Foram pessoas válidas, reconhecidas e estimadas. Depois envelheceram.
Em alguns casos foram mesmo pessoas de renome, com atributos que são reconhecíveis em obra produzida. Depois envelheceram.
E passaram a ser só os velhos, os que deixaram de poder ser autónomos, de escolher a sua comida, o sítio onde querem estar, o canal de televisão que querem ver, o sítio e a hora a que querem dormir. Não mais o senhor arquitecto, a senhora advogada, o dono do restaurante, a dona cabeleireira...
E os casos que conheço de maior desprotecção são os dos velhos com famílias menos tradicionais, sem vínculo de papel passado com um conjugue, sem prolongados almoços de domingo, com filhos de vários progenitores. Eram laços que na sua liberdade pareciam fortes e se desfizeram como um sopro. Vinte anos ou mais de união de facto afinal não resistiram a suspeitas de que poderia querer isto ou aquilo, ficar com a casa, o carro, ou quem sabe o jarrão chinês... Afinal o que a sociedade diz que é igual nem sempre o é.
Tenho pensado muito nisto. Não é obviamente a regra, nem uma fatalidade.
A minha mãe tem mais anos de mulher divorciada do que de outra coisa qualquer, é verdade que teve os quatro filhos do mesmo marido e que nunca os deixou perderem-se pelo mundo, apesar de não ter urdido nenhuma teia de muito afecto. E agora cá estamos, filhos e netos. Um traz os pensos para as escaras, outro uma comidinha boa, outro viu a melhor cadeira de rodas de todas e o outro conseguiu sentá-la no sofá. Cada vitória é uma festa. Levá-la para um lar teria sido um descanso para todos nós, às vezes estamos muito cansados, às vezes ela não nos agradece, às vezes quase desistimos.
Mas cada vez que me lembro do meu telefone mudo nos dias do hospital e como agora já me atende, é uma alegria. Consta que há lugares em que os velhos nem aos telemóveis têm acesso, tudo lhes é negado e roubado.
~CC~
Não é muito animador, o panorama. Talvez, se nos bastarmos a nós mesmos por mais tempo, seja menos dramático.
ResponderEliminarQuando não há papeis passados, as pessoas sentem-se desobrigadas. Os velhos não suscitam muito amor. Cheiram a velho, são trôpegos, ouvem mal, raramente são de bonita imagem, aborrecem os outros contando coisas que são sempre as mesmas e de um tempo que poucos ou nenhuns lembram, fazem birra como as crianças mas sem o seu encanto, alguns cheiram fortemente a chichi e nem dão conta, etc. Para os velhos só há uma verdade que vale e os pode salvar: "só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos".
Não podia concordar mais com a descrição que faz e com o remédio que aplica. Um abracinho para si e outro para os nossos velhotes.
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