segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Não te ter deixado passar por mim sem te agarrar

 



Faço um exercício habitual que me ajuda a viver: ver, naquilo que é mau, algo de bom.

Mas hoje não resulta, a tua partida foi só má. Para ti pode ter sido o fim do sofrimento, é o que se costuma dizer para consolo. Mas para mim foi só sofrimento, nada trouxe de bom. Sinto a tua falta. Também nos dizem que nos iremos encontrar algures no Universo, mas não acredito. Para mim tu és só a poeira, fragmentos que se espalharam, nunca mais nos iremos ver. Só vives na memória dos que te amaram e eu fui uma delas. E não foi um amor fácil, houve momentos de encontro, de desencontro, de maior proximidade e de maior distância. Mas nunca nos perdemos, nunca duvidámos que gostávamos uma da outra.

Lembro esta subida ao castelo como um dia iluminado, nós duas já depois da doença, a viver a esperança da vida. A almoçar só as duas naquele pequeno restaurante que não conhecias e que tanto apreciaste. A tua lucidez, argúcia, tanta ternura.

E às vezes gostavas desta data, outras não te apetecia. Que bênção para mim teres nascido e eu não te ter deixado passar por mim sem te agarrar. O culto da amizade tem sido o meu verdadeiro culto.

~CC~

14 comentários:

  1. "Não te ter deixado passar por mim sem te agarrar" seria esta frase que devia vigorar no dicionário para a palavra "amor"

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    1. Ah, ah...essa é boa, mas só num dicionário poético.

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  2. Um texto muito belo, um descanso para uma alma atormentada pela saudade.
    Um lugar inspirador na foto.
    Um abraço.

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  3. Penso que a conciliação é a imagem que se nos impõe CC, mesmo que chegue fora de horas. E esta (constante?) evocação é sintomática de muito sentimento.
    Não acredita nesse encontro, mas quiçá é lida.
    Um abraço

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    1. Irmãs que não são de sangue mas irmãs. Escrevo, como sabe, também para aliviar a dor (é a poupança).

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  4. Não sei se cultivo a amizade como a CC a refere. A intimidade vai-se perdendo com os anos, com a muita gente que entra mais numas vidas que noutras e impede essa mesma intimidade sem a qual, julgo eu, a amizade não cresce; e uma amizade tem de crescer/aprofundar. Se não acontece, passa a ser outra coisa, ou será amizade em grau (ou degrau) mais baixo. Julgo que o gostar recíproco e em continuidade é sinal de que alguma coisa é indestrutível ao peso dos anos e de tanta tralha que trazem e impede caminho.
    A velhice também tolhe as amizades, relativiza-as e quase as iguala ao mero conhecimento. Portanto, é bom saber que alguém peleja por esse sentimento com denodo adolescente. Feliz de mim que ainda não perdi nenhuma das minhas amigas do coração, músculo que, como na anedota, às vezes me parece mais um joelho:). Não consigo pensar na morte delas. Têm mesmo de me sobreviver. Vivo nessa ilusão. É mais fácil assim.

    Bom, a morte corta mesmo com a vida. Vai à raiz e arranca tudinho. Mas acredito, sem consolação, que existe sofrimento a que só ela dá fim. Sei o que é desejar a morte da pessoa que mais gostamos. Ela morre e junto com o desgosto fica o alívio de não assistirmos mais ao apodrecer de um corpo querido arrebatado pela dor e conhecendo a nossa impotência.
    Ficam as recordações. Os momentos de intimidade se os houve e que tanto bem nos fazem pela vida fora. Afinal, os encontros mais significativos aconteceram com eles. E não se apagam.

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    1. Cultivo sim, embora reconheça a dificuldade. Os amigos salvaram-me quando a família não o podia fazer, deram-me abrigo e pão. E custa-me quando não há reciprocidade ou quando sou eu própria a não conseguir responder como devia (maldita falta de tempo). Abracinho

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  5. Alguns vínculos são eternos, ainda que feitos de saudade. Belíssimo!

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    1. Obrigada pela visita e compreensão daquilo que sinto.

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  6. parabéns pela excelência das palavras.
    é impossível ficar indiferente a cada linha que devoramos uma vez, duas vezes, mais vezes...
    há sentires que são eternos...

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  7. Pois há...e quando é assim as palavras saem naturais, cá de dentro, sem qualquer preocupação. É bom saber que ecoam aí desse lado, que lhe fazem sentido.

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  8. Sensibilidade a dor da perda e a complexidade de uma amizade marcante, onde o luto se mistura com gratidão e memórias vivas. É um tributo sincero ao afeto que permanece, mesmo diante da ausência e da incerteza do reencontro.

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    1. Anamar, a ideia de reencontro diminui a dor de muitas pessoas, a mim não, tendo a acreditar que nisso não nos distinguimos dos outros animais, somos finitos.

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