Já conheço os corredores, as várias salinhas de espera, os átrios, os estranhos elevadores. Os hospitais públicos são todos mais ou menos iguais, esperamos horas e temos sorte se nos calhar uma cadeira. Vale-nos a crença de que ali estão os melhores, é isso que nos salva da zanga. A mim salva-me também a paisagem humana. Às nove da manhã as pessoas - em geral entre os 60 e os 91 (sim, hoje conheci uma fantástica senhora dessa idade) - ainda se calam comedidas, enfiadas no seu semblante sério. Uma hora depois a conversa flui e ganha volume sonoro, de tal forma que a voz que chama cada um deles fica sumida e distante. É preciso que a auxiliar de acção médica os venha lembrar que estão num hospital e não no café da esquina (a chata). Há claramente uma linha de fronteira entre estes utentes e os que vi na primeira consulta que decorreu no consultório privado do especialista, ele encaminha para aqui os que não têm seguro de saúde nem sítio onde cair mortos, vulgarmente dizendo. Sei que o faz com e por bondade mas inevitavelmente estão criados os dois mundos. Eu confesso, até gosto mais deste.
Hoje uma senhora dos seus 65 anos, com um ar muito rosadinho, imaginei-a eu como vinda do Minho e pertencendo ao rancho folclórico local dizia alto a uma outra que tinha comentado o seu bom ar: é porque a senhora não me vê por dentro. Estou com uma depressão há mais de 30 anos, não consigo ir para lugar nenhum sozinha, se me deixarem, não sei voltar para casa. E lembro-me, nunca mais me esqueci, dessa primeira crise, um vazio, uma falta de coragem para viver, um buraco negro. Dizia-o com quem escreve um livro, com palavras belas e fundas que em nada combinavam com o rosto de maças vermelhas que tinha. Ainda dizem que no mundo rural as pessoas não se deprimem, que não sabem o que é isso. Temos tantos preconceitos, imaginamos que certas coisas só podem pertencer a alguns. No entanto, nunca vi tanta tristeza como nos lares que visitei em aldeias e vilas deste país, parecia quase contra-natura eles estarem ali, muitas vezes deixando para trás a casa e atrás dela a horta, o pequeno jardim, as fotos sobre as cómodas.
~CC~
Também foram deixados. E isso dói muito.
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