são aquilo que gostaria mesmo de dar, mas tento que seja algo que gostem. Na família, a moda não pega.
    Mas foi bom lembrar esse tempo de olhos colados à montra e nariz a esborrachar no vidro, minha mãe a afastar-me, não te chegues tanto que embacias o vidro.
    Muito grata, CC.

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