domingo, 29 de setembro de 2013

As últimas



Se nada mudar, estas autárquicas são as minhas últimas eleições, não voltarei a votar. E nestas só votei porque sei quem são estas pessoas, o nome delas diz-me alguma coisa e sei o que fizeram e querem fazer neste concelho, já os partidos pelos quais concorrem não me dizem absolutamente nada. 

Uma nota positiva, cheguei às urnas apenas com o meu cartão de cidadão e deram-me todas as informações necessárias. A mesma coisa com as pessoas que lá estavam na mesma situação que eu. E fizeram-no com competência e simpatia.

~CC~

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Manhã de chuva



Tirei uma seringa cheia de sangue escuro, nada mau, parece que os glóbulos vermelhos não me abandonaram. Para comemorar, apanhei a primeira grande molha de Outono,fiquei encharcada dos pés à cabeça, já não sabia o que era ver umas calças de ganga a mudar de cor. Aos quinze era a nossa melhor brincadeira no pátio dos pré fabricados da Secundária, chapinharmos nas poças e deixarmos os cabelos a escorrer de chuva. A professora de Fisico-Química a perguntar: expliquem do ponto de vista científico o que vos aconteceu. E nós: mudámos para o estado líquido.

O céu não está apenas escuro, fala na sua língua pouco convencional, é bom que o respeitemos. E a estrada do Sul para fazer com toda esta água. Rolar devagar, assim ainda passo pelo meu território amado e adiado: esse Alentejo. 

~CC~

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Destino




Lugares que moram uma vez no olhar e se infiltram em nós como destino provável de uma vida. 
~CC~





terça-feira, 24 de setembro de 2013

Truques de fim de estação



A noite que chega mais cedo, o primeiro frio a entrar na pele, o prenúncio da chuva, uma maldita tristeza que sinto ao despedir-me de cada Verão. Cada um tem um tempo de risco, para alguns é o Natal, para outros os anos, para outros o tempo do maldito calor. Para mim é esta entrada nos tons castanhos, folhas mortas, caídas, um cheiro a morte por todo o lado, os bichos a enfiarem-se na terra, os pássaros de partida. O meu corpo a combinar com o Outono, num lento apodrecimento, enfim rendida a mais que necessários cuidados médicos, uma coisa que não suporto. Ainda assim muito aquém do que sinto precisar.

Quando me cruzei contigo há anos tinha feito batota com tudo, era Outubro mas tomávamos banho no mar e estendíamos as toalhas ao sol. Era Verão no Outono. Belo truque que usaste, ainda não sei como o fizeste.

Precisava que me guardasses o mês inteiro dentro do teu coração para poder sobreviver aconchegada no teu calor, de saber que a minha morte foi apenas um simulacro, como se faz quando se ensaia um sismo e todos se levantam das macas, a rir depois da representação. 

Nos desenhos novos das nossas velhas vidas imagino-te como um miúdo a caminho da escola nova, a melhor coisa que existe é a capacidade de nos reinventarmos os mesmos e ainda assim outros. Os laços que duram sem ser por obrigação só podem ser por imaginação.

~CC~

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

E ainda,,, a excelência dos outros




É tão bonita a forma como o poeta o diz.



Originalmente visto aqui - http://nemsemprealapis.blogspot.pt/, um blogue de excelência.

A excelência dos outros



Acontece-nos tropeçar nas nossas palavras e nos nossos sentimentos mas não fomos nós a expressá-los, foram outros. É o que me acontece com este texto.

Com ele veio toda a minha infância, os pés descalços, o sumo das mangas a escorrer-me das mãos, as canas dos mamoeiros para fazer bolinhas de sabão, as árvores para subir, a rua toda para brincar.

~CC~

domingo, 22 de setembro de 2013

Danço mal mas danço.


Este lugar às nove estava assim. Às 11h dois bailarinos dançavam. Meia hora depois chegou a banda cubana. À meia noite e meia estava cheio de aprendizes de salsa. Divertidos, caóticos, livres, errando o passo com o mesmo gosto quanto procuravam acertar. Atrás da banda uma paisagem de hortelã para os mojitos. Nesta altura já dançávamos todos aqui. E eu, um ano mais velha. A dançar, um bocadinho tosca, cada vez menos tosca. E sem medo, que é mesmo o princípal.

~CC~


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Olhares



Já conheço os corredores, as várias salinhas de espera, os átrios, os estranhos elevadores. Os hospitais públicos são todos mais ou menos iguais, esperamos horas e temos sorte se nos calhar uma cadeira. Vale-nos a crença de que ali estão os melhores, é isso que nos salva da zanga. A mim salva-me também a paisagem humana. Às nove da manhã as pessoas - em geral entre os 60 e os 91 (sim, hoje conheci uma fantástica senhora dessa idade) - ainda se calam comedidas, enfiadas no seu semblante sério. Uma hora depois a conversa flui e ganha volume sonoro, de tal forma que a voz que chama cada um deles fica sumida e distante. É preciso que a auxiliar de acção médica os venha lembrar que estão num hospital e não no café da esquina (a chata). Há claramente uma linha de fronteira entre estes utentes e os que vi na primeira consulta que decorreu no consultório privado do especialista, ele encaminha para aqui os que não têm seguro de saúde nem sítio onde cair mortos, vulgarmente dizendo. Sei que o faz com e por bondade mas inevitavelmente estão criados os dois mundos. Eu confesso, até gosto mais deste.

Hoje uma senhora dos seus 65 anos, com um ar muito rosadinho, imaginei-a eu como vinda do Minho e pertencendo ao rancho folclórico local dizia alto a uma outra que tinha comentado o seu bom ar: é porque a senhora não me vê por dentro. Estou com uma depressão há mais de 30 anos, não consigo ir para lugar nenhum sozinha, se me deixarem, não sei voltar para casa. E lembro-me, nunca mais me esqueci, dessa primeira crise, um vazio, uma falta de coragem para viver, um buraco negro. Dizia-o com quem escreve um livro, com palavras belas e fundas que em nada combinavam com o rosto de maças vermelhas que tinha. Ainda dizem que no mundo rural as pessoas não se deprimem, que não sabem o que é isso. Temos tantos preconceitos, imaginamos que certas coisas só podem pertencer a alguns. No entanto, nunca vi tanta tristeza como nos lares que visitei em aldeias e vilas deste país, parecia quase contra-natura eles estarem ali, muitas vezes deixando para trás a casa e atrás dela a horta, o pequeno jardim, as fotos sobre as cómodas.

~CC~





quarta-feira, 18 de setembro de 2013

De louco...todos temos...



A lua assim redonda e cheia nesta noite fora de casa. Desta vez consegui uma janela para ver o rio Mondego correr neste brilho nocturno e assim fazer-me soterrar os medos e o sufoco. Sou uma contradição viva: adoro viajar e acordar fora de casa mas não durmo quase nada fora da minha cama e sem a minha almofada. Um ou dois dias estive no limite: saí para os corredores do hotel andando de um lado para o outro sem parar num deambular fantasmagórico. E num outro pensei sair pela janela, voar, libertar-me das grilhetas. Logo eu que adoro viver. Pílulas de dormir estão fora de questão.

Aprendi duas coisas, uma delas muito dolorosa: não consigo nem posso dormir com alguém no mesmo quarto se não tiver uma relação de proximidade, não pode ser simplesmente colega. Aprendi-o da pior maneira: passando quase uma noite inteira em pé junto à janela enquanto a colega apanhada de surpresa me queria levar ao hospital, achando que eu tinha falta de ar. Sim, tinha, mas era meramente um sintoma psicológico. Poderia talvez tratar-me, mas prefiro auto-tratar-me.  É uma espécie de faça você próprio, acreditando que temos que aprender a viver e dominar a loucura que nos habita.

Há vozes do outro lado da linha que me acalmam. E a tua é digna da rádio, deve ser por isso.

~CC~

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Até quando...



(Quanto tempo estarei mais aqui?)

Não posso ainda saber como se chama, mais para diante talvez. Ela disse-o mas esqueci rapidamente. Somos só seis, o nosso curso parece que não vai abrir, diga.me que não é verdade. Isto é o que eu sempre quis. Gosto do Património, gosto da Cultura. 

(Minha linda não sei quem lhe falou em verdade, hoje em dia é difícil falar nela).

Tem uns olhos grandes e muita convicção. 
Eu nem percebo como é que há tanta gente a tirar Comunicação Social, isso há em todo o lado, vão ser milhares. Este curso é único aqui, não há nenhum a juntar estas duas coisas, era assim que eu as imaginava.

(Minha linda, ao teu lado estão sentados vários alunos de Comunicação Social, não ouviste a colega da Madeira dizer que nem tinha esperança de conseguir entrar? Como podemos mandar nos gostos das pessoas, eles não são à medida do mercado de emprego, até porque minha linda, o conceito está também em vias de extinção)

Não desarma mas entristece.
Se não estudar aqui, se o curso não abrir, acho que desisto, não tenho coragem para já de voltar a concorrer.

(Minha linda, vamos chegar um dia a um estado limite em que perguntaremos se vale a pena ensinar alguém a ler porque afinal ler nem dá assim tanto emprego, por exemplo nos supermercados basta encostar o código de barras e o preço lá aparece...)

Nunca comecei um ano lectivo pensando até quanto estarei aqui, ali.

~CC~



domingo, 15 de setembro de 2013

Protestos contra o Relvas no Brasil: que orgulho nos nossos jovens.




Vejam bem como são corajosos! Repliquem, enviem, publiquem. O Miguel Relvas desprezou-os dizendo que eram apenas três. É necessário mostrar o quanto nos revemos neles apesar de serem só três.

~CC~

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Animais feridos


Queixava-se na farmácia:

- Ainda hoje uma colega minha foi tão insultada...disseram-lhe que ganhava um ordenado chorudo para estar sentada e que nós, funcionários públicos, não fazíamos nada. Diga-me lá se 650 euros líquidos são uma fortuna....e o nosso trabalho é atender em pessoas e mexer em papéis, isso cansa tanto como outra coisa qualquer...

Tratava-se de uma senhora em idade de pré-reforma, via-se que cansada e desgastada. 

É isto que se tem conseguido de forma muito clara: colocar uns contra os outros. O governo é quem fica a rir.

Ontem uma colega minha dizia com muita clareza: todos os dias nos enchem de medo, vivemos sob ameaça. Acrescento do que tenho visto e vivido nos últimos dias a propósito do ensino superior - as frases já não começam como uma óptica de desenvolvimento: é importante fazermos isto porque vai melhorar aquilo. As frases começam pelo medo: se não fizermos isto vai acontecer aquilo. E o aquilo é sempre o mesmo: fecho, desemprego, fim.

O que isto deixará em nós nas instituições que não fecharem efectivamente é algo que demorará muito a desaparecer. Vivemos como animais feridos.

~CC~

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Sujeitos ou objectos...


Não, esta não é uma conversa sobre os piropos. Mesmo sem participar em redes sociais já cá chegaram os ecos da discussão. Gosto muito deste texto e quando achamos que alguém diz bem o que pensamos, escusamos de repetir.

Esta é uma conversa sobre os sistemas de saúde público e privado, se é que é possível falar deles assim. A maior parte das pessoas que conheço e nas quais me incluo defendem que temos um bom sistema público de saúde mas sempre que podemos recorremos ao privado. É contraditório mas explica-se. Se estivermos numa situação urgente recorremos ao hospital público porque sabemos que em situação de emergência estão lá os médicos mais experientes e a sua própria experiência acumulada de anos de tratamento dessas situações. Há normalmente equipamentos bons nos grandes hospitais públicos. Nessas situações pouco nos importa a decoração, as batinhas lindas do pessoal ou o ramo de flores naturais na mesa do atendimento.

Se estivermos doentes e soubermos que é situação prolongada ou a exigir uma intervenção operatória, escolhemos um privado, preferencialmente se tivermos um seguro de saúde. Porquê?

No privado podemos escolher um médico e ele quase de certeza irá tratar-nos pelo nosso nome. Se necessitarmos de uma intervenção eles são capazes de a agendar para um prazo muito razoável (com dinheiro à vista é claro). É tudo mais simples e menos burocrático, embora os tempos de espera tenham aumentado muito. Quase sempre nos explicam o que há a fazer. No entanto, não me pareceram fiáveis os médicos do atendimento permanente ou das urgências, quase sempre estrangeiros sem qualquer capacidade de comunicação com o doente. Aí é a despachar, talvez porque não haja grande coisa a ganhar.

Pergunto se as coisas boas do privado não seriam possíveis no sistema público. Estou convencida que sim. A primeira coisa seria mudar o paradigma, deixar de tratar os utentes como parasitas do Estado, parece que estamos lá porque nos fazem um favor, não porque temos esse direito. Não somos tratados como sujeitos e por isso é que não podemos escolher nada, escolhem tudo por nós. O médico só pode ser aquele, o medicamento é aquele e mais nada, a operação faz-se daquele modo e não se diz que há outras opções. Uma vez numa urgência deram-me duas potentes injecções de cortisona sem me perguntar nada e um medicamente potente para a dor, também injectável. Não me deram qualquer opção, mandaram o enfermeiro aplicar. Chegamos lá e transformam-nos num corpo inerte, sem vontade própria. Uma vez na consulta do viajante ia avisada para perguntar pela vacina contra a cólera. Perguntei e ele explicou-me que era muito cara e não tinha comparticipação. Eu queria tomar e tomei, paguei-a. Estou convencida que foi um salva vidas para mim uma vez que estive muito doente em Angola e os sintomas eram muito semelhantes aos da doença. Nenhum dos meus colegas que foi ao país em missão idêntica o perguntou, nenhum a tomou.

Se o paradigma não muda é porque é bom desinvestir da melhoria do público, obviamente que se sabe porquê.

~CC~




terça-feira, 3 de setembro de 2013

Este Setembro


Deixar lentamente as férias saboreando o que ainda resta ou cortar radicalmente mergulhando o mais possível nas tarefas que já se acumulam? Setembro é mês difícil, voltar é difícil.  A cada ano, Setembro é mais difícil. Tento concentrar-me numa ideia positiva: eu ainda tenho emprego.

Há uma semana que não ia ver o mar, hoje não aguentei e parece que bebi do seu azul, sinto-me muito melhor.

~CC~





segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Bom ano lectivo



Belos artigos para começar o ano lectivo. Quem dera que o Crato lesse para além da sua cartilha.


Do professor (e nosso mestre) João Barroso:

http://www.publico.pt/temas/jornal/quando-a-escola-deixar-de-ser-uma-fabrica-de-alunos-27008265

Do Ex. reitor da Universidade de Lisboa António Nóvoa

http://expresso.sapo.pt/desemprego-jovem-e-a-morte-a-prazo-da-sociedade-diz-sampaio-da-novoa=f815429

Há gente boa em Portugal, normalmente fora dos partidos políticos.

~CC~


domingo, 1 de setembro de 2013

Faça você mesmo


A única coisa que nos ensinaram nas últimas décadas foi a consumir, a precisar de ter dinheiro, cada vez mais dinheiro para as necessidades cada vez menos básicas. Embora eu seja uma resistente ao conceito de necessidades básicas. Há quem prefira comprar um livro ou ir a um concerto, nem que seja a troco de umas latinhas de atum.

A minha mãe costurava a roupa toda para os filhos e para ela própria, eu mal sei pegar numa agulha. No outro dia entrei numa loja de tecidos e fiquei maravilhada a olhar os padrões, arrependida de nunca me ter sentado nessa máquina de costura que deu a volta ao mundo atrás da dona. Nessa matéria não vou a tempo de me redimir mas noutras sim.

Não sei se foi por isso. Não sei se é pelo facto do dinheiro já mal chegar para pagar as contas do mês. Ou ainda por não gostar de ter gente estranha em casa, sempre resisti a ter empregada doméstica, gosto de cuidar das minhas coisas por mais que me custe. Parece que nos países nórdicos nem conhecem o conceito de empregada doméstica, todos cuidam de tudo, a família reparte tarefas. 

Escolhemos as tintas, os rolos, o escadote, cada coisa com cuidado, analisando relação preço qualidade. Pintámos metade da casa a linho e uma parede havana, guardei a lata de ardósia para o meu quarto. A vida e o amor são também as paredes pintadas por nós. Agora olho-as e é como se tivessem mais história, guardam estes dias de esforço, resistindo ao mar. Não está perfeito, é verdade. Mas tem o valor das coisas com história, são melhores, mais interessantes.

As paredes combinam agora com os três morangos apanhados hoje do canteiro.

E à noite havia o teatro. Deixava-se a tinta a secar.

~CC~