segunda-feira, 20 de maio de 2013

Retornados


Um dia talvez faça o retrato de todos os lares e centros de dia por onde passo e no papel que eles desempenharam na minha educação sentimental. Nos meios mais rurais onde a pobreza não se tornou ainda um pesadelo, recebem-me como hoje, com um chá quentinho e um bolo caseiro. Há sempre alguém que se lembra, alguém que traz alguma coisa para partilharmos. Eu, atarefada como ando, raramente me lembro de levar alguma coisa e só quando confrontada com a generosidade de quem me recebe, tenho vergonha de andar sempre enfiada em mil planetas diferentes. Em muitos destes lugares emociono-me para dentro por encontrar não só a verdade dos outros mas partes de mim própria. Hoje encontrei um casal de velhos retornados de Moçambique e a conversa desatou-se para trazermos um bocadinho das nossas memórias.

Eles falam já despidos da mágoa que os trouxe aos 45 anos da terra que amaram como se fosse a sua. Não era, mas eles não tinham disso a plena consciência, por isso acham que lhes roubaram o que não era deles. Peço-lhes para falarem antes do que permanece, do que nunca morrerá, do que nos pode juntar. Ela fica a pensar perdida no tempo, mas ele é rápido: o sabor do caril regado com uma laurentina. Mas para fazê-lo é necessário ter os caranguejos de lá, os de cá não prestam.
 
Eu protesto dizendo que caril, desde que o pó seja bom, é uma iguaria que se pode combinar com qualquer matéria prima. Ele continua: vou dizer-lhe um segredo, pode ir buscar os caranguejos perto de Torres Vedras, há um senhor que os importa de lá.
 
Despeço-me com a promessa de um caril um dia destes. Mas sou eu quem se vai esquecer dessa ideia que hoje senti tão verdadeira, não eles, apesar das nuvens que lhes atravessam o olhar. E é essa a diferença, nós esquecemos com facilidade tudo o que é importante e eles passam a vida a recordá-lo.
 
 
~CC~
 
 
 
 

3 comentários:

  1. Ainda pensei enviar um telegrama mas fiquei hesitante na morada...Lisboa, Marrocos, Monte Alto...:) Os viajantes fazem a leitura dos ventos e é assim que cá chegam.
    ~CC~

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