Ela virou-se para mim, olhando-me frontalmente e disse-me: eu não gosto de poesia, não gosto mesmo. Fiquei um momento sem resposta, quase gelada. Vinte anos, ela não tinha mais que 20 anos. Soube logo que era então ela que escrevia na avaliação da disciplina: secante, este ano o tema é secante. Respirei fundo e disse-lhe quase com ternura: pode ser que um dia sintas o clique, se nunca o vieres a sentir, terás perdido uma das coisas mais belas da vida. E fiquei em paz.
Não foi há muito tempo que ouvi esta prosa-poesia, não é dos poetas que melhor conheço, mas acho-a brilhante e uma metáfora do que pode ser a vida. Se gostar, leve-a.
TEORIA DAS CORES
Era uma vez
um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente
acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir
de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e
tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia
surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema
do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o
vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava.
Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se
por esta ordem: peixe, vermelho, pintor — sendo o vermelho o nexo entre o peixe
e o quadro através do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um
abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar
sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o
pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia
apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a
lei da metamorfose.
Compreendida
esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo.
Conto
da colectânea “Os passos em volta”, de Herberto Helder
Boas festas!
~CC~