Lembro-me com exactidão das manhãs passarem tão céleres que quando tomava consciência do dia, já era hora de almoço. O almoço era quase sempre um pesadelo, cantina cheia, muito barulho, por último já levava a minha própria comida. Às vezes conseguia vir almoçar a casa ou à cidade, sozinha ou acompanhada era bom. Raramente parava para pensar nas manhãs dos outros, ainda que às vezes pensasse nos velhos, nos mais velhos, imaginando-os quase todos parados em frente à televisão. Pensava muitas vezes nas manhãs da minha mãe, era em quem mais pensava.
Descubro agora as manhãs de quem não tem um horário regular, de quem não acorda no frenesim de ter que correr para o trabalho. Pensava que as praças, os jardins, os lugares junto ao rio, os cafés, tudo estaria vazio. Mas há muitos velhos a passear, a pares, ou sozinhos, mais homens que mulheres. Há gente jovem e menos jovem a fazer exercício físico. Há pessoas de todas as idades cuja grande companhia é o cão. Há casais jovens com filhos muito pequenos e mulheres sozinhas que gozam ainda a sua licença de parto. Depois o que mais custa: adultos, em plena idade de trabalhar. Estes últimos distinguem-se claramente dos outros por não parecerem tirar especial prazer da manhã livre que são forçados a ter. O olhar é mais parado, as mãos não têm onde poisar, desviam os olhos se encontram os nossos. Lembro-me só de uma excepção: o grupo das raspadinhas e das minis junto ao centro comercial. Mas nesse caso, penso que ali também se geram outros expedientes, outras fontes de receita. Afinal as manhãs estão cheias de gente, gente que nunca tinha visto. Dentro delas haverá também almas semelhantes à minha, suspensas, presas por um fio.
~CC~
Que beleza de texto, CCF.
ResponderEliminarUma alma que escreve assim não está presa por um fio.
Susana, presa por um fio...ainda assim acordada!
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