quinta-feira, 26 de junho de 2014

É hoje


Têm sido dias e dias de trabalho intenso, em que mal come, não se diverte muito (tenho que  incentivar), é metódica e sistemática quanto a horas de estudo, traçadas em torno de objectivos muito concretos como fazer um a dois exames por dia. O resto do mundo quase não tem existido. Digo-vos que é impressionante conviver com alguém capaz de tanta dedicação e esforço. Eu nunca fui assim, talvez apenas na recta final doutoramento tenha sido igual, mas nem se compara a minha idade com a dela. Creio que merece tudo o que deseja e por isso é que vai custar muito se não alcançar. O alívio que sinto por ser finalmente hoje o exame de Matemática é imenso mas estou mais inquieta, ela quer a nota máximo e nunca em tempo algum da minha vida eu fui capaz de o desejar, talvez por não me querer desiludir.O que ela estuda é impenetrável embora ache poéticos os termos matemáticos que a oiço dizer nas explicações telefónicas a amigos, domina-o com tamanha destreza que tenho pena que não queira seguir Matemática, contudo abomina o ensino e diz que é a única profissão para quem segue tal área. Estar com ela neste momento não é apenas ser mãe dela, é também dizer da admiração que tenho pela sua persistência. É enfim uma manhã em que mal me consigo concentrar nas minhas próprias tarefas.

~CC~



Adenda das 18h30m: Era fácil mas errou uma ou duas, não chegará ao 20, diz que vai repetir. Depois começa a fazer contas como essas do futebol, mas se o de Físico-Química for x, já não é preciso, mas se for y é. Só me apetece dizer-lhe que seja feliz, nunca mais voltará a ter 18 anos.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Contentamento triste



A vizinha do lado tinha um serra da estrela inimaginável de caber no apartamento dela. Tinha-o grande parte do tempo na varanda. Podíamos pensar que não gostaria dele por o sujeitar a essa vida enclausurada mas ao ver o desvelo com que o passeava duas vezes ao dia, percebíamos que se tratava de uma relação de amor. O bicho além de enorme era silencioso e pachorrento, eu via-lhe uns grandes olhos tristes mas talvez me enganasse. O regulamento do condomínio proíbe cães em casa mas sabemos como as regras podem ser letra morta. Tolerava o bicho apesar do pelo deixado no corredor e no elevador, já o cheiro era insuportável, enjoava às vezes ao passar simplesmente à porta. Não tinha ideia que um cão pudesse cheirar tão mal. Não nos habituávamos e incomodou-nos sempre. Até que há uns dias, mais de uma semana talvez, o cheiro desapareceu. Também já não a ouvimos sair com o cão. Na varanda nem uma sombra. E agora estamos neste contentamento triste, um alívio por um lado, por outro alguma coisa que falta.

~CC~

domingo, 22 de junho de 2014

Chico e eu


Diz-se que precisamos de alguém que testemunhe a nossa vida para termos a certeza de ser mais do que pó, de que um dia existimos. Mas a nossa existência é também a existência dos outros que viveram em paralelo connosco, entrando na nossa vida sem sequer saber. 


Agradeço ao Chico Buarque a invenção do amor com um violão e uns olhos verdes capazes de fazer sonhar qualquer mocinha nascida nos anos 60. Quem me cantava as canções dele tinha olhos pretos e caracóis da mesma cor, tão capaz de me fazer acreditar no amor como ele próprio. Fui esta mocinha, acreditando ser tão amada como a da canção neste jogo inocente do primeiro namorado a sério. A felicidade podia durar apenas o tempo desta canção mas era plena, intensa e verdadeira. 







Mais tarde, muito mais tarde e já mulher também soube o que era esperar que o nosso amor nos olhasse e descobrisse que trazíamos um colar ou um vestido novo, tão sequiosa de uma surpresa, de uma dança em plena rua, de ainda me saber amada, afogada num quotidiano de intenso trabalho que parecia letal para o amor, é letal para o amor. Sonhado sempre "e os dois começaram a se abraçar". Este desejo que o amor dure e se mostre iluminado de quando em quando, renovando a certeza da sua existência.




E esta mãe que espera uma vida inteira? É a minha mãe. E eu, sem nome de menino Jesus, mas ainda assim com nome de Deusa retirada da Ilha dos Amores, vezes sem conta destinada a repetir o nome e a dizer perante a estranheza:, não não me chamo Isabel, não é Isabel.



Chico é grande, tão grande como belo. Entra nas nossas vidas e envelhece connosco.

~CC~






sábado, 21 de junho de 2014

Por um café!



Manhã de Quarta Feira passada, na Universidade de Oviedo. Tínhamos preparado um power point com o retrato paisagístico desta bela Arrábida, um vídeo de cortar a respiração, sem voz, apenas as imagens e música. Antes disso a bela árvore, esse sobreiro que Siza Vieira deixou como símbolo da minha escola, as linhas ora rectas, ora curvas, a desenhar-se no verde. 

Juntámos Zeca Afonso e imagens da revolução, aquele amor que tenho por Sebastião da Gama, terminámos a apresentação com o poema "Pelo sonho é que vamos".  Era uma plateia pequena, só professores. A tudo assistiram muito silenciosos, uma exclamação ou outra quando soou a Grândola, difícil saber se a assistência adormecia de tédio ou se encantava. Até que mesmo a terminar, depois dos elogios às praias de areia branca, ao clima ameno, à proximidade linguística, me lembrei de dizer...e...o café é bom e custa 0,65 cêntimos! A plateia irrompeu efusiva, entre gargalhadas e exclamações de "vamos já". 

~CC~

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Manhãs de Oviedo



Dizem-nos que chove quase sempre e que estas manhãs de sol são uma bênção que os deuses de chuva das montanhas resolveram conceder a uns portugueses transviados. Não há por aqui muitos, não vimos nenhuns aliás. Há grupos de turistas idosos com guias muito jovens, parecem oriundos de países nórdicos ou anglosaxonónicos. Não chegam para perturbar a paisagem natural da cidade. As cidades periféricas têm este condão de nos reservar a tranquilidade da sua vida própria, são iguais a si próprias e indiferentes a meia dúzia de turistas, coisa que aliás não somos. Hoje é dia de conferência, falar da minha escola, do curso,  mas apetece-me mais falar da terra que adoptei, ler poemas, falar da luz.

O futebol está por toda a parte e lamentamos não chorar a derrota portuguesa, estamos perto da indiferença. O mar cantábrico não é o mar da minha terra, é escuro, cheio de ondas, bate um vento norte. Deve ser frio como o do portinho da Arrábida, tão diferente do de Tróia. Gosto de ver o mar cantábrico, gosto de perceber como é, seria quase impossível deixá-lo banhar-me o corpo.

As pessoas são calorosas, dizem-nos para ter cuidado com a cidra que nem parece álcool.

~CC~

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A última reunião do Secundário


Lá fui à mais que provável última reunião do Secundário, até porque a filha já é maior. Demorou só cerca de meia hora, a directora de turma cheia de pressa e sem nada significativo para dizer, até porque o mail enviado sobre os exames já continha tudo o que era importante. Doze anos de escola acabam assim, como diria João dos Santos, a escola não inclui a festa e exclui a alegria. Resta aos miúdos e aos pais o baile de finalistas e se não fosse isso, nada seria. Estava emocionada à entrada por sentir o final desta etapa, mas tamanha secura matou-me qualquer lágrima que quisesse fugir-me.

Ainda teve um último minuto para dizer quem teria diplomas de mérito, três meninas mulheres, nenhum rapaz. Mais tarde duvido que alguma delas chegue ao poder judicial, político ou simplesmente a chefiar um hospital ou uma escola, não obstante terem sido as melhores.

~CC~

terça-feira, 10 de junho de 2014

(Outro) dia de Portugal



Os mesmos de sempre, vestidos a preceito, cerimónia fechada, o povo mantido à distância, apenas para observar, quanto muito bater palmas. Tudo igual desde há vinte anos, mudando apenas a cidade e as palavras que lhe são destinadas. Apenas o desmaio do presidente e os protestos são motivos de comentário. Zero de conteúdo, zero de afecto, zero de proximidade.

Chamem todos os que partiram de Portugal nos últimos anos, são esses, na maioria jovens, que precisam de uma palavra, de um abraço, de saber que este país é deles. Convidem os que andam pelas ruas e perderam há muito o norte, com abrigo nos centros de acolhimento ou a viver na rua, sentem-nos à mesa do presidente e do governo, são esses que precisam de se saber não esquecidos. Peçam aos bancos que vos indiquem todos aqueles que nos últimos anos entregaram às casas aos bancos por não poderem mais pagar os empréstimos e convidem-nos para esta cerimónia, são eles que precisam de esperança. Esta cerimónia é do Portugal enfastiado, de circunstância, do que não sofre. Façam um 10 de Junho entre as pessoas que se sentem sós, tristes e perdidas. Ai, se tivessem coragem....

~CC~

domingo, 8 de junho de 2014

Coisas de Domingo



Este Domingo, bem cedo, segui pelo comboio Praias do Sado-Barreiro até ao Pinhal Novo para rumar noutro comboio para Sul. Comigo, vários passageiros acima dos 60 anos de idade, talvez mais para os 70. E o que faziam no comboio? Tinham ido ao mercado do livramento a Setúbal comprar peixe fresco, fruta e legumes. Dois deles levavam o peixe num balde plástico pequenino, parecido com o dos pescadores. Os sacos de plástico verde sem qualquer marca não me enganavam, eram os os legumes e a fruta do mercado. A maioria eram homens. Num tempo como este, com um supermercado em cada rua, um hipermercado em cada vila, ainda há pessoas que apanham um comboio para ir ao mercado. Fiquei feliz mas ao mesmo tempo triste, eram todos velhos, quando eles morreram quem atravessará assim uma manhã de Domingo para ir comprar peixe fresco?

E nos rostos deles passou a imagem do rosto do meu avó, um velhote que atravessava a vila de Olhão de bicicleta para ir buscar o peixe ao mercado, as laranjas e um bocadinho de queijo. 

~CC~






quarta-feira, 4 de junho de 2014

Cinema - números redondos com fundo azul

É na minha cidade. Já lá vão 30 edições, algumas foram do outro lado do rio, agora o cinema vive deste lado. Pode parecer-vos estranho num tempo como este que seja a Alemanha o país homenageado do Festival, a mim parece-me bem que se desfaçam os estereótipos, acredito que um povo não é inteiramente representado pelos seus governantes.

Não deixem de subir ao último andar do fórum Luisa Todi, é lá que trabalho muitas vezes, metade do tempo com o olhar preso ao estuário azul. Se me virem, não deixem de acenar, sempre podemos tomar um cafezinho.

~CC~




terça-feira, 3 de junho de 2014

Por amor?! (2)



Eu sou uma pessoa de fazer coisas por amor. Faço-as se não me obrigarem a isso, se não me pedirem, se não me pressionarem. Digo muitas vezes que não há amor sem uma boa dose de generosidade, percebermos o que o outro gosta, sabermos das cores que prefere, das comidas que lhe deixam água na boca, dos livros que lê ou gostaria de ler, da música que ouve. Saber a forma do corpo do outro na hora de lhe comprar uma roupa. Já comprei camisas ao meu amor 1 e umas sandálias e ténis ao meu amor 2. As sandálias eram amarelas e os ténis azuis claros, arrisquei e acertei, isso tornou-me mais feliz porque me deu o sentimento de conhecer outro alguém.

Fazer uma vontade a alguém que gosto traz-me praticamente a mesma felicidade que a fazer a mim mesmo, desde que para o fazer não tenha que rejeitar-me a mim própria. 

Trata-se de ir com alguém que gosto comer caracóis, detesto-os e o cheiro enoja-me, no entanto sou capaz de fazer companhia, se tiver um amor que me obrigue a comê-los, esse amor morre no mesmo instante.

~CC~

domingo, 1 de junho de 2014

Por amor?!


Aparece a moça com trejeitos de cumplicidade a perguntar-nos o que faríamos por amor. Parece uma pergunta séria, não fora anunciar um programa estúpido de TV que é necessário desmascarar, desconstruir. A prova de amor que o parceiro tem que dar em tal programa é fazer uma coisa que detesta. Mas se detesta fazer aquilo ou tem medo como é que nós, que o amamos, podemos pedir-lhe isso? A prova de amor dele(a) é a mais provada prova do nosso desamor. Jamais pediria a alguém que amo que comesse uma coisa que detesta, violentasse os seus receios, pensasse nas antípodas do que pensa. Pior: associar a ideia do amor ao sacrifício e à tortura do outro é meio caminho andado para a ideia ainda corrente de que o amor justifica tudo, inclusive a violação do amor próprio, do respeito por si mesmo. De forma subtil este romantismo associado ao sacrifício é perigoso, creio mesmo que ele estará na base dos 12 anos que as mulheres demoram a deixar os maridos que as agridem.

~CC~