Tenho pensado nela.
Na mulher dentro do carro a tricotar na última sexta feira, pelas 9 da manhã. A mulher na mesma praceta em que os homens bebem minis à conta do que lhes vai saindo nas raspadinhas. Eles em grupo, ela sozinha. Teria entre os quarenta e os cinquenta anos e deve fazer parte daqueles a quem a retórica dos governos já não trata como desempregados, como se a longa duração do seu desespero os atirasse borda fora.
Observei-a disfarçadamente algum tempo enquanto fazia tempo para o meu encontro com o mediador de seguros. Tricotava, parecia um cachecol e era creme, um tom quase igual ao da cara dela, aos cabelos dela, aos olhos dela, uma cor triste.
Talvez as mulheres espalhem a solidão de uma forma diferente, elas ocupam-se, elas sentem menos culpa. Imagino que não faz mais nada aquela mulher, sai de casa como se fosse trabalhar, no carro que já fez dez anos e pelo qual reza por ser o que lhe resta. Sai em direcção a uma praceta qualquer, escolhe-as ao acaso, nunca a mesma. Liga o rádio e tira as agulhas, ao menos assim não está em casa, as paredes não se apertam no seu coração. Assim passam as manhãs.
~CC~
... há muitas formas de vaguear, umas mais evidentes do que outras ... ;-) ... nunca fiz assim tricot, mas às vezes sinto-me a vaguear como se o fizesse assim.
ResponderEliminarBeijos tricotados