Deixei-o esquecido como matéria ao abandono, talvez por ter sido ele a trazer-me as dores maiores. Olho-o agora com as suas cicatrizes, com as suas rugas, com os nódulos de gordura onde não devia ter e a magreza excessiva onde devia haver músculo. Olho-o com o pavor com que o alimentei do medo do toque, da dor desse toque. Coberto é bastante aceitável, descoberto é bastante incómodo. Em geral os corpos de meia idade quando nus só se aguentam no calor de outros corpos.
Olho-o como o lugar onde o prazer deixou de existir marcado por fantasmas vários. E ainda assim há nele uma memória ténue do embalo de um abraço, do sabor de um beijo, da força de um desejo salgado. Não sei se ainda o consigo preparar para qualquer sementeira ou se prefiro que seja só esse lugar onde o vento se deita manso e se aquece a si próprio entre os lençóis de Inverno.
~CC~