sábado, 30 de setembro de 2017

Do amarelo


Certas campanhas, embora bem intencionadas, escapam-me. O que seria feito do amarelo????

Então mas eu gosto tanto de amarelo. Não há melhor cor para tingir os campos, anunciar o verão quando é claro, definir o seu fim quando é torrado. Não há melhor cor para falar do Outono, quando mancha as folhas combinado com o castanho.

Certos tons de amarelo escuro são os meus favoritos para vestir. Namorei, o ano passado, todo o inverno, um casaco dessa cor e deixei-o escapar por pura inércia. Se o tivesse comprado e usado teria sido um Inverno mais quente. Como não gostar de uma cor que ilumina?!

~CC~

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Nota de rodapé



Voltar a Coimbra e àquele hospital onde levava a mãe a tratamentos antes de eu própria ficar doente. É mau, pelo cansaço. É bom, pois já sou outra vez capaz de cuidar de alguém.

~CC~

domingo, 24 de setembro de 2017

Em festa



Ele fala em sorriso e em sorrisos e diz bem, estava muito feliz. Contudo, por duas vezes as lágrimas se iam soltando e sei que se o fizesse, seriam rios. Por isso contive-as, apertei os lábios, depois fui à casa de banho e passei o rosto por água. Foram, talvez, dos melhores abraços da minha vida, apertados, doces, inesquecíveis. 

~CC~

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Filha de deuses certamente...



Nasceu no mesmo dia que eu, não sei onde, mas imagino que não terá sido em terra de coqueiros e mangais. Tem apenas um ano mais. O coração entrega-o aos pardais que lhe pedem pão no beiral, também aos filhos, a qualquer pessoa que lhe pareça bondosa, às vezes parece que ao mundo inteiro. Abre a porta a vizinhas faladoras que andam meio perdidas na vida e conversa com as pessoas do bairro onde faz compras. Mas também é reservada, gosta do silêncio, de um copo de vinho com um bocadinho de queijo. O outono é a sua estação preferida, logo aquela que começa quando nasceu. Um dia bom começa com uma caminhada junto ao mar, com a brisa, com o olhar a apanhar o desenho das conchas. Cozinha por gosto, também por obrigação, gostava muito de provar as suas bolachinhas de manteiga, as de limão e outras mais cujo aroma chega aqui, a tantos quilómetros de distância do lugar onde ela mora. Convive com deuses e bruxas, maus olhados mas quase sempre olhados bons, o seu misticismo é o seu, é só dela. Quando eu fiquei no hospital muito para além do que estava previsto, arranjou maneira de saber de mim e só me conhecia daqui, do caldeirão virtual. Dizem que a blogosfera é isto e aquilo, eu não sei nem quero fazer teorias e pouco me interessa classificar a qualidade dos post(s) de alguém, sei apenas que enquanto pessoas como ela existirem, eu andarei por aqui, pois isso mostra-me a humanidade no seu melhor. Parabéns minha querida.

~CC~

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Escola



Ia a menina bem segura pela mão da mãe, atravessando ruas, passeios e parques. Depois chegaria à porta da escola e teria que a largar, que a deixar sem lágrimas. Como lhe custou. Nunca fui uma menina como aquela, ia sozinha para a escola, eram tempos outros.

Vejo chegar os meus novos alunos que são já adultos, mas há neles uma estranheza, um desconforto, uma leve semelhança com a menina que vi atravessar a cidade pela mão da mãe. Não os acho felizes, desconheço os caminhos pelos quais chegaram até aqui. Felizmente os mais velhos, sobretudo os que estão de saída, mostram-me mais luz no olhar, não obstante saber como a vida lhes será agora difícil. Para me confortar, para me motivar para iniciar o ano, penso que uma pequena parte daqueles sorrisos, afinal nos pertence.

~CC~

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

E é já noite



Vinte horas e 12 minutos e é noite. O Outono é a estação mais difícil de amar, rouba-nos, ao entrar, e dia a dia, cinco minutos de sol.

~CC~

sábado, 16 de setembro de 2017

Cidade sitiada


Uma das sobrinhas foi viver para Londres há uma semana. Como não lhe admirar a coragem por viver numa cidade sitiada. A mãe disse-lhe para não andar de metro, ao que ela respondeu que era impossível viver em Londres sem o fazer, tudo na cidade é muito longe e só o metro cruza a cidade sem tanta demora. Compreendo mas não sei se seria capaz. O meu acto heróico de luta contra o medo
foi enviar a minha candidatura Erasmus para Barcelona, mesmo assim não sabendo se chegarei a ter tal coragem. Este não é o mundo em que fui jovem, lamento tanto, mais por eles, que tinham por garantido que o mundo seria tão vasto, muito para além do horizonte que todos os dias avistam.

~CC~

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Um dia mais



Paul Auster diz que já viveu mais do que o seu pai, tem 66 anos. E que acorda a dizer: um dia mais, agradecendo-o. Digo o mesmo aos 52, quase 53.

~CC~

terça-feira, 12 de setembro de 2017

África



Mãe, estou desempregado...precisa uma ajuda.

Não foi por ser negro que o reconheci nesta forma de pedir mas pelo modo como me chamou mãe. É assim que as mulheres que já tiveram filhos passam a ser chamadas por todos em África, sobretudo quando dobram a casa dos quarenta. É uma forma estranha para nós mas respeitosa para eles. Não são apenas os filhos a tratá-las por mães, são todos os homens. E acordou qualquer coisa lá no fundo de mim, qualquer coisa que às vezes me parece apagada para sempre mas afinal não, ainda vive comigo.

~CC~

domingo, 10 de setembro de 2017

Noticiário



Ontem, notícias à hora do almoço, via rádio.

O furacão Irma matou seis pessoas, o terramoto no México dez, em Myanmar a violência já matou mil.

Conclusão: ainda é o homem que mata mais.

O que fazer à (des)humanidade?

~CC~

sábado, 9 de setembro de 2017

TODOS



Há anos que fazem um trabalho maravilhoso (a Madalena Vitorino já merecia o prémio Pessoa ou outra coisa qualquer dessas) que já correu vários bairros de Lisboa, faz muito mais que instalar-se, entra em comunicação profunda com os moradores, sejam eles provisórios, permanentes ou passem por lá. A maior parte das vezes procuram agregar comunidades com origem estrangeira e desta vez trabalharam com muitos refugiados. Venço o meu medo destas coisas dos grandes eventos (a minha filha para me tranquilizar diz que é um evento pequenino) e vou.

E TODOS é um nome tão forte, bate tão fundo.

É aqui:http://festivaltodos.com/intro/home

~CC~

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Constelações



A minha família vive espalhada em geografias multivariadas. Nas nossas conjugações infinitamente variáveis às vezes há encontros e há dois momentos privilegiados em que isso acontece: o Verão e  o Natal, bastava isso para gostar infinitamente dessas épocas. 

Chegam bebés de cujo nascimento soubemos e que agora já andam. Outros que vimos ainda bebés já falam quase como gente grande. Atrás deles chegam outros de que só sabíamos o nome porque o parentesco se faz pelo lado materno e o paterno é que é o nosso ou vice versa e depois de os vermos já lhes podemos juntar um rosto, um corpo, um modo de ser. Sabemos que o bocadinho que ali estivermos durará meses ou anos, raramente é possível saber quando nos veremos novamente. Às vezes tenho pena de não termos uma mesa grande, dessa mesa não se encher quase todos os domingos, como vejo acontecer noutras famílias. Outras, penso que nunca me habituaria a outro modo de ser família que não este. Estas configurações espalhadas pelo país, pelo mundo, que de quando em quando formam constelações felizes. 

Afinal este modo de viver juntos vivendo separados também é assim mesmo com os amores mais próximos, apenas os encontros são mais regulares. É verdade que agora, depois de um ano em que a doença trouxe todos para mais junto de mim, tenho que me habituar a que a recuperação implica também que se afastem um pouco mais e que a conquista da saúde é também a conquista da minha autonomia. Às vezes ainda custa porque não estou bem, outras porque a chegada a uma casa vazia depois de um dia intenso de trabalho é dura. Mas em geral, na maior parte das vezes, gosto da minha solidão acompanhada.

~CC~

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Contra Agosto



Disseste que era o último dia de férias. Estava uma noite cheia de estrelas num dos lugares mais bonitos que conheço, tínhamos acabado de jantar muito bem. Acho que nos sentíamos felizes, em paz. Eu sentia. Disseste-o, nem sequer com tristeza. Tu és assim, muito bom a aceitar a realidade como ela é. Eu também só deixei a tristeza entrar do princípio ao fim da tua frase, depois esqueci-me dela. Até hoje, até agora.

Por um lado custa, custa muito retomar o trabalho, toma-nos tanto tempo, demasiado tempo.Por outro, quem como eu, foi forçada a deixá-lo por motivo de doença, voltar é também uma vitória, é em parte uma alegria. Por outro lado, este nosso lamento pelo fim das férias, de certo modo um lamento colectivo, preocupa-me. Pelos outros e por mim. Não quero acreditar que ao longo do ano não criemos, não criarei, um tempo para me deixar maravilhar pelo conjunto de estrelas que enchem o céu nocturno. A vida não pode ser um fardo, um peso, e ter depois um mês em que nos maravilhamos. 

Hei-de fazer intervalos tão grandes que parecerão férias, serão férias. Quero ser contra Agosto, a favor de todos os meses do ano.

~CC~