quinta-feira, 25 de setembro de 2014

O bicho mau



Chegou aos 42, após dois anos de intenso cansaço sem saber o que fazer da vida, calores, sufocos. A filha nascida um ano antes com uma ligeira deficiência mental, uma loirinha linda de olhos cor de mel a que deu o nome de flor. Tinha nome de bicho ruim - linfoma. Seguiram-se dois anos de tratamentos e muita indisposição, muita tristeza, o salão de cabeleiro vendido, a vida virada do avesso, incapaz de segurar o secador de cabelo e o calor que dele emanava, sendo aí que residia o pão de cada dia. A pobreza a ameaçar como a doença. Coisas que valeram: o cabelo sempre muito rente depois de começar a crescer, os olhos pintados, manter o sorriso, a doçura. Agora outra vez o bicho ruim a querer casar-se com os cinquenta, a voltar novamente, a começar tudo outra vez. Aquele caroço no espelho, bicho mau que entra na maçã quando ela está bonita, madurinha. Estava eu com calores, estava eu faltar-me o ar, estava eu neste pré pranto que gosta de rondar-me os fins de tarde. Olhei-a, com o seu cabelo curto, quase da minha idade, o seu bicho mau muito pior que o meu, que eu saiba a minha lagartinha é qualquer coisa que eu hei-de domesticar. 

~CC~

Sem comentários:

Enviar um comentário

Passagens