Dezembro estava a fugir-me entre as mãos, tão, mas tão rápido que mal distinguia os dias das noites.
A melhor coisa foi que naquele dia decidi que ia parar. Tu marcaste a massagem e combinámos ir as duas ao fim da tarde. O hotel ficava numa rua de Lisboa onde nunca tinha passado, uma rua coberta a amarelo de folhas de árvore, metade de cada uma delas ainda tinha folhas e a a outra metade já se tinha despido, uma rua linda de um lugar ainda sem turismo. Olhando cada bocadinho de árvore, pensava em como, ao contrário de nós, as árvores se despem para enfrentar o frio.
O hotel era num palecete antigo, com jardins desenhados em múltiplas espécies e uma piscina no exterior e outra quente no interior, tudo coberto de uma patine antiga. Não fiz, contudo, o circuito de águas. Entrámos directamente para a tisana de laranja a que se seguiu a escolha dos óleos que seriam aplicados na massagem. Um deles tinha um cheiro doce e suave e ambas o escolhemos. Na sala a meia luz, de cortinas corridas e música suave, tive o meu primeiro susto: era demasiado fechado para eu poder ficar. Mas controlei-me e fiquei. Nunca tinha experimentado. Foi uma das melhores meias horas da minha vida, é um prazer diferente de todos os outros e este ainda não tinha sentido. Parece que o nosso corpo tem ossos e músculos e articulações que não conhecemos, mas tem sobretudo pele e a pele comporta um mundo de sensações.
Depois veio o repouso, o chá e os bombons de maracujá. Senti vergonha da minha felicidade, de me sentir tão estupidamente repousada e feliz. Num mundo que nos confronta com tanta coisa negativa compreendo a minha vergonha como parte da minha responsabilidade por nele viver, é como se não tivéssemos o direito de nos sentir assim, mas ao mesmo tempo penso que não posso mudar nada se não estiver bem, se não souber ser feliz com o que a vida me dá. Dezembro dá-me sempre esta sensação de um mundo dividido em dois, de uma humanidade a mostrar-se no que ela tem de melhor e pior.
E quando saí tinha começado a chover, as luzes iluminavam a água, as ruas estavam brilhantes e bonitas e já não tive tantas dúvidas, precisamos de felicidade para nos sentirmos fortes para mudar seja o que for.
~CC~
és uma pintora de ambientes
ResponderEliminarOh, quem me dera! Mas pronto, mesmo que o seja só um bocadinho, já tenho o meu quinhão de felicidade, gracias!
ResponderEliminar~CC~