quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

29

 

Aproveitem-no bem, só há de quatro em quatro anos.

Façam dele um dia bom.

Para mim basta-me sentar um bocadinho à janela de um café bonito.

~CC~

Café " A Brasileira" (Braga)

(E já agora, o que é um dia bom para vós?)

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Caixa de bombons (IX)

 

Fui uma adolescente sem dinheiro nenhum, vivendo um pouco de trabalhos avulsos mas sobretudo beneficiada pela generosidade dos meus amigos, do meu namorado e dos seus pais. Salvaram-me a vida em bens e muitos almocinhos, mas não me davam propriamente dinheiro. Por isso quando comecei a receber os meus primeiros ordenados, pude gastar dinheiro em doces, coisa que antes não podia comprar.

 A minha paixão eram as fatias fininhas de laranja cobertas de chocolate que havia em Benfica, no Califa. Descobri-as por acaso e tornei-me quase viciada, comprava uns saquinhos e ia comendo durante o dia. Felizmente os caminhos do Califa deixaram de se impor quase todos os dias, caso contrário o meu nível de glicémia teria ditado uma futura consulta para diabetes.

Muito tempo mais tarde descobri que estas fatias de laranja cobertas de chocolate ou de açúcar eram praticamente um doce típico desta cidade sadina a que um dia decidi chamar casa.

Este bombom é uma versão refinada desse sabor. Um chocolate preto com creme de laranja nada doce e umas casquinhas muito fininhas do fruto em versão crocante. Soube-me assim a casa, no justo equilíbrio que eu gostaria que a minha vida fosse, essa combinação da aceitação do que já fui, do que sou e do que ainda quero ser.

~CC~



segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

No escurinho do Cinema

 

Nome improvável de me chamar, país igualmente. Fui porque alguém me soprou é bom.

Vidas passadas é um filme coreano.

Cada vez gosto mais de cinema de geografias mais desconhecidas e os coreanos ultimamente têm sido a minha maior surpresa.

É belo, de uma delicadeza tocante. É sobre amor, desencontro, renúncia. É também sobre identidade(s), essas fronteiras onde nos moldamos numa língua, numa geografia, num modo de ser. E sobre esse hibridismo dos seres que atravessam fronteiras, fazem casamentos mistos, amadurecem em lugares múltiplos, fruto de experiências que não eram aquelas que a família deixava antever.

Belos actores que por certo não caminharão em nenhuma passadeira vermelha à luz de holofotes.

Apeteceu-me muito chorar como a actriz chora no final. esse choro em soluços que ela deixou para trás quando se tornou adulta. Mas saí a correr do cinema e não chorei.

~CC~


domingo, 25 de fevereiro de 2024

O meu coração

 

O coração é esse lugar.

Um lugar que podemos abrir e deixar esvoaçar. Um lugar que podemos fechar e agarrar bem à terra. Dois movimentos importantes, ambos essenciais para não sofrermos. 

O meu coração, ainda sou dona dele, consigo fazê-lo bater como quero, não me foge.

~CC~

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Esse mar

 

Quando a falta de tempo me rouba ao que é importante, zango-me um bocadinho. Ainda assim tentarei banhar-me um pouco nestas águas.

~CC~

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Caixa de bombons (VIII)

 

Esta caixa de bombons é como a vida, nem tudo nela é perfeito.

Este bombom tinha aparência que me suscitou desconfiança, formato de coração embrulhado em papel vermelho brilhante. Ainda assim, nada nos ficarmos pelas aparências. Vamos lá prová-lo.

Infelizmente era mesmo muito doce, cheio de caramelo por dentro, enjoativo. Fez-me lembrar quando nos cabeleireiros que frequentava havia revistas cor de rosa e eu lhes pegava, ao fim da terceira página já estava enjoada, para além de não conhecer nem metade das personagens (agora já vou sempre ao mesmo e não tem revistas). Não sei se pediria ao chocolateiro para tirar este da caixa, afinal a vida tem coisas imperfeitas. E mais, estou certa que não gostar deste me vai fazer gostar mais de algum que a caixa terá para mim. 

~CC~

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Riso amarelo

 

Como é que em pleno século XXI se ridiculariza um político homem por chorar em público? É certo que ao humor tudo se permite e nada se cobra. Não se pode nem deve proibir, mas não se pode ignorar os efeitos. Eu pensaria duas vezes numa coisa chamada masculinidade tóxica e não contribuiria para tal, por muito dinheiro que ganhasse com as gargalhadas que faria soltar. É riso amarelo.

~CC~


Nota: isto é extensivo a qualquer político que chore, como é às políticas que vão a uma discoteca dançar, ou aos que dão um beijo em público... nada tem a ver com a cor partidária ou simpatias afins.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Tenho aqui um grito preso na garganta

 

A nível profissional nunca consegui fazer coisas por ser obrigada a fazê-las, sem encontrar sentido ou desígnio. Creio que é a única coisa que me revolta e me deprime, sendo que alterno entre o estado de raiva e o de tristeza.  O maldito império da burocracia digital veio para ficar, há-de esmagar o ser humano. 

Tenho aqui um grito preso na garganta.

~CC~

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Também foi preciso amor

 

Sete anos depois ainda sinto a angústia colada à pele. O frio da sala do bloco cirúrgico é diferente de todos os outros, o tremor que ele traz também. O coração salta-nos no peito e a tensão sobe até que a droga faz efeito e sumimos dentro de nós. Entrei era dia, acordei era noite cerrada. A alegria de estar viva, ainda que muito adormecida, depois de dez horas num outro mundo desconhecido, é algo inesquecível. Ainda que depois disso tudo tivesse corrido inesperadamente mal. Mas aí já foi a batalha dia a dia, coisa a coisa, dor a dor, quase sempre consciente, muitos dias imóvel e depois reaprender tudo; a andar, a comer, a tomar banho e, sobretudo, a rir. 

Não soube de mim durante muito tempo, era outra eu, o corpo sofreu mudanças substanciais, algumas pessoas passavam por mim na rua e não me cumprimentavam, não me reconheciam. Se assim foi comigo, imagino como será com pessoas que passam por mudanças corporais ainda mais abruptas, que perdem ou danificam alguma parte (mais) visível do seu corpo. É viver num território estranho mas esse território somos nós próprios.

Mas cheguei aqui, sete anos depois. E quando olho no espelho, pareço mais eu, uma mistura entre aquela que entrou para a sala de operações e a que de lá saiu. Também foi preciso amor. Aquele que temos que sentir por nós, ainda que muitas vezes ele tenha estado num nível muito abaixo do desejável. Todo o sofrimento, mesmo o que se infiltra nas coisas pequenas dos dias,  me pareceu depois mais intolerável, mais injusto, mais desnecessário. A história está contada por inúmeras pessoas, está longe de ser só minha, é a de todos os que sobrevivem. Queremos luz, leveza, carinho, confiança, ligações indestrutíveis para levar connosco até ao fim da vida. E mesmo quando não temos tudo isso, agarramos com muita força o que temos e continuamos a vir à tona de água, respirando, respirando sempre. Afinal ganhámos uma nova vida, não a podemos desperdiçar na sombra da noite.

~CC~




terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Outro Carnaval


Vê-los a caminhar em andas por aquele empedrado era perceber que se pode desafiar quase tudo na vida. E o modo como brincavam com cada coisa, cada pessoa, cada pormenor da própria arquitectura da aldeia era uma inspiração. Uma senhora da aldeia, já com alguma idade perguntou-lhe: não quer voltar quando eu estiver a caiar a casa, dava-me jeito alguém tão alto...que belo diálogo.

E neste cruzamento bem humorado e respeitoso entre as pessoas da terra e os visitantes decorreu toda a festa. Não havia garrafas de cerveja ou copos ao abandono pelas ruas, nem caixotes de lixo a deitar por fora, nem aparelhagens com um som tão alto que não deixariam descansar quem queria  É preciso pensar cada coisa que fazemos e isto aqui parece estar a ser feito. Eram as crianças que entoavam as modas, mercê do trabalho que tem estado a ser feito com o cante alentejano entre os municípios e as escolas. 

Isto é um outro Carnaval, não é só em Podence que se faz a diferença.

~CC~

Nota: O Entrudanças é organizado pela Associação PédeXumbo.

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Paz

São Pedro das Cabeças, Alentejo.

Outrora duras batalhas se travaram aqui, mas agora é um lugar que só me inspira Paz. 

~CC~


 

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Parece que é Carnaval

 


De músicas ditas de Carnaval, nunca gostei. Também nunca fui de máscaras. Ainda no outro dia alguém me disse que era frontal em excesso, eu que pensava já ter abandonado essa contundência, afinal há algo que fica sempre agarrado à pele.

Como tal, deixo-vos a música de alguém que volta diferente do que já foi, ainda que já fosse interessante, é agora melhor.

~CC~





quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Caixa de Bombons (VII)

 

Apanhada pela gripe, os bombons não me sabem a nada agora. Mas tenho os apontamentos de cada sabor, laborioso trabalho de degustação a que me dedico. Infelizmente o sete, já consumido, pelo sabor a ginjinha, seria agora talvez adequado. Embora me fizesse lembrar Óbidos, era um ginja mais suave, menos acentuado do que essa invenção que se vende por lá em copos de chocolate, se não era tradição, passou a ser, afinal o que não falta são reinvenções.

Pode parecer estranho mas Óbidos foi justamente o meu tema de conversa com a moça brasileira mais nova lá do painel, era loura e branquinha, usava uma boina lilás e estava encantada, direi mesmo deslumbrada, com a possibilidade de ir a Óbidos. Queria ir para Lisboa e de Lisboa para lá e foi difícil explicar-lhe que se estávamos a norte de Lisboa, ela não precisava de ir a Sul para descer mais a Norte, mas eu faria certamente figuras muito mais infelizes lá no imenso país dela. Ela não queria ir por causa do chocolate, da ginja, ou de ser uma vila medieval muito bonita....mas por haver lá uma igreja cheia de livros! 

É verdade, dizia eu, achando-lhe muita graça. Aquele deslumbramento quase infantil por uma coisa diferente, inovadora, na senda de uma mudança do mundo, era tal qual o que eu sentia na idade dela. Agora custa-me mais deslumbrar-me assim mas não quero envelhecer ao ponto de achar que já sei e já vi tudo, quero ainda guardar dentro de mim aquele gritinho infantil que ela emitia sem pudor ao falar da sua nova catedral.

~CC~


sábado, 3 de fevereiro de 2024

Notas de viagem (III)

 

A vida nos lugares em que há outras pronúncias e se comem outras coisas, ditas típicas. A diferença aqui a norte é que estas coisas não são assim tanto para turista ver e levar,  as pessoas daqui consomem-nas mesmo como suas, parte do seu sangue e, quem sabe, ingrediente do seu próprio sotaque. Antes tinha receio de ser do Sul, achava que nos detestavam aqui. Mas agora os ódios são todos conduzidos para mais além.

Os empregados do comércio, nas superfícies maiores e mais centrais, são invariavelmente brasileiros como lá no Sul, parecem absorver o sotaque e os costumes e sabem dizer-me o que são todos os salgados e todos os doces com a mesma mestria de quem aqui nasceu. Mas ali nos pequenos comércios, de natureza familiar, em que o filho e a filha ainda saem da escola e vão ajudar os pais, os clientes fazem o mesmo discurso adverso que lá no Sul, esse discurso que cresce como bola de neve e nos parece submergir numa onda sem precedentes de ódio aos emigrantes (excepção aos brancos e ricos). Há que desconstruir com calma e alguma compreensão, pois se colocarmos na nossa voz tanta raiva como eles colocam, não chegaremos lá. 

Aqui no congresso eram também três vezes mais brasileiros do que portugueses e participei numa mesa em que era a única portuguesa, sendo este evento passado em Portugal, é verdade que se estranha e exige de nós esforço para que nos entendam. E estranha-se de várias maneiras, desde logo pela festa que em tudo é colocada, pelas muitas fotos, abraços e modo pouco académico de comunicar. Mas depois há que que colocar a cabeça a funcionar, estaríamos mais sem eles? Seria melhor? O que se ganharia? Talvez seja só diferente, talvez os lugares sejam hoje diferentes. Provavelmente lá no Mato Grande do Sul, a nossa foto conjunta estará a ser mostrada à família e haverá um dedo sobre o meu rosto a apontar-me como a única portuguesa. Já a mim, não me ocorreu sequer pedir-lhes a foto ou o contacto, preservar o que é diferente é-me ainda assim essencial.

~CC~



sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Notas de viagem (II)

 

As viagens inspiram-me receio, não sou hábil a estacionar e muito menos a conduzir em cidades desconhecidas. Tenho medo do cansaço dos longos trajectos quando ele se mistura com o meu próprio cansaço. Luto arduamente contra todos os meus receios, sempre assim foi, as vitórias nem sempre são retumbantes mas as pequenas vitórias também nos alimentam. 

E o perigo existe em todo o lado. Tropecei à noite numa das saliências de uma descida mal iluminada e raspei as mãos e os joelhos no cimento, o sangue era mais assustador do que a dor. A minha linha da vida na palma da mão esquerda tem agora uma ferida no meio, só quero é que a minha própria vida não se interrompa, já que as feridas visíveis e invisíveis dela fazem parte. A seu tempo sarará esta e as outras e delas restará apenas a memória da dor e, espero eu, linhas de futuro.

~CC~