quinta-feira, 23 de junho de 2016

Outra eu


Ele procura-me para dizer que abandonou o curso de repente por causa dos ataques de pânico, ansiedade. Afirma e reafirma que não quer tomar as drogas que lhe deram no hospital.

Há 20 anos teria simplesmente dito, em tom assertivo, que deveria tratar-se. Talvez mesmo recomendado que os medicamentos eram necessários, que para outra coisa qualquer também os tomaria.

Hoje baixo os olhos, compreendendo inteiramente o que sente. Digo-lhe que sei como é, falo-lhe dos meus truques para levar uma vida normal, sem qualquer droga que me retire o que me chegou tão abruptamente, como um trovão no meio da tempestade. Ficar sempre na coxia nas filas em salas de espectáculos, nunca ficar no centro de uma multidão, perceber sempre se há uma janela por perto, concentrar-me em memórias boas quando alguém estranho me toca por ser necessário (até no cabeleireiro), ter sempre a certeza que posso interromper o que quer que seja e sair. Não digo que nunca tomei nada para uma situação mais aguda (exames, por exemplo) mas consigo em geral dominar-me. 

Vem mais tarde dizer-me que pediu à docente que o deixasse sair um bocadinho do exame para ir à janela e conseguiu depois voltar. Toda a educação deveria comportar um caminho para a compreensão da fragilidade e da vulnerabilidade dos outros, sem cair em pieguices.

~CC~





1 comentário:

  1. e ter alguém que nos ouve e nos entende porque sente o mesmo, na pele, é tão bom...

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