quinta-feira, 30 de maio de 2013

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Retratos desta margem (I)



A margem sul é um encontro entre rios aproveitado por uma indústria que se quis fazer crescer tardiamente num Portugal sempre à procura de ser como os outros. Sobraram vastas zonas verdes onde a agricultura de pequena exploração sobreviveu, a par do crescimento da vinicultura. Quando outros se puseram a arrancar vinha, por aqui chamaram-se os enólogos. Em alguns lugares mais rurais vive sobretudo população muito envelhecida, enquanto noutros nunca vi tantos jovens e tantas crianças na rua.
 
Viajo intensamente por estes lugares conhecendo um pouco de tudo, ou seja de todas as instituições que trabalham na área social, cultural e educativa. É um distrito feito do contraste entre autarquias em geral muito dedicadas e cidades que foram descolando de Lisboa e estão à procura do seu próprio desígnio. Há muitas histórias difíceis de quem vive perto da marginalidade e que todos os dias luta para não cair nela. Os meninos são em geral muito revoltados pelo que não têm, mas o que não têm é muito mais vasto e profundo do que tudo o que se lhes possa dar. Crescer numa sociedade e num tempo em desagregação já é difícil mas ainda é muito mais quando não há pilares. E não estou a falar de ter uma família tradicional mas tão só de ter laços, de sentirmos que importamos para alguém, Eles são empurrados da família, da escola e por vezes mesmo das instituições de solidariedade social. Poderão eles resistir, poderão eles fazer a diferença, inverter o peso do destino? Estamos sempre a dizer-lhes que sim. Mas por vezes sinto, como ontem, que nada do que se lhes diga pode ter a importância do abraço, do afecto,  porque é esse que lhes toca a pele e é disso que precisam.
 
Num tempo em que os animadores socioculturais, como outros profissionais, têm cada vez menos lugar nas escolas e tudo se parece resumir à importância da instrução, o que mais gostaria era de ter o ministro da educação na aula a que ontem assisti numa escola da cidade sol. Talvez ele pudesse finalmente perceber que nada se aprende se não se quiser aprender. Talvez ele pudesse perceber que para aprender é preciso ter o coração preenchido e a cabeça minimamente arrumada. Talvez ele pudesse perceber que aquelas animadoras que dão abraços aos meninos são uma peça importante da reconciliação daqueles miúdos com o mundo e que sem isso de pouco vale a tentativa de lhes ensinar o que quer que seja.
 
~CC~
 
 
 
 
 

terça-feira, 28 de maio de 2013

Novidades verdes


E esta Primavera que não quer ficar connosco?

Apesar disso apanhei os primeiros quatro morangos que plantámos há cerca de um mês na minha varanda. As alfaces estão também viçosas e creio que daqui a duas semanas já poderei ter uma ou duas para primeira para salada cultivada aqui.

A orquídea vive cá dentro e dá flores pela segunda vez, são de um rosa escurso, muito originais.

Faz-me bem ver coisas verdes a crescer, a amadurecer, a dar flor e fruto.

~CC~


segunda-feira, 27 de maio de 2013

O centro do mundo


Os políticos deviam ser obrigados a viajar pelos seus próprios países, sem comitivas nem carros de alta cilindrada. Deviam parar a falar com os velhos que habitam as vilas e as aldeias, que dão conversa generosa a quem passa. Deviam frequentar os supermercados das cadeias baratas que ficam nos lugares mais remotos e as lojas que por terem tudo ainda resistem. Não deviam fazer de Bruxelas o centro do seu país mas de cada aldeia do seu país o centro do mundo. Quando eu vou sinto-me pequenina e quase nada e sinto-me grande e muito feliz.
 
 
Há congressos em Boticas, são dos que mais gosto.
 
 

terça-feira, 21 de maio de 2013

Abrigo portátil

 
Até os adultos precisam de abrigo, quanto mais as crianças. Considero inaceitável a pena recentemente proposta para um padrasto que maltratou o filho pequenino da sua companheira. Bem sei que as prisões não recuperam ninguém mas não se pode dar este sinal social de desprezo pela vida de uma criança.
 
~CC~

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Retornados


Um dia talvez faça o retrato de todos os lares e centros de dia por onde passo e no papel que eles desempenharam na minha educação sentimental. Nos meios mais rurais onde a pobreza não se tornou ainda um pesadelo, recebem-me como hoje, com um chá quentinho e um bolo caseiro. Há sempre alguém que se lembra, alguém que traz alguma coisa para partilharmos. Eu, atarefada como ando, raramente me lembro de levar alguma coisa e só quando confrontada com a generosidade de quem me recebe, tenho vergonha de andar sempre enfiada em mil planetas diferentes. Em muitos destes lugares emociono-me para dentro por encontrar não só a verdade dos outros mas partes de mim própria. Hoje encontrei um casal de velhos retornados de Moçambique e a conversa desatou-se para trazermos um bocadinho das nossas memórias.

Eles falam já despidos da mágoa que os trouxe aos 45 anos da terra que amaram como se fosse a sua. Não era, mas eles não tinham disso a plena consciência, por isso acham que lhes roubaram o que não era deles. Peço-lhes para falarem antes do que permanece, do que nunca morrerá, do que nos pode juntar. Ela fica a pensar perdida no tempo, mas ele é rápido: o sabor do caril regado com uma laurentina. Mas para fazê-lo é necessário ter os caranguejos de lá, os de cá não prestam.
 
Eu protesto dizendo que caril, desde que o pó seja bom, é uma iguaria que se pode combinar com qualquer matéria prima. Ele continua: vou dizer-lhe um segredo, pode ir buscar os caranguejos perto de Torres Vedras, há um senhor que os importa de lá.
 
Despeço-me com a promessa de um caril um dia destes. Mas sou eu quem se vai esquecer dessa ideia que hoje senti tão verdadeira, não eles, apesar das nuvens que lhes atravessam o olhar. E é essa a diferença, nós esquecemos com facilidade tudo o que é importante e eles passam a vida a recordá-lo.
 
 
~CC~
 
 
 
 

domingo, 19 de maio de 2013

Zero em política



Vejam esta foto bem. Contém uma ideia. Parte de materiais velhos e de outro uso para os fazer renascer numa outra coisa. Evidencia engenho, habilidade, inteligência.


Monte Selvagem, Março de 2013

Nada disto está presente no modo de hoje se fazer política. Não há uma única ideia. O governo é um mero gestor da dívida, a sua única preocupação é onde é que vai cortar para poder pagar. Dizem que já antes era assim e em parte era. Mas havia ainda a preocupação, mesmo que cosmética, de fazer circular ideias. Falava-se que o futuro do país estava nas energias renováveis, no plano tecnológico, nas linhas do TGV. Não discuto se eram boas ou sequer realizáveis, eram ideias. Neste momento não circula uma única ideia para o país, navegamos no vazio. Nos exames, este governo merecia zero em política.

~CC~

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Sinal vermelho


 
Vou ao supermercado comprar-lhe algumas coisas e sei tudo. Sei qual é o pão que devo levar, de que são os iogurtes, qual é o peixe que não pode comer e qual o chocolate preferido. E ao mesmo tempo sinto uma angústia ao pensar que quando eu for velha ninguém saberá o mesmo de mim. Atinge-me um pessimismo grande: em geral as pessoas já não dominam as coisas de que os outros gostam, mesmo as pessoas próximas como os filhos, os maridos, os irmãos. Bom, pelo menos a minha irmã mais velha conhece a minha marca de roupa favorita. Poderei assim ser uma velhota bem vestida.
 
~CC~

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pequenos nadas


 
O rapaz da caixa do supermercado ecoa pelo espaço, envia uma colega à caixa tal, outra à peixaria e ainda outra ao talho...em 20 m ele chamou com uma voz magnificamente modulada pelo menos três colegas, lamentando não haver objectos perdidos ou mais motivos para brincar de locutor radiofónico. Não resisti em dizer-lhe: oiça, você faz isso muito bem, por acaso não queria ser locutor de rádio?! Tem aí um talento escondido...riu-se, abandando a cabeça. Mas ficou feliz, pelo menos arrumou todas as minhas compras nos sacos enquanto cantarolava.

~CC~

terça-feira, 14 de maio de 2013

Sinais



Acordar com um peso no peito e sacudi-lo e sacudi-lo, para vê-lo regressar de mansinho, sorrateiro, à medida que a tarde descia rumo à noite. Os pesos no peito são coisas estranhas sem nome e de destinatários nebulosos. Pode ser por alguém, por nós mesmos, pelo cinzento que nos querem colocar à janela. São sensações imprecisas de que alguma coisa correrá mal. Sinais dessa coisa que não existe chamada destino. Como é que uma coisa que não existe pode ser tão incomodativa?! Quando eu era muito jovem sonharam-me um futuro de ler destinos mas fugi dessa sina, antevendo o quanto ele podia ser infernal, se é que podia ser verdadeiro.
 
O telefonema imediato e ainda de manhã para a pessoa mais velha da família. Não atendeu. Nova tentativa e consegui falar-lhe, oferecer-lhe boleia de regresso à sua casa. Não quis, que se arranjava sozinha. Aceitei, não devemos infantilizar os mais velhos.
 
Uma sombra de mim e das minhas capacidades na apresentação da tarde, uma tristeza de me saber assim tão vulnerável a ponto de não fazer as coisas bem, como sou assombrada pelas memórias de tantas coisas más, estupidamente ligada ao passado. Vou sempre à luta a pensar que tenho uma capa e uma espada mas percebo que vou à luta sem nada, de corpo feito. E não há ninguém para desgostar mais de mim do que eu própria.
 
Depois à noite a confirmação do peso no peito. As sacudidelas nocturnas mais difíceis quando a dor já não é a nossa mas a de alguém mais velho. Confiante, no entanto, que também ela tem uma capa e uma espada imaginárias para ir à luta ou que ainda aguenta o embate na falta das armas.
 
~CC~

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Afinal fico



Ontem, entre Fátima e o Futebol, entristecia com este país. É nestes dias que me apetece partir, sair por aí mundo fora à procura de um outro ar para respirar. Desespero.

Mas depois voltei ao Curtas Sadinas (não foi à toa que adoptei esta cidade) onde tinha estado no dia anterior e saí de lá outra pessoa por ter visto outro país que vive dentro deste.

Cinco prémios absolutamente magníficos.
 
Maybe é uma curta de ficção sobre o modo como um rapaz pode fazer render uma rapariga e encantá-la se for criativo e ser criativo é superar-se a si próprio, ao que se julga capaz. E ela puxa por ele, faz-se difícil, pede-lhe mais. O que é o amor se não for também desafio.
 
Fado de um homem crescido é uma curta de animação sobre as recordações de infância num bairro típico lisboeta, as memórias das coisas que marcam uma vida como a caderneta de cromos, os ralhetes da mãe e a primeira troca de olhares. Os bonecos são lindos e acompanhados pela voz de António Zambujo.



 
Gasoline é uma curta regional por ser um memorial a uma terra e a um rio, uma homenagem à onda mais urbana que existe no país, onde se substitui a beleza do mar pelo afecto da terra. Toscos e maduros estes surfistas têm muito mais piada que os mocinhos que pintam o cabelo de louro e perdem manhãs à espera da onda perfeita.
 
Rhoma é uma curta escolar porque é feita por uma aluna da escola de teatro e de cinema de Lisboa e é uma espantosa busca das origens de uma rapariga cigana cuja família fugiu à tradição da sua comunidade. Sem nunca julgar nem emitir juízos de valor ela mostra como a tradição pode ser um peso que esmaga e simultaneamente uma identidade que enraíza.
 
E uma menção honrosa para essa maravilhosa animação de uma turma de 12º ano de Vila do Conde: o Belo adormecido.
 
Afinal não me quero ir embora.
 
~CC~
 
 






sexta-feira, 10 de maio de 2013

Resilência



A resiliência não é a arte de curar as feridas mas de saber viver com elas. Mesmo sabendo que estamos curados dessa dor, de vez em quando a ferida parece querer abrir, é apenas a nossa sabedoria arduamente construída sobre o curativo que é mais indicado para nós aquilo que nos pode ajudar sempre. Os mais fortes sabem actuar como analistas de si próprios ou fazem-no com a ajuda dos amigos ou do amor, os mais frágeis raramente conseguem fazê-lo assim e precisam de apoio terapêutico.
 
Estas raparigas americanas raptadas e mantidas em cativeiro nunca mais irão esquecer porque a dor nunca se esquece, os que esquecem são apenas o que nunca souberam de verdade o que é o desamparo. No entanto, se calhar elas quererão mais do que ninguém viver, recuperar, reconstruir e como tal serão as rochas, com sorte e vantagem o abrigo de alguém (uma já é mãe).
 
A resiliência é uma tecelagem, é forte no modo como se entrelaçam os panos, mas está sempre inacabada e pode romper-se. Os que sabem o que é a dor têm a enorme vantagem de compreender muito bem todos os que a sentiram. O sentimento mais forte com que elas terão que lutar não é a raiva contra o agressor mas sim contra o mundo que não as soube proteger. De certa forma a família inclui-se nesse mundo por melhor que ela seja e por menos culpa que tenha tido.
 
Longe de mim ter tido experiência tão dolorosa e no entanto sei tão bem o que é esse desamparo, esse nos sentirmos sós no mundo e parecer não haver ninguém que se possa comprometer connosco, cuidar de nós, amar-nos de forma total e incondicional (se não nos aconteceu em crianças com a nossa mãe ou outro adulto, é natural que o busquemos ainda mais sofregamente que os outros). Uma espécie de orfandade forjada que é muito primordial, um veneno capaz de nos fazer o pior. Nessas alturas há que fazer uma coisa importante: fechar os olhos, tentar respirar o sol, pensar que somos capazes, oh se somos!
 
~CC~

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Mais alternativas



Capacetes coloridos é um documentário sobre formas alternativas de construção da própria habitação. Por cá estamos longe disto, até as cooperativas foram morrendo lentamente. Veio directamente de uma voz bem jovem (e familiar) que do outro lado do mar alimenta as alternativas, ou seja, a esperança (obrigado!)



É um pouquinho longo para estes dias em que vivemos acelerados, mas vejam pelo menos uns bocadinhos.

~CC~


PS. Primeira rega feita por mim. Os morangos parecem ter resistido melhor que as alfaces, mas é preciso dar-lhes tempo para recuperarem. Penso em ti sempre que entro na varanda.

terça-feira, 7 de maio de 2013

A mansa loucura


O Crato tem uma loucura mansa, bem diferente da loucura do Relvas. Não sei, contudo, se não será um pouco mais perigoso, isto de colocar crianças de 9 e 10 anos, respectivas famílias, escolas e professores em estado de sítio, parece-me um delírio de poder. Os delírios de poder explicam-se por argumentos simples: é assim porque eu quero e têm que me obedecer.
 
Não tenho pena das criancinhas nem acho que lhe faça propriamente mal, a questão é se faz bem, se é útil, se serve para qualquer coisa que se traduza na melhoria do ensino. A sensação que tenho é que ele gostaria mesmo que os meninos vestissem fato e gravata e tirassem hoje uma fotografia como nos idos anos do fascismo. Aposto que consideraria isso como um marco simbólico porque como ele despreza o conhecimento sociológico, ignora que os símbolos só fazem sentido num dado tempo histórico. Despreza ainda outras coisas, como o facto de naquele tempo dos exames da 4ª classe, o abandono escolar ser gritante e o insucesso dos mais pobres uma quase certeza.
 
Ora, para quem considerava que o Ministério da Educação podia até não existir, esta arrogância de ministro é a antítese. Para além disso já começou a mudar programas porque sim, porque a Matemática dele é outra Matemática, daqui a pouco será também outro Português, outra Filosofia....Confirma-se assim amplamente que o poder é uma tontura perigosa.
 
~CC~

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A(s) alternativa)(s)


Não sabemos dizer quantos somos. Talvez os que descem a avenida na última manifestação, talvez nem todos entre eles. Não sabemos quantos somos com este desejo de ser outra coisa, de querer outras coisas. Se calhar não o dizemos do mesmo modo, não o expressamos pelas mesmas palavras. No Verão de 2012, Paulo Varela Gomes chama ao seu desejo de mudança contos da revolução e faz um apelo a uma revolta activa, acabando com a mansidão que em geral habita o nosso povo. Seria incapaz de usar a fórmula que ele usa e de falar da alternativa com uma pedra na mão, mas compreendo-o muito bem.
 
Eu vou vendo as pequenas coisas e imaginando que elas se tornam numa maior. Este fim de semana na Feira das Almas (Lisboa-Anjos) vi jovens, muitos jovens a comprarem coisas usadas a baixo preço, outros a vender coisas feitas por si. A minha filha chamou-lhe o mercado das lojas do Facebook. Uma colega minha disse-me hoje que o filho constrói um projecto colectivo de artes plásticas com outros jovens numa escola devoluta da cidade, cuidam do edifício, dão-lhe outro uso e abrem o espaço à população em exposições. Hoje mesmo nasceu uma horta na minha varanda, plantámos alfaces e morangos, na expectativa de os podermos colher com as nossas mãos. Hoje recebi na minha escola uma equipa de colegas, uma instituição similar à minha, há meses fui-lhes bater à porta, renegando a ideia de que a sobrevivência passa pela concorrência, investi na cooperação e embora o resultado possa ser ainda incerto, ninguém me retira a satisfação de ter feito o caminho.
 
Não sei se estamos a construir alternativas ou apenas a adiar a nossa morte e a alimentar a esperança mas tudo é melhor que a quietude, a imobilidade, a passividade.
 
~CC~

 
Feira das Almas, Lisboa, Maio de 2013
 
 
 

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Triturar

 
Aí está ele, pronto a atacar os funcionários públicos. Para quê procurar mais, uma presa fácil tem um sabor doce.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Meu Maio


Bem vindos a este mês maduro e às vozes que o cantam assim.


O excelente original...






Uma versão muito bonita...

 
 
 
E esta colectiva e espantosa!
 
 
 
 
~CC~