quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Tempo não é disponibilidade


Tempo e disponibilidade não são bem a mesma coisa, embora seja fácil confundir uma com a outra coisa. Tinha uma justificação simples até há bem pouco: sem tempo, sem disponibilidade. Encerrava muitas vezes nessa equação a possibilidade de ter novos amigos ou sequer a possibilidade de encontrar os velhos. 

Mas agora que, pela primeira vez em tantos e tantos anos sei o que é ter tempo, sei também que não é o mesmo que disponibilidade. O encontro com o outro requer muito mais que tempo. A justificação deixou de ser reduzida à equação com a qual pautei grande parte da minha vida.  Às vezes não quero porque estou em reserva, no modo de pausa. É tão bom ir como não ir, é tão bom estar como não estar. E não, não estou sozinha, estou comigo própria. Pela primeira vez em tantos anos tenho tempo para pensar, refazer teias, indagar o presente, questionar o futuro.

~CC~

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Fazer parte



A minha filiação às cidades é ténue. Contudo e pouco a pouco começo a fazer parte desta. E fazer parte é importante para todos os desenraizados como eu, talvez mais do que para aqueles que têm um lugar, que podem com facilidade voltar ao sítio em que nasceram. Uma coisa simples que quis fazer hoje foi tornar-me leitora da biblioteca municipal, afinal só os munícipes o podem ser. Para além de não ter casa para guardar mais livros nem dinheiro para os comprar, interessava-me explorar a ideia de integrar uma comunidade de leitura.

Começou mal, a pedirem comprovativos da morada. Mas alguém quer ser leitor de uma biblioteca onde não possa ir com regularidade?! Mas a prova foi superada com a apresentação da carta de condução. Depois de tudo tratado, ia subir. Mas a funcionária impediu-me, teria que deixar a mala, subir sem nada, nem telemóvel. Acho que só me pediram isto para entrar na prisão e bem me custou fazê-lo, mas compreendi. Mas numa biblioteca? São os roubos, justificaram. Mas há alguém a roubar livros usados? A biblioteca da minha escola está quase sempre vazia. Não podia deixar a minha mala que aliás é minúscula (garanto que não cabe lá nenhum livro), já que ali está o infusor. Pensei que seria didáctico mostrar-lhes e assim fiz. Prova superada, pude entrar com a malinha. Lá dentro, o que esperava: quase vazia.

Perguntei pela comunidade de leitura, clube, ou como chamavam a pessoas que se encontram para conversar sobre um livro que leram. Não sabiam de nada mas achavam que sim, que havia. E uma lembrou-se da frase chave: está tudo na página da biblioteca, é lá que está a informação. Ou seja teria que voltar para casa para saber o que ali, local em que as coisas se passavam, não conseguia saber. Tudo bem, lá voltei para casa e fui à dita Internet pesquisar mas a página ou está muito bem escondida ou apenas permite a pesquisa de livros. Nem fazer parte virtualmente é possível, quanto mais ao vivo e a cores.

~CC~






sábado, 26 de novembro de 2016

Maçãs casanova



É sabido que com a quimioterapia o apetite se vai de todo, diria mais, todo o tipo de apetite. Comigo até demorou a acontecer, cerca de um mês. Aprendi a comer apenas não o que me apetece pois nada apetece mas apenas o que não rejeito. As maças casanova são agora o meu produto de eleição, desconhecendo, contudo, a razão de tal designação. A pesquisa feita não correspondeu aos meus intuitos literários, afirmando apenas a componente científica, indicando-a como a que mais fibra possui, entre outros aspectos nutritivos. Desconheço também a razão desta minha paixão já antiga mas agora completamente reavivada, não sou capaz de alinhar nada de racional sobre o fruto, nem bonito é. 

~CC~

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Tantas eu!



Assim sou eu...de Celina da Piedade*
Para além da música, vale mesmo a pena espreitar a animação.


* com um beijinho especial para a Ana

~CC~


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Manhãs



Lembro-me com exactidão das manhãs passarem tão céleres que quando tomava consciência do dia, já era hora de almoço. O almoço era quase sempre um pesadelo, cantina cheia, muito barulho, por último já levava a minha própria comida. Às vezes conseguia vir almoçar a casa ou à cidade, sozinha ou acompanhada era bom. Raramente parava para pensar nas manhãs dos outros, ainda que às vezes pensasse nos velhos, nos mais velhos, imaginando-os quase todos parados em frente à televisão. Pensava muitas vezes nas manhãs da minha mãe, era em quem mais pensava. 

Descubro agora as manhãs de quem não tem um horário regular, de quem não acorda no frenesim de ter que correr para o trabalho. Pensava que as praças, os jardins, os lugares junto ao rio, os cafés, tudo estaria vazio. Mas há muitos velhos a passear, a pares, ou sozinhos, mais homens que mulheres. Há gente jovem e menos jovem a fazer exercício físico. Há pessoas de todas as idades cuja grande companhia é o cão. Há casais jovens com filhos muito pequenos e mulheres sozinhas que gozam ainda a sua licença de parto. Depois o que mais custa: adultos, em plena idade de trabalhar. Estes últimos distinguem-se claramente dos outros por não parecerem tirar especial prazer da manhã livre que são forçados a ter. O olhar é mais parado, as mãos não têm onde poisar, desviam os olhos se encontram os nossos. Lembro-me só de uma excepção: o grupo das raspadinhas e das minis junto ao centro comercial. Mas nesse caso, penso que ali também se geram outros expedientes, outras fontes de receita. Afinal as manhãs estão cheias de gente, gente que nunca tinha visto. Dentro delas haverá também almas semelhantes à minha, suspensas, presas por um fio.

~CC~




terça-feira, 22 de novembro de 2016

Frágil



Uma necessidade tão grande de silêncio, de calma, o corpo a pedir-me repouso, recolhimento, eu espantada com ele, com a sua capacidade de mandar em mim, eu que tanto o massacrei a pedir-lhe sempre mais e mais e ele a seguir-me sempre e sempre, a puxar até ao limite. Procuro habituar-me a esta pessoa que se deita no sofá a meio da tarde e que se sente incapaz de sair de noite, esta outra.

Eu, na metade da minha energia, da minha capacidade, do meu ânimo. Eu, uma borboleta prestes a entrar no inverno. 

~CC~

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Tão fácil julgar



Na minha adolescência, vivida alguns anos com amigos de extrema esquerda, imersa num grupo de teatro que misturava grande qualidade com mensagem política clara nessa mesma linha, dizia-se com frequência: os americanos são estúpidos. Também acreditava nisso na altura. Mas havia os espirituais negros, a luta contra a escravatura, a revolução americana (é tão bonita a declaração da independência), o jazz.  Gosto de ver o pauzinho na engrenagem.

Com a vitória de Donald Trump essa frase (os americanos são estúpidos), dita de modo mais claro ou mais refinado, tem surgido com frequência. É tão fácil julgar um povo, todo ele como se nessa amálgama de gente não houvesse mais heterogeneidade do que homogeneidade. Que dizer dos portugueses que aguentaram 50 anos de fascismo? Que dizer dos italianos que escolheram Berlusconi e o aguentaram por mais do que um mandato (não era tão ou mais misógino?) E não falo já das manchas negras que o futuro pode trazer, mas claramente do que o passado recente nos trouxe. 

Os americanos são uma pluralidade de gente, estados claramente diversos, realidades distintas. Votaram por Obama para dois mandatos seguidos, se esquecermos que o fizeram, estaremos a desacreditar as pessoas que terão voz para lutarem lá dentro, para se oporem, para protestarem. O meu ADN é claro/escuro, mas sei que a luta está em puxar pelo claro, se a esperança morre, morremos com ela. E os nossos filhos?

~CC~






sábado, 19 de novembro de 2016

Entre nós (que ninguém nos ouve)



Vi-a à minha frente, empurrando um carrinho de bebé, uma mulher jovem, pensei: afinal não sou só eu que uso boinas. Entramos no mesmo restaurante e aí ficou claro que tal como eu, ela não tinha cabelo e por isso a boina. Encostou o carrinho à mesa e pude observar uma bebé de poucos meses, pequenina, muito cuidada, dormindo. Sorrimos imediatamente porque as boinas eram exactamente iguais, estilo basco, apenas de cores diferentes. Também as colocávamos de forma diferente. Ela viu o meu olhar para a bebé e disse; descobri ainda estava grávida. E eu respondi: ainda mais difícil. Sorrimos e ficámos caladas, ela estava acompanhada e eu também. Tive vontade que não tivesse sido assim, de saber se sozinhas nos sentaríamos uma ao lado da outra, por mim não sei, mas ela era menos reservada, bem disposta, falava muito com as amigas e sorria-me de quando em quando. Eu retribuía. Quando saí, pisquei-lhe o olho e fiz-lhe um sinal com a mão, esticando o meu polegar (vai correr bem!). Ela tinha um sorriso lindo e piscou-me o olho também, não teria mais que uns 35 anos.

As grávidas na rua só vêm grávidas, é um clássico. As carequinhas também se encontram por aí, debaixo de chapéus, com cabeleiras ou mesmo a descoberto em lugares interiores. Eu, como detesto o que é artificial e tenho uma pele ultra sensível não suportaria uma cabeleira, pelo que tenho um enxoval de boinas e chapéus que nunca julguei coleccionar. A verdade é que me mudou o estilo e que tento vestir-me de baixo para cima, agora sim, da cabeça aos pés. Já recebi os mais diversos comentários, todos simpáticos (creio que por ninguém ter coragem de dizer mal nesta situação) mas o que mais aprecio é aquele em que dizem que pareço uma parisiense, estando eu certa, que mais não é que a representação que as pessoas têm de uma parisiense. Já o meu amor inclina-se mais para as russas, tendo o cuidado de acrescentar que as russas são as mulheres mais bonitas do mundo. Enfim, nunca fui tão mimada, ainda me habituo ao que é bom neste estatuto.

~CC~

PS. Iniciei ontem o 2º ciclo da quimioterapia, serão 3 antes da intervenção cirúrgica. Apenas ligeiramente enjoada, a aguentar-me.







terça-feira, 15 de novembro de 2016

domingo, 13 de novembro de 2016

Domingo



Seguro ao colo o bebé de três meses. Tem um cheirinho tão bom. Já esboça um sorriso de quando em quando. Os olhos rasgados são parecidos aos da sua mãe. Sinto esperança cada vez que alguém nasce, felicidade se é de  alguém próximo. Mais ainda num ano em que morreram tantos, tanta gente boa. Nunca gostei de anos pares, a minha preferência é sempre pelos ímpares. O bebé olha em redor, fixa os objectos, fixa-se em mim, mas é na mãe que ira mergulhar dali a nada, no seu calor, depois adormece tranquilo. O sono dos bebés é um sono de anjos, há muito pouco de inferno dentro deles. 

Depois fui ver o mar. E a lua chegou tão enorme, tão cheia. 

~CC~

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Felicidade



Uma semana sem a bomba infusora. Poder usar o braço direito muito mais à vontade, poder mexer-me na cama, poder sair de casa sem ter que disfarçar o fio, poder tomar banho muito mais livremente.

Até me esqueço da carequinha.

~CC~

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Ela (Her)



Imagino a tristeza profunda de Hillary Clinton. Estava com ela, claro. Mas como muitos, mais pelo que se lhe opunha do que por ela própria, penso que é nisto que a derrota começa.

É uma tristeza que nos varre a todos, à excepção de uma maioria que em silêncio votou e decidiu. O meu profundo respeito pela Democracia não permite que os insulte. Mas permite que me interrogue sobre as muitas falhas, algumas estão na Educação e na Cultura. Acreditar que o homem é contra o sistema, o homem vive dentro do sistema, apenas o discurso lhe foge para o popularucho, isso parece chegar para acreditar que é do "contra".

E a mulher. Queria muito gostar dela pela solidariedade feminina que corre no meu sangue. Mas tinha dificuldade, o meu afecto tolhia-se ao pensar nela. Como milhares de pessoas, sentia a falta de autenticidade. Dizia muitas vezes que ela tinha começado a perder no dia em que aceitou aquele marido, no seu perdão estava a fraqueza dela. Pensava muitas vezes em como é possível não ter virado a mesa, fechado a porta, começado nova vida. Tentava, contudo, fazer um exercício típico dos europeus: separar a vida privada da vida pública. Esta separação que nos é muito cara não tem qualquer eco na maior parte do mundo. Ela esforçou-se muito, merece a nossa consideração por isso. Contudo, o outro candidato do partido democrata teria sido infinitamente melhor. Não importa que fosse homem, aquilo que defendia era melhor, ele era melhor.

Já o tinha dito aqui, o século XXI avizinha-se mais difícil do que a segunda metade do século XX, vivemos alguns tempos de paz que nos trarão saudades. Os braços, contudo, não se podem baixar.

~CC~







terça-feira, 8 de novembro de 2016

19º dia


Os médicos são. às vezes, de uma precisão espantosa. Disseram que pelo 20º dia o cabelo começava a cair. Acordei várias vezes esta noite, incomodada, sem saber bem com quê. Pela madrugada olhei para o lençol, estava cheio de pequeninos cabelos (já estavam muito curtos). Sei-o desde o início, mesmo assim custou-me. Sei-o desde o início, mesmo assim esperei que não acontecesse. Não poderei passar desta semana a ida à máquina zero. Vou pensar em mim como uma árvore.

~CC~

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Laços



Ela escreveu: desculpa não estar próxima.
Ele disse: preciso de contacto corporal e encostou-se a mim docemente.

Mas eu já não sei bem o que é a proximidade. Já não sabia antes mas agora ainda menos.

Tenho um amigo da adolescência que passo anos sem ver. Telefona muito e passamos muito tempo ao telefone, sinto sempre que está próximo, no entanto, falta qualquer coisa. É o cheiro, o toque, saber como está agora o cabelo dele, se engordou, se continua magro, se se veste bem como vestia. Acho que precisava de o abraçar, embora a nossa relação nunca tenha sido muito efusiva desse ponto de vista. No entanto, tenho uma amiga que me abraça muito e tenho esgueirar-me de tanto contacto físico, não é por ali que me aproximo dela, outras coisas talvez.

O nascimento de duas crianças no Brasil, uma há dois anos e outra há um mês, sobrinhos netos, motivou aquela família (ele foi o meu primeiro sobrinho e como tal muito importante para mim) a criar uma aplicação que unisse os avós dos dois lados da família, uns na beira e outros no Algarve. Depois tudo se alargou, entraram tios, sobrinhos, primos...neste momento entre São Tomé, Brasil e Portugal chegam uma média de 20 mensagens por dia. Nunca quis entrar na onda até ao nascimento desta segunda criança. Sabia que não teria tempo para ver, muito menos para participar. Mas percebo agora que teria arranjado esse tempo se tivesse consciência do que estava a perder. Os vídeos, as fotos, os comentários, tudo nos permite estar muito mais próximos uns dos outros.

Depois os congressos, bem sei que é um salto tremendo, da família e dos amigos para os congressos. A maior parte deles não tem história, não faz história. Em muitos deles, criei, no entanto, contactos que ficaram. Não sei se chamo amigos aos que por aí entraram, talvez sim. Recebi um mail da organização de um congresso, mais concretamente de alguém que faz desde sempre parte da organização de um congresso. Faltei desta vez, avisei claro, mais que isso, uma colega foi por mim. O mail dela tocou-me, era simpático, mais que isso, carinhoso. Dizia que tinham sentido a minha falta. Ora não esperamos tal coisa dos organizadores dos congressos, a minha tendência sempre foi pensar naquilo como numa indústria; mecânica, organizada, funcional. Claro que aquele é um congresso que se realiza todos os anos, vamos sabendo quem vai, é como um encontro que está marcado com os que vão sempre. Esses talvez sejam, estejam próximos.

E os que passam por aqui repetidamente, os que deixam e não deixam sinal? Sempre tive uma relação muito desprendida com este blogue, no fundo sempre achei que estava aqui sozinha a escrever, para muito poucos, quase ninguém. Mais que isso: sempre li blogues sem pensar muito nas pessoas que estavam por trás deles e apenas no início desta vida tive algum interesse por saber quem eram. Mas até isso tem estado a mudar. E tenho a certeza de que não é por agora me sentir mais sozinha, nunca tive tanta gente a escrever-me, a contactar-me, a ligar-me. Tudo tem a ver com a forma como olhamos para a vida, com o que valorizamos e não valorizamos.

~CC~

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A santa solidária



No Verão, na serra de Montemuro, tomei os pequenos almoços mais demorados da minha vida. Ficávamos entre uma hora a hora e meia sentados à mesa. Não era a comida, embora o sumo de melão fosse delicioso. Eram as histórias da dona da casa.

Sempre gostei das manifestações da religiosidade popular porque estão impregnadas do mais profano que há. Por isso gostei de saber da santa, daquela santa. Se formos à Igreja tristes, ela chora connosco. Se formos à Igreja alegres, ela sorri-nos. Assume as nossas dores, é solidária, amiga. Isto sim é uma santa a sério, não promete milagres, não vende banha da cobra, modifica apenas o seu rosto, a sua expressão, adaptando-a aos sentimentos que trazemos.

Só me fez mais confusão a história de não se deixar despir perante a presença masculina, se há um homem na igreja, os seus braços ficam hirtos e ninguém lhe consegue mudar as vestes. Foi assim que descobriram uns assaltantes que por por lá se esconderam. Mas pronto, é uma santa, só os gregos as deixavam nuas (ou quase) e as chamavam deusas.


~CC~

terça-feira, 1 de novembro de 2016

(Do meu) Corpo



No filme "Virgem Prometida" assistimos a dois processos de transformação do corpo sexuado, uma rapariga torna-se num rapaz, mais tarde, esse rapaz, já adulto, quer voltar a ser uma mulher. O bisturi não entra aqui, é apenas a postura, a roupa, o olhar. Qualquer uma das buscas é impressionante na exposição de um eu dorido, em busca, em permanentemente insegurança. Gostei muito.

Também eu sinto a parte direita do meu corpo meio amputada. Perdi peso e não me fica mal, há muito que o queria. Mas o cateter permanente instalado na veia cava tirou-me a força desse lado, sinto formigueiros ao longo do braço e às vezes dor. Tenho dificuldade em conduzir. Não posso vestir tudo o que quero, anulei os vestidos e as camisas compridas. E se eu gostava de vestidos. Mas mais importante que isso é mesmo este sentimento de ter deixado em parte de ser uma mulher e passar a ser apenas um corpo, parte dele sequestrado, quase máquina. E o cabelo não caiu ainda, daqui a pouco isso acontecerá e já marquei na minha cabeça o dia para o corte de 2cm. A imagem é uma parte importante da nossa identidade, só o sabemos quanto, quando alguma coisa em nós se quebra, emigra, desaparece.

Como a rapariga do filme creio que terei que depois aprender a ser um corpo sexuado, uma mulher. Não é que aos 50 anos os rostos se voltem quando passamos mas ainda me sentia um corpo feminino íntegro, ajudada pelo facto de ter sempre gostado de ser uma mulher. Penso em coisas que nunca pensei antes para não perder totalmente a minha imagem, como, por exemplo, usar maquilhagem. Depois rejeito a ideia, não me ficaria bem. Hei-de encontrar-me de alguma forma.

~CC~