terça-feira, 30 de novembro de 2021

Teoria de Café

 

Gosto das teorias de café. Quando alguém decide que tem algo fantástico para explicar aos outros. Ultimamente já não há muito quem o faça. Antes das influencers, dos livros de auto-ajuda e do comentador especialista ou tudólogo eram estas as filosofias que tínhamos disponíveis para nos apoiar a destrinçar as coisas importantes da vida. O meu pai terá sido certamente um deles, lembro-me de o ver muitas vezes rodeado de pessoas.

Vejamos, como diz o senhor, porque se joga tão mau futebol hoje em dia. Alguma vez se conquistou qualidade sem quantidade? É a pergunta que ele deixa no ar. Os bons teóricos de café fazem perguntas antes de darem a resposta. Ninguém ousa responder, pelo contrário, ficam naquele silêncio de espera. O que fazem hoje as crianças quando o professor falta? Dantes (no seu tempo) a primeira coisa que se procurava era uma bola, agora é um telemóvel. Se não se pratica, como podem despertar talentos?

Embora não seja capaz de ajuizar a relação de causa-efeito estabelecida dada a minha diminuta atenção ao desporto em causa, algo ecoou em mim. Às vezes penso porque tenho tanta necessidade de voltar à Africa, esse apelo. Uma das razões são as crianças, não apenas por serem muitas, andarem em bandos em completa autonomia mas também pelo modo como brincam, pela alegria que nisso depositam. Como dizia o filósofo do café deste sábado, neste país, com tanta coisa bonita, ainda com fraldas já os pais usaram o ecrã do Telemóvel ou do Tablet como se de um brinquedo se tratasse. Contudo, a minha preocupação não incide como a dele na qualidade do futebol, antes na qualidade de outras coisas, nomeadamente na capacidade de entrar em relação.

~CC~




4 comentários:

  1. Não sabemos ainda toda a extensão da tragédia. Sim, porque é uma pequena-grande tragédia que altera sentires e comportamentos. Nós, os criados sem telemóvel, chamamos solidão a esse sentimento de falta dos outros, o que nos dá a sensação de nos sentirmos desprendidos, fora de qualquer laço, desimportantes, nulos. Que sentirão os homens de amanhã, criados a poder de imagens, a aprender lições teóricas sobre altruísmo e capacidade de resiliência. E o mais. Sentirão ainda saudade dos outros, de relações que verdadeiramente não aprenderam porque o tempo lhes passou nesse mundo de sombras de sombras. Nunca Platão supôs que, um dia, o mundo encarnava textualmente a sua alegoria. Sem necessidade do recurso à transcendência.
    As voltas que o mundo dá.

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    1. A pandemia também nos mostrou o valor dos corpos, dos cheiros, dos abraços...os écrans podem iniciar uma relação mas dificilmente a manterão. Vejo isso com quem iniciou relações de amizade ou de amor a distância, só depois de se verem consolidaram (ou não) essa relação. Mas não sei se será sempre assim...
      ~CC~

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  2. Talvez nem tudo seja assim tão mau CC.
    Se bem que Max Weber não encaixe no conceito de relacionamento intrapessoal, este não deixa de ser menos importante, pois remete para a aptidão de uma pessoa se relacionar com os seus próprios sentimentos e emoções e isso vai determinar como cada pessoa age quando é confrontada com situações do dia-a-dia.
    Também se pode ser saudável vivendo sem grandes relações. Fui menino que brinquei sozinho, naquele tempo não havia telemóveis nem tablets, sem irmãos, sem primos, vivendo num apartamento, só aos 15-16 anos conheci a rua.
    Senti-me só, mas não creio ter ficado afectado nas relações interpessoais que depois estabeleci - na amizade, no amor, na compaixão.
    Por outro lado, os conflitos, as disputas e as inimizades, só surgem nas divergências e falhas de comunicação entre dois ou mais indivíduos :)
    O contexto de trabalho é diferente, não sendo o campo ideal para criar amizades ou grandes relacionamentos - estas começam na escola e acabam na tropa - sempre podem existir relações saudáveis quando as pessoas são capazes de se colocar no lugar dos outros e deixem por momentos de pensar na competição.
    Gostei do tópico.

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  3. "Por outro lado, os conflitos, as disputas e as inimizades, só surgem nas divergências e falhas de comunicação entre dois ou mais indivíduos :)" - e o quanto isso é importante para a humanidade, a conflitualidade é que nos desafia também, nos faz perguntar, responder, crescer...

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