domingo, 30 de julho de 2017

Volto já



A rede que às vezes me falta tem mais a forma de colos, rostos, vozes. Tanta gente que não vejo nem toco o suficiente, isso às vezes dói.

Também aprecio esta, são contornos humanos que na maior parte dos casos não têm matéria, abraços que se desenham no ar mas sabem bem, sabem sempre bem. Não a desvalorizo, não a sobrevalorizo, procuro entendê-la em equilíbrio, integrá-la no meu equilíbrio. E só leio blogues, facebook nem vê-lo, nem nada mais. É uma escolha, fiz essa escolha. Para muitas pessoas que conheço seria um tormento partir 15 dias sem o computador e, sobretudo, sem internet. Eu sinto-o como natural e necessário. 

É uma pena ter que fazer férias em Agosto, é um país a abarrotar por todo o lado, é ainda assim bom poder fazê-lo, é a única altura do ano em que o meu corpo aceita entrar numa água que não seja tépida.

Volto já é das tabuletas deixadas na porta que mais aprecio, uma certa indefinição e a promessa, é à portuguesa. É também a que deixo aqui.

~CC~





quarta-feira, 26 de julho de 2017

Não queria



Dos quatro elementos da natureza, nunca escolhi o fogo, sempre o temi. Sou terra, terra, como tal teria que o temer.

Mas nunca o medo foi tão grande, vem com alguma revolta, nem por isso em relação às organizações que o combatem, não sei o suficiente para poder saber se fazem bem ou mal. Lágrimas de uma governante também não me fazem detestá-la ou achá-la incompetente.  A prevenção é aqui, como em quase todas as áreas, o que nos falta. A educação também, sobretudo a cívica, o amor pelo bem comum. Um amor grande e incomensurável pela natureza como parte essencial da nossa existência, isso devia aprender-se na escola, em casa, em todos os lugares.

Não queria escrever sobre isto, tinha dito isso a mim própria várias vezes, tal a saturação causada pelos meios de comunicação social, mas o fogo andou às portas da minha cidade.

O fogo vi-o da janela, junto aos bairros lá de cima, onde mora gente boa da minha cidade.

~CC~


terça-feira, 25 de julho de 2017

Um mapa sonoro



Caminhar é um ingrediente recomendado a par de uma boa dose de proteínas. Não sou uma adepta radical nem caminho desmesuradamente ou sequer em grupo. Vou quando posso, às vezes sozinha, outras com com companhia, mais vezes sozinha. Gostava mais de caminhar em trilhos pelo campo mas isso é mais raro, normalmente vou pela cidade, sempre a caminho do rio, já que a água exerce em mim um fascínio terapêutico.

Esta manhã cruzei-me com muitas pessoas que caminham sem som, ou melhor, com a sua música encaixada nos ouvidos. Uma delas até cantava o que ouvia. Olho-as com estranheza, não sei como será, mas palpita-me que não iria gostar. O que levo destas caminhadas nem é tanto o que vejo, é mais o que oiço. As vozes dos homens do mar no porto, o piar das gaivotas, o som dos aspiradores nos restaurantes, o vento nas folhas, um carro que trava mais vigorosamente, em certos lugares os risos e os gritinhos das crianças. É uma cidade inteira que tem ruído e cujo som dominante muda de lugar para lugar, é como se ao escutá-la pudesse um dia fazer dela um mapa sonoro.

~CC~

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Sonhava que chegava o Verão, que eu chegava ao Verão



Sonhava muito com o Verão quando estava no hospital. Com todas as coisas que faria, com o sol a dourar-me a pele, com aquela luminosidade dos fins de tarde, com viagens longas aos lugares aos quais queria ir, ou tão só com vestir roupa mais leve. Esses sonhos deram-me energia, força, ânimo, creio ser essa a função dos sonhos. Sonhava que chegava o Verão, que eu chegava ao Verão.

Ontem mergulhei os pés na água fria mas transparente de Tróia. E tive tanta sorte que apareceram golfinhos perto do barco. E comi novamente um gelado da maravilhosa casa de gelados que há por lá. Essas coisas pequenas dão-me, a cada dia, força, levam as sombras. Nunca me farto do que é bom, do que é belo, nunca me ocorre dizer; já fui, já fiz, e pensar essa coisa boa como um assunto encerrado, gasto. Gosto muito de coisas novas mas também de repetir o que é bom, é como se cada uma dessas vezes permitisse guardar mais e mais na memória o cheiro, o sabor, a sensação.

Outros sonhos estão ainda distantes, tantos destinos onde queria ir, alguns que sei impossíveis, outros que ainda me parecem possíveis de lá chegar. Para o que não cumprirei falta-me o dinheiro ou a companhia ou a saúde. Tento, ao deparar-me com as barreiras, entristecer sem me deixar derrotar. Contornar as dificuldades, encontrar pequenas soluções. O por do sol em Monsaraz não será igual ao das Ilhas Gregas mas será ainda assim um alento para um coração que quer viver.

~CC~






quinta-feira, 20 de julho de 2017

Talvez o seu nome seja morte, talvez o seu nome seja monstro



Não sei se ganhei medo em estar sozinha, mas acho que não, há por vezes só alguma sensação de vazio, outras, uma ligeira ansiedade, traduzida por uma inédita alergia ao silêncio, qualquer coisa que uma televisão ou uma rádio não anulam. Trata-se de uma espécie de buraco negro no qual fico suspensa com uma tristeza sem sentido, quanto mais o buraco me absorve, mais o pânico acontece. Talvez o seu nome seja morte, talvez o seu nome seja monstro.

E o buraco negro apanha-me mais quando estou sozinha, como se estivesse ali, tal qual bicho papão à espera de me agarrar. Os outros não são sempre protectores nem o são todos, já fui apanhada mesmo na presença de outro alguém.

Mas são protectores sobretudo aqueles que têm colo para dar, que sabem que também os adultos precisam de um lugar onde esconder o rosto, de quem grite aos monstros, esvazie os buracos negros, amanse as feras, em síntese, de quem sabe o que é ser terno, dar ternura. 

~CC~

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Combinações


Não é raro, contudo nem sempre acontece esta combinação meteorológica, o tempo exterior a combinar com o tempo interior, numa conjugação de nuvens. A culpa talvez resida nesta pequena dor que antes nada seria e agora é assustadora, ou no cansaço que se tem vindo a acumular por força da energia interior, essa sim, já não combinar com o que o corpo deixa. 

~CC~

sábado, 15 de julho de 2017

Educação emocional



A criança, cerca de cinco anos, vinha no comboio com os avós e o pai. Não foi clara para mim a situação conjugal dos pais, pareciam estar separados e a mãe já tinha outra criança, uma vez que o pai disse-lhe: pergunta à mãe pela tua irmã. Ele perguntou e a mãe respondeu, pelo que a criança informou o pai: ela esta a mamar. E o pai num tom de voz claramente educativo e assertivo disse-lhe: não é mamar que se diz, é beber o leite. E a criança: isso pai, beber o leite.

Assim se preparam as pessoas para se distanciarem do seu lado bicho, mesmo que esse seja essencial à vida humana. Pela vida fora saberão que não é bonito dizer coisas que são afinal lindas.

~CC~

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Menos



Deixei de gostar de praia, dizia o senhor ao amigo, ambos na casa dos sessenta. São várias as pessoas que dizem coisas como esta. É um cansaço que avança pelo corpo e toma de assalto a cabeça. A praia é das primeiras coisas a cortar, o mar, como diriam os algarvios, causa muito quebranto.

Bem pelo contrário, a mãe de 88, quase 89, ligou hoje do cais de Gaia, maravilhada com a vista, uma voz tão de menina que quase lhe podia ver o brilho nos olhos. Mora no Algarve e deslocou-se de comboio com um dos seus filhos, o que mais longe mora (no Brasil).

Achei sempre que seria como ela. Agora não tenho tanta certeza. Mas estou longe da fase de riscar coisas e ainda me encontro a acumular vontades e desejos do que nunca fiz ou do que gostaria de repetir. Contudo, já me encontro na fase de dizer: disto gosto menos ou já gostei mais. De praia no Verão, por exemplo.

~CC~


segunda-feira, 10 de julho de 2017

Pompa, circunstância e muito vazio.



Até me entusiasmei ao início, há quanto tempo não sou formanda, não volto aos bancos da escola, vamos lá aprender para que não me esgote a mim própria no que já sei. Se há algo de maravilhoso é nos apaixonarmos, seja por uma cidade nova, um livro, uma teoria, uma pessoa....

Mas conclui...

O mundo está tão cheio de copy-paste. De pompa, circunstância e muito vazio. Nada é afinal inteiramente novo e isso não tem nada de mal. O mal é o convencimento de que estão a criar de novo, a ser originais, quando não fizeram mais que reler os clássicos, mastigá-los e dar-lhes outra forma. E claro, um marketing adequado aos novos tempos e um selo da união europeia. E esperteza, muita esperteza, resumida na frase: não digam que isto é um projecto, já ninguém quer ouvir falar de projectos, digam antes que é "um outro olhar". 

Um outro olhar não, um embrulho novo. Até há facetas do embrulho que podem ser engraçadas, mas não se digam mestres, façam antes vénias aos que o são verdadeiramente, digam que beberam neles até ao tutano.

E ainda falta tanto para acabar a semana. A tentar ainda assim aproveitar alguma coisa e testar a minha paciência. 

~CC~

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Pode esperar



Fixo-me na frase que está inscrita como título no meu cinema mais querido: Paris pode esperar.

Já li sobre o filme, talvez o veja, mas isso não é o que importa. O que importa é a essência do título. Um bom programa de vida sem dúvida, não só Paris pode esperar, afinal tudo pode. Para quê andar a correr?! Se andarmos mais devagar, talvez encontremos outras coisas. E se não puderem esperar por nós, talvez não valha a pena ir. Isto não é nenhuma desculpa para aqueles que andam sempre atrasados mas antes um paradigma para aplicarmos na antecipação de qualquer correria.


~CC~

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Esta pele que não muda



Queria mudar tanta coisa e mudei tão pouco.

Quase sem dar conta já estou praticamente submersa em trabalho, até com dificuldade em cumprir a regra de não trabalhar à noite. Dizem-me tantas vezes que estavam à minha espera para isto ou para aquilo ou que a) ou b) sem mim não funcionou que me sinto quase mal por ter estado doente, ausente. Digo-lhes sempre que pode voltar a acontecer. Curiosamente essa falta que grande parte diz sentir (outros, bem pelo contrário) não alimenta o meu ego, até acho que fiz tudo mal, centralizei provavelmente o que não devia ter centralizado, fiz demasiada gente dependente, não formei suficientemente as pessoas para me poderem substituir. Quero que agora seja diferente. 

Contudo, não é fácil. Hoje entrámos na faculdade de letras, na qual uma colega fez a sua formação há mais de trinta anos e ela exclamou: isto mudou tão pouco, quase igual. As instituições são assim, sem dúvida. Mas as pessoas também. Eu não me tinha nessa conta mas apesar de querer muito, parece que mudar uma coisa simples, me requer um esforço equivalente ao de mudar uma montanha. 

Já ando a percorrer o país de lés a lés como antes, com a consciência plena do cansaço que tal me causa, e sem conseguir deixar de o fazer. Até já pensei em fazer coisas modernaças que nos estimulam a mudança de rumo: coaching, por exemplo. Dantes na psicologia tal coisa chamava-se simplesmente aconselhamento ou com um bocadinho mais de gravidade:terapia.

Preservem-se as noites, hoje vou tentar ir ao cinema.

~CC~






sábado, 1 de julho de 2017

Vivi para a ver


Testando os limites, aceitando-os.

Demasiada gente, muito tempo em pé, vento norte, impossível marcar a presença anual no Festival MED em Loulé. Lura e Mayra teriam valido a pena, gosto do calor da música cabo verdiana. Hei-de voltar a ouvi-las, hei-de voltar ao MED.

Medindo os passos com o pedómetro, sempre aquém dos 6.000 recomendados, mas já andei lá perto na passadeira junto ao mar. O corpo vai renascendo, lembra-me uma planta da minha varanda que parece morrer todos os anos mas depois se ergue ténue quando a primavera chega.

Um almoço de sardinhas, salada montanheira e melão. Estás à minha frente e falamos, ainda gosto muito de ti. E sou capaz de comer sardinhas, ainda é possível. Tão bom

A luz do verão. Vivi para a ver.

~CC~