Dantes era reservada, durante muitos anos tímida. Gostava de me enfiar na concha e ficar a espreitar o mundo de lá. Protegia-me com a noção de que seria fácil alguém me magoar. Anos de sensibilidade à flor da pele.
E agora não.
Conto histórias minhas aos alunos. De como não me lembro na minha infância, de como a bloquei para não chorar por a ter perdido abruptamente, por ter tido de crescer tão depressa. Daqueles primeiros anos de aulas, daquele lugar no meio de um bairro de lata em que leccionei no meu segundo ano de profissão. Do menino com o rosto marcado pelo chicote do pai, da mãe que me queria dar a filha, uma menina doce de apenas seis anos. São histórias enfiadas no meio dos conceitos mas a propósito deles, ainda não me perdi a contar histórias que são só minhas e que não têm nenhuma relação com o que estamos a trabalhar. Ainda não envelheci tanto assim.
Mas perdi a reserva, o medo e a pele está curtida. De nada servia a concha, já me magoei tanto, acho que não me magoarei muito mais.
~CC~