domingo, 22 de maio de 2022

Ainda connosco

 

Rompendo medos, consegui vê-la. O equipamento é impressionante, como é que os profissionais aguentam aquilo horas a fio. Depois de 15m eu mal me aguento e faço um esforço enorme para conseguir suportar.

Agarro-me aquela parte dela que é ainda a minha mãe, nunca lhe vi os olhos tão verdes, de vez em quando ainda capazes de exprimir sentimentos. outras opacos, longe. Agarra-nos a mão. E é só. Sabemos que sofre e tudo tentamos para diminuir isso mas sabemos perfeitamente que não o conseguimos.

Os sentimentos são extremamente ambíguos, entre o querer que fique connosco mais tempo para usufruir um bocadinho do que ainda gostava da vida e nós dela e a vontade que não sofra mais e que a deixemos ir (sabendo que isto é que não está nas nossas mãos mesmo que o quiséssemos). No mesmo dia, às vezes na mesma hora, experimento a esperança na recuperação vagarosa mas plena e o desalento por imaginar que nada será como antes e que talvez ela preferisse partir. Penitencio-me sempre que não tenho esperança.

A casa, o vazio desta casa.

~CC~




5 comentários:

  1. Partir ou ficar a sofrer. Já passei por isso. Quando me disseram que não haveria melhoras, não tive dúvidas, amava-o demais para lhe desejar sofrimento. Partiu pouco tempo depois com um sorriso nos lábios.

    Beijinho

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  2. Talvez a partida - morte - não seja muito comum "com um sorriso nos lábios". Mas é decerto a pacificação libertadora para quem sofre. Ou serei eu a vê-la assim. Mesmo que seja o fim de todos os fins, é uma necessidade orgânica, há um sistema vivo que cede, não aguenta mais luta. Mas sua mãe...parece-me injusto que seja o covid a obrigá-la a desistir. E que o faça com sofrimento. Mas eu quem sou para tecer considerações.
    Desde o início que me pergunto sobre a capacidade de resistência dos profissionais de saúde no que toca à protecção individual. Ignoro como conseguem.
    Ânimo, CC. Também não sei o que possa desejar-lhe. Mas, seja o que for, que seja o melhor para ambas.

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  3. Bom dia, CC
    O dilema, que tão bem apresenta, é vivido por muitos (ainda mais muitas, se calhar) de nós que temos pais idosos e doentes. Essa ambiguidade também já a vivi várias vezes na dureza de hospitais, mas onde há profissionais que vivem no fio da navalha e que, mesmo assim, parecem fazer milagres. Tantos ou mais do que as máquinas. Quando são possíveis, é claro.
    Como diz a Bea, 'Ânimo e o melhor para ambas', CC

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  4. Não é fácil emitir uma opinião quando o tema é a morte.
    Tal como a CCF diz: "Os sentimentos são extremamente ambíguos (...)".
    Precisamos de força e discernimento, sem dúvida.
    Um abraço

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  5. Obrigada a todos/as pelas palavras sensatas e amigas.

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