sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Pura poesia

 

A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos

Não deixem fugir se passar perto de vós, não obstante o filme ter asas. Vão sem pressa, prontos para se deslumbrarem por uma história que por ser banal (quantas famílias há no mundo assim?) é ainda mais bela e comovente. Apesar da morte estar sempre a rondar, é uma homenagem à vida e certamente às mães, palavra pequena e tão maior, dita em tantas e tantas línguas.

Os prémios são bons e ela irá certamente ganhá-los, mas merece é cinemas cheios de gente.

~CC~





quarta-feira, 27 de outubro de 2021

...para combinar com o debate parlamentar

 

"A deputada Ana Mesquita sobe à tribuna, leva uma saia vermelha e tem também uns quantos cabelos vermelhos, é a cor do partido."

(ouvido hoje na Antena 1)

Não sei se era poesia, crónica de outfit ou todo um novo modo de relatar os debates parlamentares. Certo é que foi a única coisa que me fez rir entre tanto drama de faca e alguidar e mais uma ida às urnas em agenda. 

~CC~


segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Fotossíntese

 

Às vezes doem-me bocados de mim, uma veia  que fica a latejar durante dias, um ombro que parece querer sair do corpo, uma pontada no lado direito que alterna com o lado esquerdo por baixo das costelas. Os ouvidos não suportam gotas de água nem ruído excessivo, tornaram-se mais sensíveis, assim como os olhos que mal o sol desparece teimam em ficar com sombras.

Luto contra o meu corpo para não sucumbir às maleitas que tentam travar-me uma vida em pleno. Mas às vezes acho que não é só com o corpo que travo a maior luta mas também com as dores interiores, mágoas que ficaram e que sobraram das relações, sejam de amor ou amizade, todas elas, com destaque para as mais recentes. Não gosto quando essas mágoas se aprofundam e se tornam rancor, uma espécie de ódio pequenino que é um veneno lento, conheço-lhe o sabor com que me amarga a boca.

Quando me apercebo que o deve-haver está a ganhar espaço, penso em cortar com ele radicalmente, ligando, por exemplo, a um amigo/a que quase nunca liga ou em marcar um café com outro/a que nunca manifestou saudades minhas, não me ligou a saber como tinha sido o resultado de um exame médico ou nada disse no longo Inverno. Ir comentar a um blogue que nunca me visitou ou não visita ninguém. Levar uma prenda a quem não as dá, mesmo que seja uma pequena graça. Creio que isto assenta, talvez na ideia falsa de que a mágoa interior não tem a força do sismo que tudo abala mas a persistência do pequeno sismo que insistentemente vai abalando e destruindo. Nem sequer é generosidade, muito menos o voltar da outra face a quem nos dá a bofetada. É em prol de mim própria. Trata-se de tirar cinco minutos para ser árvore recebendo o sol e fazendo a fotossíntese.

~CC~


sexta-feira, 22 de outubro de 2021

O poder sem rosto

 


Aqueles que na sombra constroem o poder, que nunca expressaram que o desejavam, são, dizem eles, pressionados por massas anónimas que os desejam, os empurram e os apoiam. Quase sempre gente sem ideias, potencialmente maus líderes, pois quem interpreta vontades anónimas e por elas se movimenta, não tem lá dentro um coração a pulsar fortemente por uma ideia de mundo, de país, de instituição.

Tenho assistido muitas e muitas vezes a este poder com rosto alheio.

~CC~

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

São só perguntas

 

O que dói mais?

Deixarmos de amar alguém ou alguém deixar de nos amar? 

E quando acontece é de uma vez só, como um corte, ou vai acontecendo? Ou das duas formas?

Idealmente devia ocorrer ao mesmo tempo, dois barcos afastando-se mais e mais, o mar de permeio a unir e a distanciar, um adeus leve cheio de vento e ternura. Há despedidas assim? Ou há sempre dor, mesmo que amortecida, daquelas que se transportam sem exigir medicação ou consulta?

Eu só estou aqui a perguntar, nada mais. 

~CC~


 


terça-feira, 19 de outubro de 2021

Há um moinho para o estuário

 


O lugar é belo. Há um moinho para o estuário onde tudo acontece. Não é bem dentro do moinho mas numa casinha de pedra recuperada.

A formadora, uma amiga de muitos anos que investiu a sério na sua formação. Nada como eu, uma salta pocinhas que gosta de espreitar (quase) tudo.

O Sociodrama é um trabalho com o teatro cujo objectivo não é a produção do espectáculo, uma técnica que o usando serve o conhecimento de nós próprios, dos outros e nos coloca a pensar sobre o mundo em que vivemos. Tardes desafiantes para pessoas que se desafiam. 

~CC~


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Lugares amados


 Tanta gente outra vez. Felizes por estarmos juntos, fecharmos os olhos para respirar a beleza, bater as palmas e sentir que o som é forte, outra vez forte.

~CC~

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Daquela cor

 


Se eu pudesse encontrar esta cor que torna as árvores intensas, macias e quentes...pintaria com ela os meus cabelos para combinar inteiramente com este Outono. Mas só conheci pálidas comparações em cabeças ruivas saídas do cabeleireiro, nada que se lhes compare nas matizes, nuances e sombras.

~CC~


quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Regresso

 

Pelas dores que sinto com a semana ainda a meio, já sei que o ensino presencial me toma todo o corpo numa vertigem, isso é uma enorme diferença e para melhor. Ainda assim, sinto falta de andar descalça. E a máscara, que sufoco.

~CC~


sábado, 9 de outubro de 2021

As manhãs do Dragão (II)

 

Tomei muitos banhos na cascata, ensaboando cada parte do meu corpo e um dedo de cada vez. Não estava fria a água imaginária.

Depois ele disse que eu era a única que ainda não sabia andar mas hoje ia experimentar. As coisas que uma pessoa pensa que sabe e não sabe. 

E assim foi, colocou-se bem à minha frente para me ensinar a andar. E claro que me atrapalho, andava muito mais depressa que todos os outros, quando dava por mim já tinha ultrapassado o da fila da frente. Como é difícil fazer tudo devagar.

Relativamente à geleia real é que não alcancei, diz que a abelha rainha vive quatro anos, enquanto as outras vivem 90 dias, vejam o poder do alimento. Deve ser uma lição sobre alimentação mas fiquei à margem, ainda reprovo.

No mais esforço-me com gosto, talvez mereça ficar.

~CC~


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Voltar

 

A pressão externa tem dois sentidos inversos.

Dia sim, dia sim, liga-me uma colega a dizer para permanecer em teletrabalho, sou da instituição a única que na lei actual o pode fazer, parece-lhe incrível que podendo eu beneficiar disso me vá potencialmente misturar com um vírus que pode matar. Já a Direcção da instituição aplaudiu sem reservas a minha decisão de voltar, engrossando a fileira dos que dizem que escola só pode ser inteira se for presencial (da qual só em parte faço parte).

Tento traçar o meu próprio caminho entre dois sentidos tão opostos, não me identificando nem com um, nem com outro. É para mim claro que não quero viver com medo, se ele nos protege também nos aprisiona. É também para mim claro que a escola, com as condições atuais de turmas com muito mais de 30 estudantes  é um risco grande (não tenho dúvidas que o Ensino Superior é hoje o novo Ensino Secundário, para onde se vai sem pensar, como caminho que se tem naturalmente que fazer). Há ano e meio que não lecciono presencialmente, o aperto no coração é grande, misto de emoção, de medo, de força.

Tento pensar a primeira vez de qualquer coisa é sempre um arrepio, é frio e é suor. Só depois sabemos.

~CC~


quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Des(conversando)

 

Também não me importava de colocar no roteiro dos meus fins de semana uma ida à Gardunha.

Ali na cozinha já há maçãs casanova, as minhas preferidas, como já disse, ainda que elas nada me digam sobre o pecado original. Só posso dizer que se houve pecado e é aí a nossa origem, foi bem dada aquela mordidela na maçã.

A música dos campos de morangos também me parece bem, embora não medrem todo o ano, já alguns que teimam em arrasar com o ciclo das estações. Se calhar também é por isso a água salgada neste Outono tem uma temperatura melhor do que no Verão, o que não sei se me alegra ou se me entristece. É bom se fechar os olhos e não pensar em mais nada, é mau se pensar no futuro, no mar que avançará sem contemplação por esta estreita faixa a que chamamos país.

Os ouriços dos castanheiros são uma obra prima da natureza.

~CC~



segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Estranho mundo

 

Ainda estranho o mundo como ele é agora.

No dia dos meus anos a primeira mensagem de parabéns que recebi foi do banco, pouco passava das oito. Recebi dois postais por e.mail, um do sindicato, outro da presidência da minha instituição. Só os mais chegados ligaram e ouvi-lhes a voz, grande parte da família usou apenas o whatsapp. Três ou quatro lojas ofereceram-me vales de aniversário desde que lá adquirisse um bem de x valor. Somos cada vez mais um lugar na rede, potencialmente um comprador/a de alguma coisa.

Não é de admirar que cresçam os retiros, não fosse essa paz ela própria paga a peso de ouro,  alumiada a velas e adornada com cânticos místicos e eu lá estaria.

~CC~

sábado, 2 de outubro de 2021

Outubro

 

Outubro deu-me uma mão suave, salvando-me da corrente.

Nunca achei tão doce a sua luz dourada, seja no jardim ou junto ao mar. Preciso que o frio chegue devagar e que a chuva não bata forte. Se a transição for lenta, irei habituar-me e também eu largarei mágoas, saberei estar limpa e nua para enfrentar o futuro. Preciso da sabedoria das caducifólias.