segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Até 2016





Desconectei-me com a ajuda preciosa do Natal e de uma avaria do portátil que ainda perdura. Quando me desconecto e depois volto aqui tudo me parece estranho, até o simples facto de escrever aqui. Percebo, contudo, com grande clareza, que quase nada neste mundo internáutico me faz realmente falta, já nem sequer ver os mails com assiduidade. Estes compassos de tempo sem acesso virtual mostram-me que tudo o que importa é aquilo que está ao alcance das minhas mãos, exceptuando, talvez o céu. Tenho uma sede imensa de natureza, de contacto humano, de fazer coisas que se materializem. O Natal deu-me quase tudo isso, excepção ao mergulho nas plantas, na areia, na imensidão das estrelas, no fundo do silêncio, nas ondas do mar.

A família é ainda a família, reconfigurada como deve ser, isso é de grande reconforto, não obstante saber e sentir que passamos muito tempo perdidos uns dos outros, distantes como nunca estivemos ou fomos. Se os rituais são ainda momentos de aproximação, que venham eles como os nomes ou com as conotações que tiverem, já pouco me importa o nome das coisas.

Consigo desligar-me sem que isso me perturbe minimamente, coisa que já vejo em poucas pessoas neste mundo e é com tristeza que o digo e que o sinto. Se não escrever, não estranhem, não se trata de odiar este meio de comunicação com os outros, respeito-o e até gosto dele, mas sinto que é tão necessário o seu inverso, a paz de nada saber do que se passa, do que todos dizem, do que todos sabem por força da massificação do acesso virtual, contam-se as mesmas notícias, os mesmos eventos, todos viram os mesmos vídeos ou sabem a última anedota que circula na Intenet. Se não vimos por nós mesmos o vestido que muda de cor consoante a luz, alguém nos contará e isso foi um dos factos de 2015, uma coisa sem importância nenhuma.

Há ali céu, estrelas, mar, há bichos escondidos nas águas e a voar pelo ar, a terra é quente e húmida e fala connosco se estivermos atentos. Há gente  a morrer na terra e da morte não se volta. Mas há também sangue a pulsar nas nossas veias e um mundo para descobrirmos no interior de cada um de nós. Por isso, todo o meu desejo, em 2016, é encontrar pessoas mais livres, mais originais, mais capazes de assumirem a sua singularidade, de se besuntarem com a vida que vem imbuída em artes que se fazem ao vivo como o teatro ou a música, de se ligarem a comunidades, preferencialmente presenciais, de rosto com rosto. Ainda me lembro que dantes, quando alguém se conectava a nós virtualmente, se combinava mais tarde ou mais cedo um café, tudo isso acabou, não é conciliável com as centenas de amigos que se têm no facebook, não haveria agenda para marcar tantos cafés. Vou, há ali uma tarde de chuva à minha espera.

~CC~

 



domingo, 20 de dezembro de 2015

Quase Natal



Vamos chegando aos poucos, a mesa alarga-se. Talvez goste mesmo é destes dias antes quando o cansaço ainda não me domina. Destes dias em que se vão contando coisas, o almoço se prolonga, mergulhamos todos no sofá mesmo que para ver um filme piegas. Cada vez chegará mais uma das meninas, cada vez maiores, que seria do Natal sem elas.

Uma casa tão grande esta e sempre tão solitária, agora pulsa, fala, enche-se. Às vezes custa um bocadinho conciliar tudo mas é desta aprendizagem que o amor tece os seus fios. 

~CC~

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Eram maternidades...



O meu irmão brasileiro foi operado num hospital privado aqui em Portugal, quis saber o número do piso, quarto, etc. Ele informou-me que era fácil de lá chegar, estava na maternidade. Preocupada, perguntei-lhe pelo choro dos bebés e se não era incómodo estar ali. Respondeu que não, não dera pelo choro de nenhum bebé. Nunca tinha pensado estar numa maternidade, considerando que seria um exclusivo feminino. Temos, portanto, maternidades convertidas em salas de pós operatório. Que mais se irá converter neste país?!

~CC~


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Compras ao fim da tarde



- 2 caixas de chá, uma de laranja e outra de frutos vermelhos (são lindas estas caixas se metal pintado)
- 3 barrinhas de chocolate preto, uma com menta, outra com mirtilos, outra com café
- 2 sacos de chá de perpétuas roxas
- 4 sacos de gengibre desidratado
- 1 caixinha de pétalas de rosa
- 1 pão da lagoinha

Resultado: Mais 15 minutos na caixa na conversa com a empregada a explicar as coisas estranhas que comprava. Só não perguntou o que era o pão da lagoinha, a única coisa que me aproximou de uma cidadã comum que vai ao supermercado ao fim da tarde. O que mais me aproximou de alguém à beira da loucura: o gengibre desidratado, uma coisa que é fresca, doce e picante...como pode ser?!

~CC~

domingo, 13 de dezembro de 2015

Ausência



Ausência é o nome da última peça que o teatro o Bando apresenta, creio que a segunda de uma trilogia que retrata o drama dos migrantes, dos que partem, dos que chegam a um lado qualquer e dos que nunca chegarão a lado nenhum.

Não estou aqui para a crítica teatral, embora não me importasse de abraçar tal profissão, tal como crítica de cinema, de literatura, de gastronomia, enfim todas as criticas...eis uma vida com que sempre sonhei, muito embora deva custar ser detestada pelos criticados.

O dispositivo cénico é o melhor, a par do texto. O migrante que é só um ser humano cuja pátria não é representada, tal como ele é uma mistura de vários povos migrantes, leva do seu passado duas bolas grandes que guarda nos bolsos de uma bata. Uma delas é a lembrança e parece feita de terra e a outra é a esperança e parece feita de gelo. Quando ele chega a um lugar é barrado por uma fronteira hipotética, aqui representada por um extraterrestre que lhe diz que só há lugar para uma das bolas e ele tem que escolher, tomar uma decisão. Ele tenta argumentar para levar as duas, transgredir, mas a barreira é poderosa. Acaba aqui a peça.

No fim a conversa, uma das coisas melhores que o Bando tem. Mas ao mesmo tempo lá se vai o que sentimos, é o risco de interpretar. As interpretações dos presentes eram metafóricas, lindas, profundas. A minha era colada à realidade material da coisa, o que podes transportar quando foges? Quando já partimos de um lugar e nos dizem que só podemos levar uma coisa, é preciso escolher. Passei por isso quando tinha nove anos e a única coisa que trouxe do meu passado foi uma almofada, qualquer coisa que uma família que foge da guerra hoje não deveria deixar o filho(a) trazer. Mas eu sou filha de uma família irrealista. Além disso essa família talvez imaginasse que havia uma pátria além daquela em que os filhos tinham nascido. Tudo era diferente e, contudo, há esse traço, essa ferida, ter que partir deixando uma vida inteira para trás, coisas, muito mais que coisas talvez.

~CC~






sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Anti psicologia



Aprendi bem a lição. Trazer as sombras à tona para as ver à luz do dia. O problema é que nem sempre as sombras se deixam penetrar pela luz do dia e às vezes o dia não tem luz.

Há receitas alternativas que não aprendi mas experimento e até resultam, por exemplo, enterrar bem fundo. Dar-lhes, como às filhozes ou ao coitado do perú um cálice de aguardante, o que está adormecido não nos incomoda. Por favor, não digam a ninguém que sou psicóloga, sempre tive um jeito genuíno para a culinária, trabalhando algumas transposições, a coisa até funciona.

~CC~

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Viagem a várias partes de mim


Parei o tempo de tal maneira que ontem queria voltar a trabalhar mas já não sabia, não conseguia. Parecia-me impossível o ritmo a que costumo desenhar cenários e fazer planos, dois e três em simultâneo e em contextos às vezes paralelos, trabalhos vários.

Ainda assim, qualquer coisa se manteve. Romper com os espaços tradicionais das aulas e marchar com eles em plena cidade, levando balões laranja, levantar a voz contra a violência doméstica. Estas outras coisas unem-nos mais e sinto que ganho mais o respeito deles.

Depois, de Sexta a Terça, andar de um lado para o outro visitando amigos em tempos, espaços, contextos e vidas totalmente diferentes. Olhando para essa viagem, é como se cada um desses portos me levasse a uma parte de mim. Um puzzle onde várias peças encaixam quase sempre, às vezes uma ou outra com mais dificuldade. Uma sensação de alegria no final dos quatro dias, apesar do cansaço, um outro cansaço diferente do habitual. Dizia Neruda: confesso que vivi. Sinto isso muitas vezes. Quero por ora tirar o passado do verbo, confesso que vivo, às vezes demasiado intensamente, na ânsia de beber tudo o que a vida me pode trazer.

Satisfaz-me estar tão bem numa casa de luxo à beira rio, soberba num dia de sol (sábado) como na cabaninha de madeira, tudo pequeno e modesto, acordar com uns pingos de chuva (segunda). Satisfaz-me tanto estar com os reputados académicos que festejam a passagem a catedráticos como na pequenina olaria que um amigo tem na serra. Satisfaz-me estar com a velhota que hoje levei à aula e que me falou de amor quase todo o tempo, não obstante dizer que nunca se apaixonou e que é o que mais lamenta na vida, tanto como me satisfaz ver uma criança a brincar, a dizer as primeiras palavras. 

~CC~


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Agora sim!





Agora sim, é de comprar o calendário!

Nota: visto em primeira mão no blogue "dois dedos de conversa".

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Sofá solo



Lembro-te que este sofá foi comprado para dois ou duas, quase três.

É às vezes grande para mim, tão grande como o silêncio do final do dia, do cair da noite, das manhãs.

E o telemóvel avariou, talvez te risses, tocarias num qualquer botão que para mim é invisível e ele começaria a funcionar.

Pronto, é só às vezes, a saudade.

~CC~

Yoga (2)



Descobri porque é que o yoga me satisfaz um bocadinho mais do que todas as coisas do género que tentei fazer antes e das quais desisti a meio, sobretudo as que faziam suar a sério. A meia luz faz toda a diferença, os espelhos não agridem, somos apenas silhuetas.

~CC~

domingo, 29 de novembro de 2015

O amor e as sms



Leio no jornal uma história muito interessante de uma mulher (estas histórias sobre o amor moderno são tiradas do jornal americano de maior tiragem e traduzidas para português e saem todos os domingos, gostei sempre muito das que li, mas é raro eu comprar este jornal). Esta mulher, cuja idade não é identificada mas terá seguramente mais de 30, saia há duas semanas com um homem. Decide enviar-lhe uma mensagem de teor amoroso soft que recorda o momento mais intenso que viveram. O homem não lhe responde até à manhã seguinte e ela coloca tudo em causa, sobretudo o sentimento que ele possa ter por ela. O vazio de uma resposta a uma sms pode, hoje, derrubar um amor. É o que quase acontece com o dela, no derradeiro momento em que ela decide (sozinha) esquecê-lo, ele responde.

Recordo o modo como eu e o meu amor trocámos mensagens matinais durante alguns anos, os primeiros do nosso namoro. Era um modo muito bom de acordar, de o saber ali, já que vivemos longe. Mas era também penoso sempre que ele demorava, sempre que eu não lhe conseguia responder logo, sempre que me atrasava e só conseguia enviar um pouco mais tarde. Um dia ele teve a coragem de dizer que devíamos acabar com aquilo. Ainda hoje não consigo saber com certeza o que senti. Por um lado ele tinha inteira razão, criava-nos uma dependência tonta, uma inquietação perturbadora sempre que o outro se demorava mais, podia iluminar ou acabar com o dia. As palavras também se iam repetindo, a nossa imaginação esbarrava na pressa, no quotidiano, na avassaladora voragem dos dias. E, contudo, há dias em que sinto uma imensa saudade daquelas mensagens. Era como se fosse um modo de acordar com ele. Provavelmente seria impossível de manter aquilo, seria tonto, seria uma ditadura, mais um hábito que uma vontade. Mas quem pode saber? No amor há muita incerteza, sabemos só que começa mas nem sempre sabemos qual o melhor rumo, a decisão mais certa, a palavra que há a dizer. Somos todos assolados pela ideia do que é o amor e isso combina vagamente com enviar sms de locais bonitos a dizer que gostávamos que ele(a) estivesse ali connosco. Há uma anedota absolutamente incrível sobre o valor da palavra no amor. Uma mulher tinha que escolher entre um homem que nunca tinha dito que a amava e um que dizia a toda a hora. Obviamente ela escolheu o segundo e só mais tarde percebeu que não era a única a quem ele o dizia. Provavelmente o primeiro amava-a mesmo.

E as sms, nisso estou de acordo com ele, tornaram-se, a par das fotos que se tiram de tudo e a toda a hora, uma espécie de imperativo categórico da nossa existência. Mas o facebook também, o estar lá, o ir lá várias vezes por dia. As pessoas já ligam pouco umas às outras quando estão perto. Recordo um jantar a que assisti de miúdos de 13/14 anos num restaurante, pensava eu que não ia ter sossego quando entraram, qual não foi o meu espanto quando constatei que passaram a maior parte do tempo agarrados cada um ao seu telemóvel. Quem sabe enviariam sms uns aos outros.

Um dia eu e a minha irmã inventámos uma empresa inovadora com o objectivo de amortizar o final de um amor, para não constituir um corte abrupto, o homem ou a mulher em situação de abandono, recorreriam à dita empresa para ir enviando na mesma sms, ainda que cada vez mais espaçadas e cada vez mais normalizadas. Quando ele/ela finalmente enviasse uma mensagem sobre o que se ia descongelar para o jantar, já ele ou ela não iam sentir falta nenhuma do parceiro, muito menos das suas sms.

~CC~




quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Dias de escola


Os "trabalhos", é assim que os (meus) estudantes falam da escola, do ensino superior. Dantes, no ensino secundário, diziam "os testes". Tenho a sensação de entre uma e outra coisa, não há mudanças significativas. O gosto pelo que se tem que aprender é diminuto. A vida é cheia de coisas que lhes dizem para fazer. Quando chegam ao 3º ano da licenciatura e lhes digo que lhes estou a propor uma actividade que é voluntária, são poucos os que se inscrevem. Quando lhes pergunto o motivo, aparecem "os trabalhos", preferia que me dissessem que não têm interesse por aquilo que lhes estou a propor. A questão é, porém, inversa, eles dizem que até gostavam, mas não podem. Para mim é difícil porque não sei bem o que é não poder, conheço sobretudo o não querer e às vezes também não quero. Consigo infiltrar nas aulas coisas que são outra coisa, de repente cantam, dançam e até podem dizer um poema, depois gostam, gostam muito. Cantaram uma música do José Afonso mas nunca tinham ouvido falar dele, estranharam a melodia e ainda mais a letra. Mas aquilo não é a escola, afinal não deu trabalho nenhum. Sei que é disto, destas coisas, que um dia se lembrarão. 

~CC~

domingo, 22 de novembro de 2015

Esta também é a minha gente (apareçam!)




Logo eu que não tenho aldeia, tenho vindo a gostar muito desta, ou não fossem as pessoas a matéria fundamental de cada lugar.

E se quiserem ficar por lá, não faltam locais onde o fazer, desde os de preço mais módicos aos menos (alguns muito bonitos, a valer a pena o esforço económico). Se necessitarem de alguma informação desse tipo não hesitem em escrever para o mail da associação.

~CC~

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Novembro neste lugar



Um mar de nevoeiro com muitas gaivotas paradas no areal, ondas grandes a baterem na areia, o som delas a enrolar-se em mim. Bravio este atlântico, tão diferente do meu. É tão perto vir até aqui e não vinha há cerca de vinte anos. Pergunto-me porque gastamos a vida nos mesmos lugares de sempre, até eu que não gosto de rotinas. Todo o mar é o mesmo e é ainda assim um outro, razão mais que suficiente para o espreitar em diversos miradouros. 

As ruas pequeninas não têm os mesmos objectos de rotina e não há lojas da moda, prendo-me nos cestos de vime, nos cavalinhos de pau, nas mantas de cores, nos  ouriços que são os doces que inventaram para ser daqui. 

Não te tenho para namorar e aqui apetece-me mais porque tu e eu em sítios diferentes somos os mesmos mas somos ainda assim outros diferentes. Sonho que um dia sentes e sabes isto e o queres tanto como eu. Amanhã acordo e vou ver este mar na certeza de que o quereria fazer com a tua mão na minha, com um beijo a interromper a vista em comum. Há em nós um encontro cheio de desencontros, eu aqui, tu aí, cada um a fazer o que gosta mas um sem o outro. 

De repente tenho saudades de tudo e de todos e até do meu passado, uma vontade enorme de ir até Colares, subir pela praia das Maçãs, parar nas Azenhas do Mar. Ter saudades dos lugares é como ter saudades de uma parte de nós que não queremos deixar morrer, precisamos de ir lá para saber que um dia a nossa essência passou por ali.

Ericeira, terra escarpada no nevoeiro de Novembro, guarda-me.

~CC~


quinta-feira, 19 de novembro de 2015

yoga (1)



O yoga deve ser o único lugar em que o(a) professor(a) diz:

- Feche os olhos e observe.


~CC~

sábado, 14 de novembro de 2015

Um sol de chumbo





Achei que não ia conseguir dormir ontem, tamanha foi a perturbação que senti, mas acabei por adormecer. Foi, contudo, um sono triste. Penso na minha filha, na dele, nas minhas sobrinhas, em como não conseguimos deixar-lhes algo melhor, um mundo outro para a entrada delas na idade adulta. Lembro-me de ter crescido num mundo ordenado pela guerra fria, numa paz de gelo é certo, mas ainda assim menos confuso, com mais esperança. Talvez no seu interior já estivesse a crescer a desordem mas não era perceptível, não era tão perturbador como agora. Como entender que as religiões possam dividir e matar como na idade média? O mesmo ódio tantos anos e tantos depois. 

Não obstante a guerrilha política a que se entregam os nossos partidos políticos, os dias andavam tão luminosos, de repente vimos com clareza um sol de chumbo, a dor vivida não num lugar recôndito do mundo que não vem nos jornais, mas no centro da Europa.

~CC~

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

À atenção dos senhores publicitários, especialistas de marketing e afins...


Três mensagens hoje, que maravilha. Eles devem combinar entre eles dizer o quanto gostam de mim, o quanto querem a minha presença, a falta que lhes faço.

Sim, muita falta, mas tenho é que levar carteira. Vejamos: uma mensagem de uma loja de roupa, de um supermercado e de uma loja de móveis. Apaguei-as de imediato, cada uma sem leitura. Pergunto-me em que é os publicitários acreditam. Pela parte que me toca, nenhuma das sms me aliciou a nada, pelo contrário, fiquei-lhes com uma pontinha de raiva. É fácil perceber que se em cada sms esperamos que um amigo , um familiar ou amor se lembre de nós e se afinal é um sms comercial, só ficamos com vontade de os matar de vez. Pela minha parte vou fazer uma lista e riscar do meu mapa de compras todos os que me mandam sms. E espero sinceramente que esteja algures um publicitário a ler este post.

~CC~

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Uma cabeçuda



Afinal não foi assim tão mau. Gostei bastante de Barcelos. E andei a fazer figuras destas...
~CC~

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Saudades prévias



Gosto de sofrer, só isso explica. Amanhã é sexta feira e não estarei com nenhum dos meus dois maiores amores. Em vez disso vou para um congresso qualquer, sem menosprezo para o dito, mas neste momento tenho raiva do congresso e de mim.

E como gosto de sofrer vou até onde amanhã estaríamos à hora do almoço. Com ela seria aqui e com ele seria aqui. Como é que ainda visito estas páginas antecipando a saudade? 

O que me espera são as estações de serviço da autoestrada do Norte. Alguma sugestão? Não se esqueçam que as sandes de leitão e outras iguarias desse tipo foram banidas pela OMS. Procuro assim bons pratos vegetarianos em áreas de serviço de qualidade.

~CC~

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Um ligeiro tremor


Tudo normal, ela saiu. Estava na idade certa para ir estudar para outra cidade, morar lá, fazer lá a sua vida. Aceita-se, compreende-se, racionaliza-se, uma mãe habitua-se. O ambiente ficou apenas mais silencioso, as noites maiores, mas não chega a haver sofrimento ou dor. E ela não gosta de choraminguices.

Contudo, às vezes paro um bocadinho à porta do quarto vazio, tão estranhamente arrumado. Há uma dor fininha que chega, um ligeiro tremor que não chega a tornar-se lágrima, uma ausência que se faz sentir. Depois a roda viva continua, está tudo certo, tudo normal, uma mãe habitua-se.

~CC~

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Emoções que correm como rios



Dias que sinto que correm contra mim, mesmo que corram a meu favor. É o tempo para viver em pleno cada coisa que me falta, fica tudo por arrumar cá dentro, solto, o que me causa grande cansaço. De noite, não durmo grande coisa, todos os meus projectos, todas as pessoas, várias aulas, pedaços de seminários já feitos e outros por fazer, tudo aparece nos meus sonhos. 

Começo pela última coisa. Os alunos emocionaram-se muito hoje na aula, muitos choraram e uma aluna chorou durante toda a aula. Já tinha feito este exercício antes, é simples, trata-se de trazer de casa um objecto amado, depois fazemos vários exercícios com ele, desde explicar o sentido que tem, até pensar em oferecê-lo a alguém, não obstante nos ser querido. Nunca antes isto aconteceu, uma lágrima ou outra, mas não tantas, várias situações de choro quase convulsivo. Várias interpretações possíveis, uma delas é que a escola deixou totalmente de trabalhar as emoções dos alunos, a escola é só informação, nem sequer é formação. 

Rir e chorar é vida, eles não têm é espaços colectivos onde tal possa acontecer, tanto telemóvel, tanta internet, tanta vida digital e afinal desfazem-se aqui como crianças sem colo, alguns com efectiva dificuldade de se controlarem. A emoção tem que passar nesse equilíbrio entre a contenção e a libertação, há que aprender.

~CC~

domingo, 25 de outubro de 2015

Acordai


Sobrevivi a uma semana particularmente difícil, quando as palavras secam é porque estou muito triste ou muito feliz. Se estou muito feliz até me esqueço deste blogue, se estou muito triste, não sou capaz de vir aqui, fico a pairar no meu silêncio, a cavar buraquinhos para o sol entrar.

Acordei várias vezes da tristeza para me rir e para pasmar. A minha mãe ligou-me às 8h30m da noite na terça feira, estava eu a dormir no sofá, o cansaço a tomar-me conta do corpo. Nos seus 87 anos estava preocupada com a situação política do país, fazia análise política da melhor enquanto eu mal conseguia dizer palavra. Isto aconteceu um pouco durante toda a semana, na mesa do bar da escola, nos cafés, nas lojas, pela rua. De repente toda a gente a falar de política...ou talvez, de poder. Onde estava este país? Onde dormia o interesse das pessoas pelo seu próprio destino? Pouco mais de meia dúzia de deputados separa uma maioria de uma minoria, de repente há outra vez esquerda e outra vez direita, quando pensávamos que tais termos já não dividiam ninguém.

Finalmente a palavra "acordai" da música do Lopes Graça que tantas vezes ouvimos em manifestações de protesto parece ter surtido algum efeito. Vamos ver o que dura. Estou mais interessada no comportamento do povo do que no governo.

~CC~

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Por mim


Uma vida é cheia de tantas coisas boas, algumas más, realmente más. As últimas têm batido pouco à minha porta mas às vezes acontece. Aconteceu.

O que tenho tentado em cada amargura, em cada desilusão? Não transbordar, levando de um lado para o outro a tristeza vivida, delimitar a nódoa com uma fronteira que a contenha, não fazer com que outros paguem o que não devem. Mal refeita de uma grande chatice, acho que consegui construir uma das minhas melhores aulas.

O que tenho tentado em cada traição, em cada queda ao chão? Não secar por dentro, não odiar, não responder usando a mesma linguagem, a mesma atitude. Longe de dar a outra face, longe de ignorar, longe de não ir à luta. Trabalhar o sangue que corre nas veias, a raiva que nele se gera, o desespero que desponta, o desprezo que mata. Tenho trabalho, dá-me trabalho, muito.

Quando a luz começa a querer rasgar aquele negro que sufoca, aproveito-a, vou com ela. Não esqueço, não posso esquecer, com esquecimento não se aprende, não evoluímos. Outro dia, não esquecendo o anterior.

~CC~


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Dois dedos de conversa.



Um fim de tarde com sol, três colegas mas quase desconhecidos sentam-se para o lanche no sítio de trabalho. A conversa aparece, curiosamente não é sobre trabalho, nem se diz mal de ninguém, tão pouco se fala de política. Os dois primeiros motivos são aqueles que me afastam de aprofundar amizades no local de trabalho. As pessoas falam de si próprias, uma delas até tem a coragem de falar do psicólogo dela, do que ele lhe disse sobre ela própria, sobre uma das suas fragilidades ou medos, nem sei bem. As pessoas escutam, coisa rara também, não se interrompem. São estes momentos que me fazem gostar das pessoas, quando elas são assim, quando se mostram sem outra intenção que não seja o encontro. Era para ficar 5 minutos, chegou aos quarenta, ficava mais se fosse noutro espaço, aquele cansa-me porque passo lá muitas e muitas horas da minha vida. Dois dedos de conversa ao acaso, sem nada marcado, é do melhor que há.

~CC~

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Com sabor



Esta noite sonhei que tinha um rabo plano, praticamente inexistente, uma condição para qualquer tia que se assuma como tal. Costumo espantar-me com a forma como as costas, em algumas mulheres, em vez de acabarem numa saliência, terminam numa reentrância. As formas redondas há muito que deixaram de ser moda e as curvas da mulher portuguesa são apenas de antologia.  Logo, eu estou fora de moda e não é coisa que me preocupe por aí além desde que não arredonde tão completamente que deixe de poder comprar pelo menos o número maior das lojas mais comuns, essas onde toda a gente compra roupa, como não gosto de perder tempo em compras nem de gastar muito dinheiro, essas há por todo o lado.

Emagrecer significaria deixar de comer as cenouras algarvias que o meu amor faz para mim e as cavalas com bacon, último acepipe do seu menu. Quem é que já não pensou no assunto? Às vezes até eu penso na palavra dieta, momentos bem fugazes é certo. No outro dia, num almoço de família, um homem disse que não comia arroz nem batatas, à semelhança da mulher com quem escolheu viver. Estão os dois magros, mas é aquela magreza da fome, do esforço, de algum sofrimento. É, contudo, uma escolha que respeito.

Só que eu e meu amor temos já anos de receitas partilhadas, sabores experimentados, muita troca de pratos para provarmos de tudo. Quando me lembro de coisas boas que partilhámos, há sabores comuns que vivemos como a omeleta de rama de cebola e o caldo de peixe em Cabo Verde. A comida não é apenas a cozinha do master chef, aí ela é inodora e incolor, falta-lhe o lugar, o cheiro, as palavras que acompanham. Cedemos ambos ao que gostamos, ele de cozinhar em casa, eu, embora também goste de cozinhar, adoro ir a sítios de que gosto, quase tanto como de experimentar sítios novos. E nem o último picapau que me trouxeram e que não fui sequer capaz de comer, me tira a vontade de experimentar paladares. Tão bom como isso só ir aos mercados de rua e descobrir frutas e legumes que não conheço, andar por ali a saber o nome de tudo como se fosse outra vez uma criança a descobrir as coisas.

~CC~



sábado, 10 de outubro de 2015

Sinceridade q.b



É verdade, não podemos dizer tudo o que sentimos a qualquer pessoa e em qualquer momento. Na família eu era conhecida por o fazer, o que me levou durante anos a ser alcunhada como a mais antipática das irmãs. Ainda assim e com as devidas cautelas, a sinceridade é um valor absoluto, é o fio com que se tece a coragem de sermos quem somos.

Esta semana estava exausta, ora se eu o estava, imaginei como estariam os cerca de 20 professores com os quais iria estar numa sexta feira à tarde, reunião a iniciar-se às 15h30m. Sendo eu uma espécie de convidada especial da mesma, comecei por dizer como me sentia, ou seja, muito cansada. E que antes de ir para lá, pensei que seria muito bom não ter aquela reunião. Disse-lhes que tinha ido à reserva de energia do meu umbigo. Rimo-nos. Ora é essa a melhor forma de começar uma reunião. Meio caminho andado para nos entendermos daqui para a frente.

~CC~

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A última vez



Tenho esperança que Cavaco Silva não faça mais declarações ao país, que esta tenha sido a última vez. Espero que assuma a sua reforma dourada na casa da coelha e se esqueça de Portugal, já o ouvimos e vimos por tempo demais.

Mas não consigo imaginar Marcelo Rebelo de Sousa a fazer este tipo de declarações, é difícil imaginar o único professor deste país num papel que não seja o de comentador. Mas se o for, ainda que sem o meu voto, espero que continue a ser expressivo, a abrir os olhos e os braços, a parecer-se com um ser humano, já que  Cavaco Silva deve sê-lo mas não parece.

~CC~

sábado, 3 de outubro de 2015

A grande casa



Gosto deste fim de semana. A minha filha está em casa, ainda que tenha vindo a precisar de repouso e caldos de galinha. Eu também tenho um fim de semana sem estrada, o que é raro. Se fosse artista de música pimba, não sei se andaria tanto de um lado para o outro. Por acaso tinha um Congresso e comunicação no Minho de Quinta a Sábado mas desisti de ir, coisa inédita em mim. Fico a imaginar que chamarão o meu nome e eu não estarei e é uma sensação estranha isso acontecer, como se tivesse morrido ou assim. Mas era ainda mais dolorosos ir.

O sábado amanheceu tranquilo e daqui a pouco iremos ao nosso a um dos nossos restaurantes preferidos, confesso que até me custa chamar-lhe assim pois é mais como um lugar familiar onde vamos comer. Sentir que a minha cidade é uma espécie de grande casa onde me movo é de um grande reconforto, como se houvesse um colo depois de tanto tempo de me sentir nómada. Consigo ir a muitos sítios sozinha porque sei que haverá alguém por lá a quem cumprimentar, alguém que me ajudará a não me sentir só. Ontem, nos claustros do convento de Jesus, um concerto de jazz para assinalar o dia da música, foi assim. Reconheci num dos músicos um ex.aluno meu, até isso me emocionou, foi como se já fizesse parte de alguma coisa, uma comunidade, algo que tenho andado desde sempre à procura.

Acho que agora que equiparam os retornados aos refugiados (com as devidas cautelas, por favor) compreenderão melhor o que foi que perdermos, um chão que imaginávamos era o nosso, eu não retornei coisa nenhuma porque nasci lá, eu simplesmente vim morar para outro país, com a sorte da língua ser a mesma ou muito semelhante (às vezes, na verdade, não percebia nada do que diziam). Morei nos mais diversos sítios, fui despejada de uma casa porque não havia dinheiro para pagar a renda e a polícia veio, morei em casas ocupadas e a polícia demorou mais a vir, veio sob a forma de homem de fraque para "regularizar a situação". Fiquei sem terra até hoje e tenho andado à procura, até fui ao lugar onde nasci a pensar que era lá a minha terra e devia voltar, mas afinal já não era lá. É por isso que preciso até hoje de um lugar e este é o que mais se aproxima disso.

O mundo devia ser uma grande casa e o nosso lugar só um colo dentro dessa grande casa. 

~CC~





sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Quem o PS perdeu


O PS perdeu pessoas como eu que votaram nas legislativas muitas vezes a seu favor. Do meu círculo de amigos são vários como eu, pessoas que desta vez não se deixam ir na conversa do voto útil e que consideram que não há utilidade sem convicção. Já não conseguimos porque não se mostraram assim tão diferentes dos outros naquilo que é decisivo, na forma como se comportam enquanto políticos. O discurso até pode conter a defesa da escola pública e do serviço nacional de saúde, mas na prática sabemos que são seus membros aqueles que gerem uma das mais poderosas corporações de colégios privados em Portugal. O que choca é a distância do discurso à realidade, é o modo como não deitaram fora o que não prestava e não deixaram emergir pessoas novas. São os mesmos de sempre, já os vimos em governos anteriores. Os que conheço pessoalmente espelham totalmente o que lá vai, estão sempre à espera de um lugar qualquer. Não se trata isto de combater o alvo errado, trata-se de um lamento e de um lamento triste de quem queria votar neles e não pode, não consegue.

O meu voto num partido mais pequeno não é também tão convicto quanto deveria, também eles se deixam de algum modo monopolizar por um conjunto de estrelinhas políticas um tanto já gastas e fazem trasnferências de um lado para o outro sem qualquer explicação que nos permita interiramente percebê-las. Nenhum partido de esquerda me seduz verdadeiramente e o mais novo, por o ser, é aquele que ainda cometeu menos erros. Em síntese, não há ainda nenhum partido de jeito em Portugal. Os movimentos de cidadãos, tornados partidos, parecem nascer já reféns de vedetismos inúteis (veja-se o caso de Marinho Pinto). O mais triste é que todos perdemos com estas eleições, desde a direita que perde realmente votos e capacidade de governo à esquerda dividida, sem possibilidade de fazer realmente alguma coisa pelo povo que tanto defende. Domingo chove, talvez a chuva nos lave e nos dê nova energia, bem precisaremos dela para enfrentar o que aí vem.

~CC~


quarta-feira, 30 de setembro de 2015

É a semana da dor



Inventámos uma semana de acolhimento na esperança de que isso os desmotivasse a denominar como tal as praxes. Nada de mais ilusório, foi mesmo esse o nome que eles deram à "sua semana". Estes dias são negros para mim, desta vez e porque me é tão doloroso, evitei o mais que pude ir à escola. De nada adianta ameaçar que terão falta às aulas, eles não vão lá na mesma. Esta manhã cheirava a cebola podre por todo o campus, acho que isso diz tudo.

Na verdade, a minha dor começou no dia em que organizei uma visita com os novos estudantes à cidade e os levei a ver uma das minhas vistas preferidas do estuário, eles subiram primeiro que eu no elevador e quanto cheguei verifiquei que estavam sentados de costas para a paisagem.

~CC~

sábado, 26 de setembro de 2015

Há quem faça seus os meus sonhos



Tenho uma enorme paixão pelas escolas antigas de plano centenário, essas que têm fechado nas aldeias de todo o país. Comecei a minha vida profissional numa delas. O seu fecho não costuma ser um sinal de vida e preocupa-me que fiquem ao abandono lugares que um dia se encheram de brincadeira, de riso, talvez de alguma dor e humilhação também, se nos lembrarmos de quem nelas andava no Estado Novo. Há muito que quero fazer algumas coisa e desenho projectos para estas escolas. Felizmente enquanto eu sonho ou faço tentativas pouco persistentes, há quem consiga. Coloquei esta escola no mapa dos meus roteiros, cuja primeira imagem vi, pasme-se, num blogue de culinária. 

E prometi a mim própria ir ver como tinham transformado uma escola numa casa de campo com suites com ar nórdico. Tudo é ainda mais bonito do que tinha imaginado, conseguiram deixar tudo como estava por fora e modificar totalmente e com enorme bom gosto por dentro. Deve ter sabido como detesto cortinas de casa de banho e vidros de toda a espécie, pelo que por um mero truque arquitectónico não havia nem uma coisa, nem a outra. Não fotografei e tenho pena, mas talvez a ausência de imagem vos aguce a curiosidade.

Nada me liga ao casal que construiu o projecto, faço-lhes publicidade porque é justo fazê-la, porque me parecem ter arriscado e investido numa coisa que é muito mais do que um negócio. À chegada tivemos direito a um maravilhoso e original sumo de fruta, no resto do tempo souberam estar naquela distância simpática de quem não incomoda mas está presente. E apresentaram-nos à cadela e aos gatos, a Rosinha acompanhou-nos no passeio como se sempre nos tivesse conhecido. Às vezes o mundo vale a pena. E Cabeça de Cabra tem vista para o mar, quase se avista a ilha do pessegueiro.

http://cabecadacabra.com/



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Nós ao espelho



Por dentro a minha energia é mais ou menos sempre a de um pássaro pronto a levantar voo, talvez a velocidade do looping seja diferente e apeteça mais planar. Olhamos ao espelho e vemos as mudanças mas não acreditamos plenamente nelas e custa pronunciar a idade que temos, parece-nos inacreditável não termos parado entre os trinta e os quarenta. Não serei como a minha mãe que diz que só começou a ter rugas a partir dos oitenta mas custa-me a aceitar ter a idade que tenho.

No entanto, penso se queria voltar a alguma outra idade da minha vida, não creio que os 30/40 tenham sido um mar de rosas, creio que só do ponto de vista físico terá sido mais plena, no mais pode ser e foi tão tormentosa quanto qualquer outra. Ontem um bebé chorou noite dentro e lembrei-me dessa sensação de não dormir um ano inteiro. O que me entristece é mais a consciência de que não há envelhecimento sem degradação física e não sendo eu uma adepta dessa nova quimera da moda chamada envelhecimento activo, gostaria de aceitar o modo como o meu corpo vai mudando e o meu rosto também, sem que ao mesmo tempo isso signifique uma entrega aos sinais menos positivos que o corpo dá. Porque em breve farei mais um ano, porque estou numa nova fase da vida, vivendo agora sozinha praticamente durante toda a semana, porque quero que este ano não seja tão árduo como o que passou, porque quero ter mais tempo para mim própria, penso em pequenas mudanças que posso fazer. Nada que me faça procurar esses profissionais da desorientação moderna, nessa nova especialidade denominada coaching. Eu hei-de saber resolver-me.


Ao espelho e com muita companhia :)


terça-feira, 15 de setembro de 2015

Tanto que (me) custa



Um dia cinzento de Setembro é capaz de me impor uma tristeza difícil de contornar, assinalo com bolinhas negras os pontos críticos e por ora não me apetece mudar-lhes a cor

- A moça foi viver para Lisboa, não é este ou o dia anterior que importam, mas o resto dos dias em que não virá jantar

- As reuniões na escola são conturbadas ou estranhamente rápidas e muito pacíficas, quase ninguém parece verdadeiramente importar-se com o rumo dos acontecimentos, a maior parte de nós precisava de mais tempo para ganhar saudades, (re)começar custa-nos. 

- Escreve-me uma formanda (já professora) a protestar porque não lhe atribuí excelente mas muito bom, pasmo com os argumentos porque não os usam com os próprios alunos, sublinha ela a participação e assuiduidade em detrimento dos produtos que foram objecto de avaliação, acho que de ora em diante os testes não deviam contar mais para nada... Na resposta, diz que eles conhecem o trabalho uns dos outros e eu não...pois não, eu só fiz a acção de formação, era isso que estava em questão. Será que conhecem assim tão bem o trabalho uns dos outros ou construíram estereótipos uns sobre os outros? 

-´É feriado na minha cidade e estou em casa a trabalhar o mais que posso, já deixei as coisas acumularem-se, para variar...

- Saí de casa para comprar tâmaras e bacon para fazer uma entrada para completar o piquenique que iremos fazer para acolher os novos estudantes. Voltei sem as tâmaras e sem o bacon e trouxe uma data de coisas de que não precisava mesmo.

E não me venham com a psicologia positiva e o copo meio cheio em vez de meio vazio, se querem fazer alguma coisa de jeito, peçam que chova a sério e depois chamem o sol. 

~CC~


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Como definir Setembro?



Setembro é aquele mês em que os gatos, escondidos debaixo dos carros, tanto podem estar a proteger-se do frio como a esconder-se do calor.

É também o mês em que eu nasci, um pouco mais lá para a frente. Nasci eu e mais uma data de gente, quase todos virginianos insuportáveis como eu, ou devo dizer gente quase sempre insatisfeita que às vezes é feliz.

~CC~

domingo, 6 de setembro de 2015

Boas notícias que ainda assim me deixam a pensar...



Há quem ache que não vale a pena estudar no ensino superior, alegando que o desemprego é o fim do caminho de um licenciado. É verdade que aumentou o número de licenciados desempregados, contudo, esse número, se comparado percentualmente, é inferior ao dos não licenciados. Permanecem, em geral, menos tempo no desemprego ou empregos indiferenciados e mal pagos, o que não quer dizer que não os tenham, ou que alguns não fiquem lá. Vejo com bons olhos que todos estudem, independentemente do tipo de curso que tiram, só num estado dirigista e autocrático, essas escolhas se devem condicionar ou moldar de acordo com obscuros e falíveis interesses do mercado. E em Portugal isso já acontece, fecham os cursos com menos de 10 candidatos durante três anos seguidos. Se mesmo esta medida pode ser questionável, dada a singularidade de algumas formações, mais do que isto parece-me perigoso, embora se esteja a anunciar. O valor da formação não está apenas no caminho que proporciona em direcção a um emprego, há mais e esse mais é difícil de medir, trata-se de uma transformação que se vê num conjunto de competências que passam pela comunicação, consciência, cultura. 

Os números que apontam para uma subida de alunos no ensino superior deviam assim deixar-me feliz (até porque trabalho lá), no entanto, olhados com alguma atenção, espantam. Sabemos que a natalidade não aumentou, que não há mais gente a estudar no secundário e que as condições de vida das famílias não melhoraram de um ano para o outro, de forma a que aqueles que não podiam estudar, o possam fazer agora (aposto que o governo ainda vai explorar este filão). O que me parece estar a acontecer é que a retenção no ensino secundário por força de exames de extrema dificuldade se atenuou. Talvez o ministro recuse a ideia de que este ano os exames foram fáceis mas os dados não mentem, trata-se de subidas significativas, de um a dois valores em provas decisivas. Houve mais alunos a conseguir concluir o ensino secundário e logo em condições de candidatura ao ensino superior. Há assim que interrogar as coisas, indagar em vez de simplesmente nos congratularmos. Para mim é grave que os exames possam condicionar as coisas deste modo, não invalidando o exame como forma de controlar as grandes diferenças que possam existir na atribuição das notas entre instituições de ensino. Por outro lado, mesmo que pareça teoria da conspiração, não deixa de ser estranho que os exames tenham sido mais fáceis em ano de eleições. As boas notícias para o governo são óptimas antes do voto. 

~CC~


NOTA: Independentemente das minhas questões e por lhe reconhecer o mérito e o esforço, estou muito feliz porque a minha filha entrou em Medicina, na instituição que era a sua primeira opção.


terça-feira, 1 de setembro de 2015

Férias - o melhor e o pior


O melhor

1. Os banhos de mar, mesmo com água fria. Conseguir voltar ao mar com menos medo, menos ansiedade, nadar um bocadinho para fora de pé. Aquela praia com pinheiros onde o carro fica quase sempre à sombra. 

2. A salada de morangos, espargos e queijo fresco que comia em frente à Ria Formosa, devagar, saboreando, a fazer tempo para ficar menos quente o sol. Melhor sempre que a filha estava lá e podíamos partilhar os petiscos.

3. A companhia no festival bons sons, esse fim de semana, especialmente o jantar em Tomar, junto ao rio, quando começou a chover em pleno Agosto e chegou aquele cheiro a terra molhada. Sabermos coisas uns dos outros, apesar de nos conhecermos há tanto tempo.

4. Os gins no quintalinho, preparados por ti com tanto cuidado, quase sempre com dois dedos de (boa) conversa.

5. Os fins de tarde na Galé, quando nos sentávamos sem pressa de coisa nenhuma, às vezes íamos ver o mar, nunca conseguimos apanhar o pôr do sol mas mesmo assim era bom.

6. O livro Galveias de José Luís Peixoto, o melhor dele desde "Morreste-me". 

7. Duas peças no Festival Internacional de Teatro de Setúbal: Quem me dera ser onda e Armazém 33. A primeira é a adaptação daquele que já era um dos livros da minha vida, excepcionalmente conduzida por uma actriz brilhante, sozinha ela faz todas as personagens do livro. Armazém 33 é pleno de frescura, de humor, de imaginação. 

8. O primeiro volume da trilogia Mil e uma noites, filme de Miguel Gomes. Delirante, irónico, surreal, o maior manifesto político contra o capitalismo selvagem que grassa pelos nossos dias.

O pior

1. Certos fins de tarde em que a angústia chega vinda de dentro das sombras que moram em mim.

2. Certos momentos em que a solidão não foi boa, em que sentir-me sozinha não combinou com liberdade e amor próprio.

3. Não ter conhecido nenhum lugar novo, fosse em Portugal ou no Estrangeiro, acordar num lugar e sentir que o dia será preenchido por o conhecer.

4. As notícias de Portugal e do mundo, nada que nos alegre, entusiasme ou faça vibrar. Demasiados acidentes, demasiados incêndios, demasiados cartazes imbecis,  entre outros...

5. Voltar a sentir, por vezes, que os portugueses são menos bem vindos no Algarve do que os estrangeiros.

E não sei como classificar isto: nenhuma vontade de trabalhar, nenhuma vontade de voltar ao trabalho. Como se tivesse perdido o jeito, o pé...espero que o entusiasmo volte, nem que seja devagarinho.

~CC~





domingo, 30 de agosto de 2015

Este drama sem fim



As razões mais superficiais aparecem depressa. As pessoas fogem da guerra, da miséria, da opressão, da violência. Ora as pessoas amam naturalmente os seus países. Admirei-me muitas vezes por ver o amor que se votava a certas terras desérticas, geladas, inóspitas. Mas é mesmo assim, parte do nosso corpo é feito da água bebida na infância, metade dela leite materno. Caso contrário, como quereria alguém viver na Palestina?

Se as pessoas fogem do que amam as razões devem ser válidas, totalmente inquestionáveis.

Que países são esses de onde fogem? Países todos colonizados no século XIX, descolonizados à pressa ou sob pressão no século XX, com ingerências mais ou menos subtis das potencias ocidentais durante toda a segunda metade do século XX e ainda no século XXI. Países que aparentemente viviam em paz soba tutela de líderes totalitários e não democráticos, uns mais amigos dos americanos do que outros. Depois de os tirarem de lá, o caos instalou-se em maior ou menor grau, com mais ou menos capacetes azuis. Que países são esses de onde fogem milhares? Serão ainda países? 

E como foi a colonização? Ainda hoje me lembrava de como era viver numa colónia, mesmo portuguesa, país com fama de brandas colonizações. Viver lá era não valorizar os povos e os costumes de lá. Se andávamos descalços éramos como os pretos, se comíamos bananas éramos como os macacos, se provámos funge era um horror. Não estou a falar da alta burguesia de Luanda mas de brancos remediados, pobres se ainda vivessem em Portugal, era assim a minha família, uma família de brancos quase pobres, remediados mas que ainda assim tinha que se distinguir dos negros e dos mulatos. Felizmente alguns membros da família deram machadadas valentes nesse fosso, criando laços que perdurariam. Mas esses laços foram sempre minoritários entre ocupantes e ocupados, teríamos precisado em cada lugar de uma pacificação séria, de um perdão incondicional, da reparação do que foi menos bom. O que estamos a ver é muito mais do que barcos e barcos de refugiados a chegar, é o fracasso da Asia, de África, de territórios que se queriam livres e independentes e limpos de ódio em relação ao passado.

O drama não está em saber como a Europa poderá acolhê-los (e a palavra certa seria integrá-los), o drama está em que partes dos continentes se tornaram lugares inabitáveis. Como foi possível chegar a este ponto? Poderemos viver aceitando que parte do mundo é destruição, guerra, ódio? E como evitar que esta chegada em massa crie também ódios do lado de cá, uma xenofobia alimentada a medo?

O que está a fazer a ONU? Campos de refugiados? Serão sempre poucos, cada vez menos se não se fizer mais alguma coisa. A reconstrução da Síria, do Iraque, do Afeganistão...para quando um objectivo a sério?

~CC~


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Ainda a tempo



Estou fora da minha casa há mais de dez dias.

Mas não é só a cidade a chamar-me de volta, é também o teatro. Venham, apareçam.
~CC~

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Anos de Agosto


O mais novo membro da família fez anos no dia 2. É a réplica do pai e eu adorava o pai dele quando era pequeno porque foi o meu primeiro sobrinho, uma espécie de filho prematuro numa altura da minha vida em que preferia de longe as crianças aos adultos. Dei-lhe colo, li-lhe muitas histórias, levei-o à praia e a ver castelos. Tinha um jeito para eles que parcialmente perdi. Este sobrinho-neto é louro como o pai, muito bonito como ele era (e ainda é, mas agora já nos 30...) mas bastante mais agitado, mais reguila. Mora no Rio de Janeiro e pensei logo que esta criança não veria crescer como quase todas as outras, as que são pré 2008, do tempo em que o pais não estava em crise ou nós não sabíamos que o estava. Nesse tempo todos vivíamos em Portugal.

No dia 6 fez anos uma das minhas irmãs, lá longe na Polónia. O skipe cumpriu minimamente a sua função mas os abraços continuam a não ter cheiro, nem pele, não são iguais.

No dia 23 fez anos a mais velha da família, essa felizmente por cá. Cumpriu os 87 anos com o cabelo previamente arranjado e o baton rosa de sempre. Hoje fui com ela marcar o arranjo das unhas e do pés, continuamente espantada por este gosto de viver que a faz combinar tão bem as cores das roupas, arranjar-se  e sair à rua praticamente todos os dias. São aqueles genes que me deram esta barriguinha saliente de que sempre me envergonhei, cada vez mais feia num biquini, mas espero que eles me dêem também a mesma vontade de viver, viver sempre.

~CC~

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Na aldeia global (II)



Era naquela aldeia, podia ser em qualquer outro lugar do mundo. Não havia sombra da identidade local, nada de uma comida regional, um produto da colheita, um licor produzido ali mesmo, uma velhota para contar histórias de animais tresmalhados. Podia afinal ser em Lisboa, numa vila, numa outra aldeia qualquer. Serviam febras e frango de churrasco. As bancas das cervejas eram idênticas as que estão noutros festivais e a bebida da praxe continuava a ser a imperial. Os palcos eram enormes, o som verdadeiramente avassalador para um lugar como aquele. Os habitantes? Um mistério, talvez estivessem por ali nos bares ou nos lugares que vendiam comida, talvez alguns ajudassem a montar os palcos. Mas as aldeias portuguesas têm velhos e esses foram invisíveis, talvez fujam nestes dias do festival. O marketing como em todos os lugares, funciona. Aqui o logo é o de uma lagartixa, bonito, mas se as há, devem ter fugido a sete pés. 

Venha viver a aldeia é um dos slogans. Mas onde está a aldeia? Confesso que a procurei sem a encontrar. Trata-se de um festival tão comercial como outro qualquer, nomes sonantes em palcos gigantes. E praticamente só há música, um palco a funcionar de cada vez, o que ocasiona uma romaria difícil de gerir. Afinal este é para ser um festival como outro qualquer, a aldeia é apenas um cenário. A globalização é uma maré muito poderosa e leva tudo adiante. Salva-se a língua portuguesa, não obstante alguns dos grupos cantarem em Inglês. 

Há coisas que precisamos de ver, eu precisava de ver este festival. Se a ideia é ser como os outros, então terão que os imitar melhor, colocar voluntários nos parques de estacionamento para arrumar os carros porque se tornam caóticos, colocar palcos a funcionar em paralelo, sinalizá-los melhor, cuidar do som. Não denominem como palco Giacometti um coreto onde passa musica de vanguarda, experimentalismo sim, mas ele fez recolhas de música tradicional.

O que se passou de melhor foi nos palcos pequenos, dentro da igreja, à frente da igreja, apontamentos de gente quase desconhecida que foi ali para fazer a festa e não para fazer mais um frete num festival, para alguns é preciso explorar o Verão até quase ao tutano.

Hei-de voltar a esta aldeia, preciso de a ver sem festival.


Edu Trio com Dino de Santiago (o melhor momento)


Quem mora aqui?

~CC~

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Na aldeia global (I)


Eu tinha um festival do coração, o Festróia. Acabou durante alguns anos, regressou, este ano voltou a não acontecer. Era o melhor modo do Verão chegar, vinha com as cerejas de Junho, foi assim que vi filmes que de outro modo jamais veria. Tinha também o FIAR, o primeiro festival de artes de rua verdadeiramente comunitário, o primeiro a abrir os quintais da população para partilhar um assento, um canto de pedra bonito, um palco na sala de estar de alguém. Este ano foi uma sombra do que era e não foi no pino do Verão, como era tradição. No dia maior do ano, o teatro ocupava toda a encosta do castelo, o Bando agregava entre actores e figurantes quase uma centena de pessoas e homenageava quase sempre um vulto da cultura portuguesa, construindo em torno da obra o espectáculo. Invariavelmente bom, muito bom. Lembro-me de ter chorado uma vez, porque era avassaladora a mistura da palavra, da imagem, da música. 

Não sou nem anti festivais nem especialmente adepta. Agora há para todos os gostos, para todos os tipos de pessoas ou nem sem se é isso, se há um tipo para cada festival, parece-me, aliás que os seus organizadores procuram abranger o maior número de tipos possível. Outros encaixam-se em nichos de mercado, sim, dirigidos a um público específico, seja por causa do tipo de música ou do ambiente.

O Festival MED em Loulé encheu-me as medidas durante algum tempo, depois foi-se banalizando, enchendo de mais para a capacidade do centro histórico, perdendo o rumo do mediterrâneo. Ou somos nós que com o tempo deixamos de achar graça. Ainda assim vou sempre uma noite porque o centro histórico de Loulé me chama sempre, é o perfume das especiarias, o colorido. E este ano houve Karina Gomes, não dei a noite por perdida.

Fui também a Sines e ao Andanças, em anos alternados, raramente mais do que um festival por ano. Sines tem normalmente um bom cartaz musical mas acho que lhe falta encanto. O Andanças é um festival muito coerente, bem pensado para quem o procura, com muita oferta cultural para além da música e da dança e muito espaço. É verdade que conquista os mais tímidos e desajeitados (como eu) para um pezinho de dança porque não obstante haver muitos praticantes que dominam por completo as danças do mundo, há também muitos iniciados, muitos que lá estão sem nada perceber do assunto. Contudo, nem sempre consegui deixar-me ir, quer porque há muito contacto corporal e grande desinibição relativamente ao mesmo, quer porque me cansava tanta entrega, tanto ardor. A participação é uma coisa fantástica mas se a todo o momento nos puxam para dentro da roda, isso pode cansar-nos. Gosto demasiado da minha bolha de 20cm ou preciso dela. Mas até era capaz de repetir.

Este ano deixei-me conquistar pela publicidade ao Bons Sons, parecem ter escolhido as palavras certas para me conquistar, nomeadamente pelo carácter comunitário do evento, por ser numa aldeia, por mobilizar a aldeia. O facto de ser música portuguesa também era chamativo, um cartaz em que metade eram consagrados mas outra metade nem por isso. Esperava uma coisa diferente, um festival diferente. 

(continua)

~CC~



terça-feira, 11 de agosto de 2015

A idade da inocência



Dizem que já não existe a idade da inocência e que como tal, ela não acaba. 

Mas não creio. Há aquela fronteira, mesmo que ténue, quando se começa a ser adolescente mas não se é ainda um jovem. Diria, entre os 12 e os 14, não mais hoje em dia. 

Vi acontecer hoje à minha frente. Eram dois miúdos e três miúdas entre os 12 e os 14, talvez nenhum ainda tivesse os 14. Subiram ao 6º andar do café do forum Luisa Todi, esse elevador que varia entre o zero e o 6 não os assustou. Vinham da praia e estavam sozinhos, em grupo. As primeiras saídas sozinhos, por certo, as primeiras idas ao café sem pais, nem outros adultos. Arranjaram as mesas com esmero para se juntarem todos num grupo. Depois falavam em morangos e frutos silvestres e imaginei-os a pedir gelados. Nada disso, eram batidos de morango, um para cada um e uma palhinha cor de rosa. Sorviam pelas palhinhas muito concentrados, muito mais deliciados que o grupo do lado que bebia mojitos, falava muito alto em francês, como se o mundo fosse deles.

Mas o mundo era realmente daqueles cinco miúdos, pertencia àquela felicidade. São inesquecíveis as primeiras coisas que fazemos na ausência dos adultos, nem que seja ir ao café beber batidos. E tiveram bom gosto, é uma das melhores vistas da cidade e os batidos são servidos nuns copos muito bonitos, um branco raiado de rosa digno de uma selfie, que felizmente não tiraram. Pelo menos enquanto eu por lá estive. Assim talvez guardem não na pasta do Telemóvel mas noutro lugar mais íntimo, onde moram as verdadeiras emoções que não se esquecem e não necessitam de imagens para serem lembradas.

~CC~





segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Nós e os outros



Vivo em duas terras turísticas, não as piores por certo. Setúbal e Faro são, contudo, duas cidades em que o turismo tem crescido, aqui nas terras sadinas, fruto do novo empreendimento de Tróia, em terras nacionais com a novela que aqui é filmada a dar uma ajudinha. 

Como em todas as cidades que vêm a sua população crescer para o dobro, sofro um bocadinho e sinto uma certa ambiguidade. É difícil chegarmos à taberna em que há um mês não era preciso reserva e agora ser, é difícil ver o areal de Tróia tão cheio, a fila para a compra de bilhetes. Este ano estão cá muitos franceses, também mais espanhóis, portugueses com pronúncia do Porto, o que não era até agora muito comum. Este ano ainda não tinha ido a Tróia, os bilhetes são caros e a água apesar de ser um espelho, costuma ser fria. Mas a paisagem é bonita, não obstante a construção. Hoje vi uma família inteira de golfinhos, um casal e dois filhotes, acompanharam grande parte do trajecto do barco, fazendo semi-circulos perfeitos, praticamente todos ao mesmo tempo. Lindos, tão bonitos que me emocionaram. E os miúdos no barco davam gritinhos de excitação, algumas velhotas também. Perdoei-lhes terem invadido o que durante o ano é só meu. Quem foi a África e viu um elefante ou quantidades enormes de macacos saltando de galho em galho mesmo à frente de nós, tem que perdoar a quem viaja, a quem quer ver, sentir. Há que partilhar a beleza. Contudo, devíamos pensar um pouco  na forma como ela se pode partilhar, o turismo de massas pode matar esta beleza.

A população de golfinhos no Sado tem-se mantido mais ou menos estável mas nunca vi tantas barcos no estuário, é esse equilíbrio que me preocupa. Aqueles golfinhos são parte da identidade sadina, temos mesmo afecto por eles, perdê-los seria matar um pouco a cidade.

~CC~






sábado, 8 de agosto de 2015

Filmes e livros


Férias são também filmes e livros.

Infelizmente durante o ano leio pouco, apenas artigos e livros de carácter técnico. Filmes vejo, sem eles não consigo passar.

Estranhei as duas estrelas de Longe de um homem, o filme é belíssimo. Infelizmente o (meu) Charlot só o tinha na sessão das 18h de Quinta e Sexta, ainda assim a verdade é que se apanham relíquias nestes fins de tarde de um cinema (pouco) comercial desta cidade de província e valha-nos o cinema não fechar em Agosto. Um argelino francês é argelino para os franceses e francês para os argelinos, este drama de nascer e crescer em terra de outros, foi vivido por muitos ocidentais no tempo colonial e não foi ainda devidamente explorado, este desenraizamento de não ter lugar nenhum que se possa chamar de seu. As relações que se tecem com o "outro" que já foi nosso irmão e nosso amigo e agora nos diz olhos nos olhos que nos mata se for necessário. É a não perder, tão lindo como pode ser também a história de uma amizade em tempo de guerra.

Li o último do Umberto Eco: Número zero. Fiquei com a sensação de que deveria saber ler em italiano, a tradução não me convence muito, alguns lugares comuns que duvido que existam na língua mãe do livro. Uma ideia fantástica mas a exploração deixa um pouco a desejar, talvez porque tenha querido escrever um livro de menor dimensão, ele que escreve livros de muitas páginas. Não desgostei, o autor é competente a contar uma história, mas não me maravilhei.

Depois peguei casualmente na Fera na selva, do Henry James, um clássico que ainda não tinha lido. E encantei-me totalmente não só com a história mas com a escrita, um modo de escrever que já não se encontra, uma capacidade de descrição dos estados interiores das personagens que é sempre acompanhada do modo como esses sentimentos se deixam também ver fisicamente. Mestria no uso da palavra. Maravilhosa a história de um livro sem história, todo ele é um vazio e é esse vazio feito mistério que nos prende. Alguém passa ao lado da vida porque passa ao lado do amor, é esse vazio de alguém incapaz de amar que nos dói do princípio ao fim, mais no fim, quando percebemos com o personagem que tudo o de grandioso ele esperava na sua vida e não tinha acontecido, afinal há muito existia sem que desse por isso, a mulher ao seu lado, o seu encontro. Mas a forma como o descobre é magnífica, ele vê noutro o desgosto de amor pela morte do ser amado, um desgosto que na mesma circunstância ele apenas sente aflorar. A dor de alguém que perdeu para a morte alguém que ama é de uma imensidão atroz e é do vazio dessa dor que ele surge monstruoso. Tao bom como o "Retrato de Dorian Grey", embora trez vezes mais pequeno.

Aceito sugestões, embora tenha entrado em regime de semi-férias.

~CC~



quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Duas fotos para ti



Se eu estivesse aí onde estás, sei do que sentiria saudade. Uma das coisas que me ia doer era não poder sair para ver o mar, é primordialmente terapêutico para a tristeza, deve ser o que em nós resta de peixe, ou de liberdade.

São para ti as fotos, pelos dias em que ainda estaremos juntas ao pé do mar, pela esperança de um Agosto em que venhas, mesmo que seja só Agosto. Aguenta firme a distância, o mau tempo, a língua estranha, os dias menos bons. E tem esperança, também em ti.

As praias mais bonitas são estas, este Alentejo. Já banhos de mar, sabes onde são bons. Uma novidade: este ano há bolas de berlim de alfarroba no areal algarvio. Bolas mulatas, anti troika :)




Beijo e parabéns
~CC~

sábado, 25 de julho de 2015

Entre rios, ficar.

 Venho do Douro


Ficarei por ora entre Sado e Mira, neste Alentejo em que as noites são grandes e luminosas.
~CC~


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Mudar de rio


No Porto, sozinha, ao meu lado uma cama vazia. 

Ninguém dos que amo ou de quem sou amiga pode vir, pensei desistir. No entanto vim, não só pelo compromisso que já tinha mas para enfrentar todas estas dificuldades, os comboios rápidos de que não gosto, a  cadeira única na cafetaria ou no restaurante, os caminhos que não conheço, a comunicação a solo num congresso praticamente despido de gente conhecida. Sempre tive muitos receios, às vezes pânico, mas passei a vida a levar por diante os meus demónios, a abrir-lhe os olhos para que se afastassem. 

A cidade também me é mais familiar desde a última vez que passeámos por aqui juntos, gostei muito desses dias aqui. Mas estou bem, mesmo a saudade é qualquer coisa boa, que não dói.

Um novo dia começa e eu começo com ele.

~CC~

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Miradouro



Tu não podes saber e às vezes é difícil explicar-te. Eu não posso viver sem a beleza dos lugares, há na natureza qualquer coisa que me emociona e me faz sentir viva. Faço de conta que vou a certos sítios para comer ou beber mas o motivo maior pelo qual vou a certos cafés é porque estão no cimo de um monte, de uma falésia. Mesmo eu, com as minhas vertigens.

Sonho que um dia nesses lugares não haverá gente a fumar, a falar alto, música ruidosa, telemóveis, computadores, tablets, selfies. Mas há porque a imperfeição faz parte dos lugares perfeitos como os defeitos habitam aqueles que amamos. Tolero porque o essencial é o que consigo isolar para mim, aquela parte que em tudo vale a pena. Custa até menos a fazer com os lugares do que com as pessoas.

Neste imenso estuário há lugares muito bonitos e vou lá muitas vezes sozinha, só para me inebriar de verde azul. Quando estou lá sozinha quero muito que estejas lá comigo e isso faz com que a minha solidão diminua. Mas nada se compara à tua presença de carne e osso ali, ao pé de mim, a ver o mesmo que eu. É para ver contigo que quero levar-te comigo. Acredito que isso nos pode unir mais, como se a beleza do que vemos nos pudesse, ao inebriar um e outro, criar um laço maior. Às vezes é difícil explicar-te. Creio que é por isso que as pessoas devem ver o por do sol juntas, amigos, irmãos, amantes, para que aquelas mesmas cores se misturem no sangue que corre nuns e  noutros e assim se possa encontrar os vestígios do que amaram juntas. Às vezes é difícil explicar-te.


~CC~

quarta-feira, 15 de julho de 2015

A fé dos outros


Fui a Fátima.

Não por mim, não sinto nada, comprovei novamente que não estremeço, não enterneço. Ora não há religião sem emoção, sem tremor. Mesmo sem ter uma religião já senti esse estremecimento. A ouvir uma missa em latim em Florença, por exemplo.

Fui com outros, pelos outros. Trata-se de um hipermercado religioso, as pessoas chegam de mãos vazias e partem com sacos nas mãos. Cada uma delas levará em média duas a três coisas do lugar, coisas que povoarão casas, pescoços, pulsos.

E espanta a diversidade de quem vai, fiquei cerca de hora e meia numa esplanada a observar quem passava. Famílias inteiras, desde os avós aos netos, juntas como se fosse domingo, comendo gelados (entre o sagrado e o profano há uma grande harmonia). Um casal evidentemente gay, um homem mais velho, outro mais novo, cúmplices e calados. O casal de meia idade que chegou em lambretas que esticaram o mais que puderam para lá chegar, cada um na sua, muito compostos mas quase de certeza oriundos de um lugar bem rural. Muitos brasileiros e brasileiras, quase sempre aos pares. Mulheres, sempre mais mulheres, sozinhas, aos pares, em grupos. Passa uma camioneta que anuncia um museu que nos faz viver novamente o milagre de Fátima com recurso a multimédia, simula tudo a acontecer, ora aí está como a tradição se conjuga com a modernidade. Pergunto-me se Fátima terá uma página no Facebook e quem responderá pela dita. 

A fé dos outros é a fé dos outros mas isto é tão gigantesco, tão comercial que não consegue tocar-me. Lembro-me na ilha de S. Nicolau, em Cabo Verde, de ter ido ver a rocha escribida, lugar considerado mágico, a própria mão de Deus teria escrito naquela rocha. Não havia placas para lá chegar, nem templos, nem multidões. Senti respeito pela veneração que as pessoas tinham por aquelas pedras, embora fosse claro que era apenas um fenómeno natural de erosão, emocionou-me. Em Fátima, o meu coração não bate mesmo mais forte.

~CC~






sábado, 11 de julho de 2015

Vamos levando...


Chegam de longe, cruzando o Atlântico, agora mais amiúde, desde que a mãe está cada vez mais velha e o pai anunciou a morte que aconteceu vai para dois anos. É a minha família brasileira que inclui dois sobrinhos que ainda não consegui conhecer e um sobrinho neto que já nasceu carioca e conhecerei em breve. Ficamos quase um ano sem falar, trocamos mails telegráficos de quando em quando, não nos vimos no skipe nem usamos essas formas modernas de manter o contacto. Sabemos que um dia virão, nós iremos, acabaremos por nos encontrar. Não nos preocupamos com o que há para dizer ou se o silêncio se irá instalar, como os genes portugueses comandam, sabemos que à volta da mesa voltaremos a brincar, a rir, a partilhar também as mágoas e as preocupações, falaremos dos lugares onde queremos ir, de onde fomos, do que fomos fazendo, tudo devagar, à medida que for fazendo sentido. Depois o meu mano dará um daqueles abraços que nos aconchegam e sabemos que ali também é uma das nossas casas, um lugar nosso ainda que do outro lado do mundo. E desta vez ele veio com a sua nova mulher (com quem já está há cerca de dez anos) que ainda não conhecíamos. Com ela arrancam-se os estereótipos que ainda restam sobre as brasileiras, é branquinha, reservada e doce.

No MED 2015

A nossa pátria é também este sangue espalhado por aí, este apelo que aparece de quando em quando, acho que no tempo certo, e é assim que nos sentimos menos sozinhos.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Procuro um lugar



Voltei ao meu cinema com tanta vontade, quase saudade.

Detenho-me na palavra meu e saudade.

Abre-se todo um território em crescem raízes, a mim, que pouco as tenho. Sempre me imaginei como aquela pessoa que parte para qualquer lugar com uma mala com meia dúzia de coisas. Durante os anos em que me chamaram retornada, nunca consegui perceber como é que eu retornava a um lugar onde não tinha nascido. Quando ouvi falar dos sem terra no Brasil sabia que entre mim e eles habitava a distância mas também a proximidade de alguém que não tem um chão e sonha tê-lo.

Sim, a saudade nasce de um laço, alguma coisa forte que temos com alguém, alguma coisa. O melhor da saudade é que não se sacia embora digam que sim, quando estamos a ter o que desejamos não ficamos sem o desejo, voltaremos a desejar, desejamos naquele momento,

Voltei a conduzir o meu carro, é tão leve, tão pequenino, tão meu. E no entanto, desconheço-me na frase anterior, nunca liguei nenhuma a coisas. Estou a mudar, sem dúvida, fui mudando sem dar por isso.

Quando tenho um bocadinho de tempo pesquiso casas para alugar ao ano no alentejo, sonho com uma mesa debaixo de uma árvore, muitos vasos com sardinheiras, uma cadeira de baloiço. Este sonho já quase prevalece sobre o meu sonho mais recorrente: viajar, conhecer o mundo (talvez também porque o mundo se tornou demasiado hostil).

A minha casa, uma coisa pequenina e sem muita graça. Mas sinto-a minha. Estou a envelhecer, isso é um facto. Procuro um lugar, um lugar que seja meu, parece que muitos animais fazem isso quando querem morrer, não é coisa que eu queira, mas quero encostar-me, repousar.

~CC~








quarta-feira, 8 de julho de 2015

A alegria, a dúvida.


A indignação cresce e às vezes vence. Disse-o no post anterior nessa bela frase de que não sei a origem e aceito esclarecimentos dos leitores (O povo unido jamais será vencido!). 

Mas não sabemos a receita certa para unir um povo, já vimos como é que a revolta se pode encostar quase ao fascismo e vemos com o povo grego como ela é capaz de desafiar o capitalismo. Contudo, como se é não capitalista num mundo que o é? Como é que um país pode trilhar um caminho alternativo sufocado por um conjunto de países que alinham todos no mesmo sentido? Ou há mais vozes que se levantam ou a história fará deles uma mera ovelha negra. É preciso trabalhar muito para mostrar que há espaço entre a economia de mercado e a economia de estado, sendo que nenhuma destas coisas é já sequer real. Precisamos de futuro, de saber que há outros caminhos e é disso que se fala pouco, muito pouco. São gastas centenas de horas a falar do mesmo, sem questionar porque é que os países se endividam e se há outra maneira de viver sem esse tipo de financiamento. O cidadão comum não percebe nada ou muito pouco. Em tempos, antes de se deixar cegar pelo ódio ao Socrátes e fazer disso uma missão, vi o Louçã lutar contra a nossa iliteracia económica com uma clareza que mais ninguém tem tido. Sobra-nos a Raquel Varela, mas às vezes enreda-se na emoção e escorrega. Se alguém que milita nos movimentos políticos quisesse fazer alguma coisa de jeito era nesta área que devia dar os passos decisivos. Explicar ao cidadão comum se é possível viver num mundo não capitalista e como. E com o devido respeito, não estou a falar da permacultura ou de um qualquer modelo alternativo que vive paredes meias com este mas de um outro modelo global, um outro modo se se ser país.

~CC~