domingo, 25 de outubro de 2015

Acordai


Sobrevivi a uma semana particularmente difícil, quando as palavras secam é porque estou muito triste ou muito feliz. Se estou muito feliz até me esqueço deste blogue, se estou muito triste, não sou capaz de vir aqui, fico a pairar no meu silêncio, a cavar buraquinhos para o sol entrar.

Acordei várias vezes da tristeza para me rir e para pasmar. A minha mãe ligou-me às 8h30m da noite na terça feira, estava eu a dormir no sofá, o cansaço a tomar-me conta do corpo. Nos seus 87 anos estava preocupada com a situação política do país, fazia análise política da melhor enquanto eu mal conseguia dizer palavra. Isto aconteceu um pouco durante toda a semana, na mesa do bar da escola, nos cafés, nas lojas, pela rua. De repente toda a gente a falar de política...ou talvez, de poder. Onde estava este país? Onde dormia o interesse das pessoas pelo seu próprio destino? Pouco mais de meia dúzia de deputados separa uma maioria de uma minoria, de repente há outra vez esquerda e outra vez direita, quando pensávamos que tais termos já não dividiam ninguém.

Finalmente a palavra "acordai" da música do Lopes Graça que tantas vezes ouvimos em manifestações de protesto parece ter surtido algum efeito. Vamos ver o que dura. Estou mais interessada no comportamento do povo do que no governo.

~CC~

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Por mim


Uma vida é cheia de tantas coisas boas, algumas más, realmente más. As últimas têm batido pouco à minha porta mas às vezes acontece. Aconteceu.

O que tenho tentado em cada amargura, em cada desilusão? Não transbordar, levando de um lado para o outro a tristeza vivida, delimitar a nódoa com uma fronteira que a contenha, não fazer com que outros paguem o que não devem. Mal refeita de uma grande chatice, acho que consegui construir uma das minhas melhores aulas.

O que tenho tentado em cada traição, em cada queda ao chão? Não secar por dentro, não odiar, não responder usando a mesma linguagem, a mesma atitude. Longe de dar a outra face, longe de ignorar, longe de não ir à luta. Trabalhar o sangue que corre nas veias, a raiva que nele se gera, o desespero que desponta, o desprezo que mata. Tenho trabalho, dá-me trabalho, muito.

Quando a luz começa a querer rasgar aquele negro que sufoca, aproveito-a, vou com ela. Não esqueço, não posso esquecer, com esquecimento não se aprende, não evoluímos. Outro dia, não esquecendo o anterior.

~CC~


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Dois dedos de conversa.



Um fim de tarde com sol, três colegas mas quase desconhecidos sentam-se para o lanche no sítio de trabalho. A conversa aparece, curiosamente não é sobre trabalho, nem se diz mal de ninguém, tão pouco se fala de política. Os dois primeiros motivos são aqueles que me afastam de aprofundar amizades no local de trabalho. As pessoas falam de si próprias, uma delas até tem a coragem de falar do psicólogo dela, do que ele lhe disse sobre ela própria, sobre uma das suas fragilidades ou medos, nem sei bem. As pessoas escutam, coisa rara também, não se interrompem. São estes momentos que me fazem gostar das pessoas, quando elas são assim, quando se mostram sem outra intenção que não seja o encontro. Era para ficar 5 minutos, chegou aos quarenta, ficava mais se fosse noutro espaço, aquele cansa-me porque passo lá muitas e muitas horas da minha vida. Dois dedos de conversa ao acaso, sem nada marcado, é do melhor que há.

~CC~

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Com sabor



Esta noite sonhei que tinha um rabo plano, praticamente inexistente, uma condição para qualquer tia que se assuma como tal. Costumo espantar-me com a forma como as costas, em algumas mulheres, em vez de acabarem numa saliência, terminam numa reentrância. As formas redondas há muito que deixaram de ser moda e as curvas da mulher portuguesa são apenas de antologia.  Logo, eu estou fora de moda e não é coisa que me preocupe por aí além desde que não arredonde tão completamente que deixe de poder comprar pelo menos o número maior das lojas mais comuns, essas onde toda a gente compra roupa, como não gosto de perder tempo em compras nem de gastar muito dinheiro, essas há por todo o lado.

Emagrecer significaria deixar de comer as cenouras algarvias que o meu amor faz para mim e as cavalas com bacon, último acepipe do seu menu. Quem é que já não pensou no assunto? Às vezes até eu penso na palavra dieta, momentos bem fugazes é certo. No outro dia, num almoço de família, um homem disse que não comia arroz nem batatas, à semelhança da mulher com quem escolheu viver. Estão os dois magros, mas é aquela magreza da fome, do esforço, de algum sofrimento. É, contudo, uma escolha que respeito.

Só que eu e meu amor temos já anos de receitas partilhadas, sabores experimentados, muita troca de pratos para provarmos de tudo. Quando me lembro de coisas boas que partilhámos, há sabores comuns que vivemos como a omeleta de rama de cebola e o caldo de peixe em Cabo Verde. A comida não é apenas a cozinha do master chef, aí ela é inodora e incolor, falta-lhe o lugar, o cheiro, as palavras que acompanham. Cedemos ambos ao que gostamos, ele de cozinhar em casa, eu, embora também goste de cozinhar, adoro ir a sítios de que gosto, quase tanto como de experimentar sítios novos. E nem o último picapau que me trouxeram e que não fui sequer capaz de comer, me tira a vontade de experimentar paladares. Tão bom como isso só ir aos mercados de rua e descobrir frutas e legumes que não conheço, andar por ali a saber o nome de tudo como se fosse outra vez uma criança a descobrir as coisas.

~CC~



sábado, 10 de outubro de 2015

Sinceridade q.b



É verdade, não podemos dizer tudo o que sentimos a qualquer pessoa e em qualquer momento. Na família eu era conhecida por o fazer, o que me levou durante anos a ser alcunhada como a mais antipática das irmãs. Ainda assim e com as devidas cautelas, a sinceridade é um valor absoluto, é o fio com que se tece a coragem de sermos quem somos.

Esta semana estava exausta, ora se eu o estava, imaginei como estariam os cerca de 20 professores com os quais iria estar numa sexta feira à tarde, reunião a iniciar-se às 15h30m. Sendo eu uma espécie de convidada especial da mesma, comecei por dizer como me sentia, ou seja, muito cansada. E que antes de ir para lá, pensei que seria muito bom não ter aquela reunião. Disse-lhes que tinha ido à reserva de energia do meu umbigo. Rimo-nos. Ora é essa a melhor forma de começar uma reunião. Meio caminho andado para nos entendermos daqui para a frente.

~CC~

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A última vez



Tenho esperança que Cavaco Silva não faça mais declarações ao país, que esta tenha sido a última vez. Espero que assuma a sua reforma dourada na casa da coelha e se esqueça de Portugal, já o ouvimos e vimos por tempo demais.

Mas não consigo imaginar Marcelo Rebelo de Sousa a fazer este tipo de declarações, é difícil imaginar o único professor deste país num papel que não seja o de comentador. Mas se o for, ainda que sem o meu voto, espero que continue a ser expressivo, a abrir os olhos e os braços, a parecer-se com um ser humano, já que  Cavaco Silva deve sê-lo mas não parece.

~CC~

sábado, 3 de outubro de 2015

A grande casa



Gosto deste fim de semana. A minha filha está em casa, ainda que tenha vindo a precisar de repouso e caldos de galinha. Eu também tenho um fim de semana sem estrada, o que é raro. Se fosse artista de música pimba, não sei se andaria tanto de um lado para o outro. Por acaso tinha um Congresso e comunicação no Minho de Quinta a Sábado mas desisti de ir, coisa inédita em mim. Fico a imaginar que chamarão o meu nome e eu não estarei e é uma sensação estranha isso acontecer, como se tivesse morrido ou assim. Mas era ainda mais dolorosos ir.

O sábado amanheceu tranquilo e daqui a pouco iremos ao nosso a um dos nossos restaurantes preferidos, confesso que até me custa chamar-lhe assim pois é mais como um lugar familiar onde vamos comer. Sentir que a minha cidade é uma espécie de grande casa onde me movo é de um grande reconforto, como se houvesse um colo depois de tanto tempo de me sentir nómada. Consigo ir a muitos sítios sozinha porque sei que haverá alguém por lá a quem cumprimentar, alguém que me ajudará a não me sentir só. Ontem, nos claustros do convento de Jesus, um concerto de jazz para assinalar o dia da música, foi assim. Reconheci num dos músicos um ex.aluno meu, até isso me emocionou, foi como se já fizesse parte de alguma coisa, uma comunidade, algo que tenho andado desde sempre à procura.

Acho que agora que equiparam os retornados aos refugiados (com as devidas cautelas, por favor) compreenderão melhor o que foi que perdermos, um chão que imaginávamos era o nosso, eu não retornei coisa nenhuma porque nasci lá, eu simplesmente vim morar para outro país, com a sorte da língua ser a mesma ou muito semelhante (às vezes, na verdade, não percebia nada do que diziam). Morei nos mais diversos sítios, fui despejada de uma casa porque não havia dinheiro para pagar a renda e a polícia veio, morei em casas ocupadas e a polícia demorou mais a vir, veio sob a forma de homem de fraque para "regularizar a situação". Fiquei sem terra até hoje e tenho andado à procura, até fui ao lugar onde nasci a pensar que era lá a minha terra e devia voltar, mas afinal já não era lá. É por isso que preciso até hoje de um lugar e este é o que mais se aproxima disso.

O mundo devia ser uma grande casa e o nosso lugar só um colo dentro dessa grande casa. 

~CC~





sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Quem o PS perdeu


O PS perdeu pessoas como eu que votaram nas legislativas muitas vezes a seu favor. Do meu círculo de amigos são vários como eu, pessoas que desta vez não se deixam ir na conversa do voto útil e que consideram que não há utilidade sem convicção. Já não conseguimos porque não se mostraram assim tão diferentes dos outros naquilo que é decisivo, na forma como se comportam enquanto políticos. O discurso até pode conter a defesa da escola pública e do serviço nacional de saúde, mas na prática sabemos que são seus membros aqueles que gerem uma das mais poderosas corporações de colégios privados em Portugal. O que choca é a distância do discurso à realidade, é o modo como não deitaram fora o que não prestava e não deixaram emergir pessoas novas. São os mesmos de sempre, já os vimos em governos anteriores. Os que conheço pessoalmente espelham totalmente o que lá vai, estão sempre à espera de um lugar qualquer. Não se trata isto de combater o alvo errado, trata-se de um lamento e de um lamento triste de quem queria votar neles e não pode, não consegue.

O meu voto num partido mais pequeno não é também tão convicto quanto deveria, também eles se deixam de algum modo monopolizar por um conjunto de estrelinhas políticas um tanto já gastas e fazem trasnferências de um lado para o outro sem qualquer explicação que nos permita interiramente percebê-las. Nenhum partido de esquerda me seduz verdadeiramente e o mais novo, por o ser, é aquele que ainda cometeu menos erros. Em síntese, não há ainda nenhum partido de jeito em Portugal. Os movimentos de cidadãos, tornados partidos, parecem nascer já reféns de vedetismos inúteis (veja-se o caso de Marinho Pinto). O mais triste é que todos perdemos com estas eleições, desde a direita que perde realmente votos e capacidade de governo à esquerda dividida, sem possibilidade de fazer realmente alguma coisa pelo povo que tanto defende. Domingo chove, talvez a chuva nos lave e nos dê nova energia, bem precisaremos dela para enfrentar o que aí vem.

~CC~