sábado, 30 de março de 2024

Sábado de chuva


 Foi com ele que tomei o pequeno almoço deste sábado chuvoso. Aleluia!

~CC~

quinta-feira, 28 de março de 2024

Eu já tudo esqueci

 

Mãe, dizem que é ou vai ser Páscoa.

Mas o que é ela sem ti?

Tu é que tudo sabias sobre o que comer, o que vestir, o que dizer em épocas festivas. Tu é que te importavas com os rituais, mesmo que despidos de fé. Eu já tudo esqueci, só de ti não me esqueci.

~CC~

terça-feira, 26 de março de 2024

É só sobre o incómodo do tempo...

 

A Primavera quis aparecer mas veio cheia de poeira, as plantas e as flores ficaram cobertas dela. Em vez de ficar e nos deixar apreciar a brisa ligeira e o alívio dos casacões, partiu rápido e deixou-nos Inverno de volta. Não era essa a sucessão natural. E aí reside o problema, já não conhecemos o tempo, ele deixou de nos ser confiável. Ele e quase tudo. Já nada parece ser suficientemente seguro, estável, permanente. A volatilidade das coisas traz-nos insegurança e uma dúvida cada vez mais acentuada sobre o nosso futuro e o deste planeta. Podemos encolher os ombros, por certo já cá não estaremos. Mas não fiquem assim tão tranquilos, deixamos cá os nossos filhos e os nossos netos e provavelmente bisnetos, tão humanos como nós. Além disso as tragédias às vezes emergem mais rápido do que pensamos.

Ainda bem que não guardei os casacos nem as camisolas, quem sabe se em Agosto preciso delas. Mas isto é sobre sobre o incómodo do tempo, já por certo sabem que não me dou bem com o frio.

~CC~

domingo, 24 de março de 2024

Abrigo

 

Amizade é lugar de abrigo. 

Nos amigos não mora um laço feito de nervo e sangue, se há sombras elas não doem como no amor ou na família. Vamos e estamos despidos de obrigações e prontos a contar histórias do tempo que ficámos sem nos ver.

Volto a alguns deles por saudade mas também como quem se visita a si mesmo para se encontrar. Devolvem-me quem eu sou.

Outros são novinhos em folha, olhos primeiros. Somos jovens enquanto temos essa coragem de ir ao encontro de quem nos convida para um café, envelhecemos quando nos cansamos e nos inibimos de o fazer, quando deixamos que a impaciência, o medo ou a ausência de curiosidade ganhem. E a falta de tempo, esse mal crónico que nos rouba tanta coisa e que ganha tantas vezes. Perdi várias vezes essa corrida.

Mas a palavra amigo/a é redonda e cheia. Bem diferente de conhecidos ou quase amigos, essas pessoas com quem se troca trivialidades e se passa tempo a dizer (quase) nada, nisso sou de enorme inabilidade. Preciso sempre de avançar para algo que nos diz quem somos e o que sentimos na vida e pela vida. 

Abriguem-me, às vezes faz aqui muito vento.

~CC~




quinta-feira, 21 de março de 2024

O meu primeiro poeta

 

Cala-te, voz que duvida
e me adormece
a dizer-me que a vida
nunca vale o sonho que se esquece.

Cala-te, voz que assevera
e insinua
que a primavera,
a pintar-se de lua
nos telhados,
só é bela
quando se inventa
de olhos fechados
nas noites de chuva e de tormenta.

Cala-te, sedução
desta voz que me diz
que as flores são imaginação
sem raiz.

Cala-te, voz maldita
que me grita
que o sol, a luz e o vento
são apenas o meu pensamento
enlouquecido…

(E sem a minha sombra
o chão tem lá sentido!)

Mas canta tu, voz desesperada
que me excede.
E ilumina o Nada
com a minha sede.

José Gomes Ferreira


Era um livro com capa azul e sem nada que revelasse quem era o seu autor, dos muitos que o meu pai deixou para trás quando partiu de Angola e foi para o Brasil, Li-o aos doze anos com a sofreguidão de quem descobre um mundo novo, posso ter tropeçado em algum poema num manual da escola, mas não sabia que existia a poesia e muito menos me tinha ainda encontrado com ela em pleno deslumbramento.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Aprendiz

 

Às vezes uma aula é um campo de batalha e somos encostados à parede como um inimigo. Muita soberba, muita arrogância e muita ignorância. Mas não podemos devolver assim. E custa. Saber sair de lá sem entrar na luta é uma arte e eu sou aprendiz. Se recusamos a guerra e procuramos desarmar em vez de armar, os campos opostos perdem sentido. Pouco a pouco vou conseguindo e cada vez mais.

Como ajuda, voltei às aulas de yoga. Mas meditar é coisa que não consigo e desligar é tudo menos fácil. Aqui nem aprendiz sou, sou quase zero. Tento estancar a minha descrença na espiritualidade e apanhar a parte que eu sei que é boa, aquele bocadinho de paz. 

~CC~

segunda-feira, 18 de março de 2024

Morreu um poeta

 

Morreu mais um poeta e o dia fez-se sombra e há frio dentro do calor. Retiro tempo ao trabalho para ler os seus poemas, era capaz de ficar o dia todo a fazê-lo.

Este poeta era da terra da minha mãe e enchia os seus versos de uma simplicidade aparente, usando muitas vezes a palavra amor, amante e amada. Que belos são os homens que não têm receio destas palavras, agora costumam trocá-las por outras mais leves e menos cheias.

Tenho a certeza que ele gostava de amendoeiras em flor, de gatos e de mar, os seus poemas têm lá dentro essas coisas, são cheios do que o sul deixou nele quando se tornou um homem da cidade.

Foi o bicho maldito, aposto que também militou no calvário dos sem cabelo e mesmo assim perdeu. Só 74 anos. 

~CC~


PS. Adeus Nuno Júdice, prometo ler-te muitas vezes.

domingo, 17 de março de 2024

Renúncia

 

Tão calado, tão reservado. Por isso demorei até te ver. E não me lembro do momento em que os teus olhos estavam a brilhar no encontro dos meus. Depois vi os teus lábios, esses sim, não esqueci. Por algum tempo o desejo de os beijar alumiava os meus dias e ocupava as minhas noites. E lembro aquele jogo em grupo em que cada um tinha que dizer o que tinha encontrado naquele espaço que nos juntava. E tu disseste muito baixinho: o amor. Alguém ficou espantado e perguntou mas não quiseste dizer mais nada, os olhos demoradamente fitos em mim.

E depois renunciámos, acho que primeiro tu, depois eu, ou talvez tenha sido cada um à vez. Às vezes é assim, congelamos o amor, sabemos que não o podemos viver. A impossibilidade reside apenas na certeza de que não poderemos ser felizes sabendo que o fazemos na sombra da tristeza de alguém. Tu e eu erámos assim. Escolhemos a terceira pessoa, a que estava no meio de nós.

~CC~

sábado, 16 de março de 2024

Resistir


Dizia Sebastião da Gama à morte que se ela o viesse buscar não lhe queria dar um morto mas alguém bem vivo para que ela se arrependesse de colher uma flor e uma esperança. Era a sua tentativa de chamar um Deus justo. 

Tento por estes dias lembrar-me disso,  que posso ser a papoila que nasce nos passeios mal a Primavera espreita.

Já as ouviste cantar?! Posso ensinar-te.

~CC~



quinta-feira, 14 de março de 2024

Caixa de bombons (X)

 

A mulher do fato amarelo, muito requintada, com o seu motorista fardado a oferecer-lhe um bombom que tirava do porta luvas. Há publicidades que ficam e esta atravessou os tempos. Não sabemos exactamente porque registamos estas coisas. Eu nunca quis ser como a mulher do fato amarelo e muito menos ter um motorista, a não ser quando as subidas são ingremes, os estacionamentos difíceis e a minha inabilidade me confronta e me incomoda. E no entanto aquele chocolate é todo um fascínio que se foi tornando banal pelas casas do mundo (e não lhe digo o nome, pois não me apetece fazer-lhe publicidade).

Preto por fora e bem no meio uma avelã crocante, algo semelhante ao que a senhora do fato amarelo provava com deleite. À partida a avelã bem disfarçada não parecia existir pelo que a surpresa foi agradável pois em geral adoro frutos secos. Nunca me esqueço de um filme que vi sobre uma tribo afegã que se alimentava praticamente só de nozes. São maravilhas da natureza mas em geral trabalhadas pelo homem que as coloca a secar, antigamente apenas à luz do sol, em grandes mantas ou tapetes colocados no solo. Alguns dão muito trabalho a conseguir, como as amêndoas ou pinhões e há em cada saquinho muito suor. É preciso dizer às crianças que não nascem nas prateleiras dos supermercados assim já prontos a comer.

Este ano falhei as amendoeiras algarvias, houve anos em que fui pela serra para beber da beleza desse branco. No Douro nunca as vi, mas gostava.

Estes bombons sugerem cada viagem...

~CC~



terça-feira, 12 de março de 2024

E agora o dia é teu...

 


Para a história dos momentos mais felizes: o teu nascimento. E nem parece já ter sido há tanto tempo, tal é  a memória viva.

E melhor, ainda hoje me trazes amiúde um sorriso.


~CC~

segunda-feira, 11 de março de 2024

Venha o dia seguinte

 

Ninguém como ela cunhou tão bem o nome do assombro. A banalidade do mal (1). 18% dessa banalidade.

É muito tempo de despolitização a falar e uma overdose de redes sociais.

É desde sempre o que me assusta, a única coisa que verdadeiramente me assusta, normalizar o que não é normal. De resto sempre estiveram aí, mas mais calados, a maltratar as mulheres e a maldizer se ter perdido as antigas colónias portuguesas, a clamar pela pena de morte e pela justiça popular. 

Haja poesia, sabedoria e dia seguinte. Afinal somos 82%

~CC~



(1) Hannat Arendt

sábado, 9 de março de 2024

Dia de reflexão

 

O que eu gosto do silêncio, o tanto que eu gosto.

Enrolo-me na manta depois de um dia intenso de trabalho e sonho que o mundo está em paz.

E que até os beijos, se eles chegassem, seriam como pombas, leves e esvoaçantes, sussurros e murmúrios.

E a felicidade, se ela viesse, seria brisa primaveril com cheiro de jasmim.

~CC~ 

sexta-feira, 8 de março de 2024

quarta-feira, 6 de março de 2024

Apenas sobre flores

 

As flores rosa despertaram da sua letargia uma após uma até a copa se tornar uma mancha de cor contra o céu cinzento. Disseste que os velhotes sabiam que essas árvores floriam sempre antes da Páscoa. Eu não sei, o que aprendi sobre plantas e flores foi a régua e esquadro. Mas agora sei o que elas sentem, as flores.

 Compreendo o seu desejo de emergir, de respirar, de ser.

~CC~

domingo, 3 de março de 2024

Que coisa linda...

 

Que coisa linda ontem me aconteceu.

Entrei num lugar que há muito desejava, parece que já não se chama assim agora, mas para todos é e será sempre o hospital Júlio de Matos. Têm lá dentro a experiência de teatro terapêutico mais antigo do mundo, já lá vão mais de cinquenta anos e o seu fundador, que lhe chamou Teatro dos Sonhos, já não está mais entre nós. Conseguiram, apesar disso, continuar.

Não, não fui ver um espectáculo, fui estar com eles, em todo o pleno sentido da palavra, o que implica fazer junto. Comigo, o meu pequeno grupo de mestrandos. Uma das melhores manhãs da minha vida. Estão lá dentro pessoas como tu e como eu, as fronteiras são tão ténues entre o que nos equilibra e os que nos desequilibra.

Foi desagradável andar no gelo e maravilhoso andar no campo de flores. E quando chegou a caixa articulada, o nosso objecto cénico, não quis entrar lá para dentro por me lembrar um caixão e uma prisão, mas o meu pequeno grupo (entre os quais um residente jovem recente e uma mulher residente há muito tempo) ensinou-me que afinal podia ser um barco e que até podia voar nele.

~CC~


sexta-feira, 1 de março de 2024

Todos contam

 


Dar de beber à desventura (Fado Bicha)

Não é que goste muito deste estilo de música, mas a letra tem imensa piada, oiçam bem. E nesta luta, que já nem chamo pela Democracia mas pela dignidade humana, tudo e todos contam.

~CC~