Dia de regresso à Catedral da fragilidade maior. Para onde foram as maravilhosas orquídeas? Tudo me parece agora mais despido, menos exuberante, menos luminoso, será que a passos largos se caminha para a tristeza que enche todos os hospitais?
Uma pontinha de saudade do meu médico intensivista, apeteceu-me subir para lhe dar um abraço. Mas contive, se todos o fizessem, que seria dele?! Ficaria afogado em abraços.
Poderia antes tê-lo dado aquele homem perdido, sozinho, confuso. Primeiro fiquei perplexa pois o médico dizia bem alto que tinha que ser operado com urgência, no máximo dentro de uma semana. Só depois percebi que ele nada entendia da nossa língua. Em Londres, em Londres, repetia ele às múltiplas perguntas sobre o cardiologista. Além do mal que o tinha levado até ali, também o seu coração fraquejava. Mesmo assim estava sereno, sem uma lágrima, respondendo a cada questão do médico com voz cordata.
Como é que alguém está sozinho numa situação daquelas? Como é que não há imediatamente alguém que se mobiliza lá dentro para o amparo, o cuidado? Toda a conversa médico-doente se resumiu a dados médicos, percebo a emergência e a incidência, mas o ser humano que vive naquele corpo, a quem pode recorrer? Até compreendo que não seja o médico/a a ligar-se a essa componente, sob pena de se deixar enlear em múltiplos sentimentos que o podem desfocar do essencial, pelo menos aqui, num lugar altamente especializado. Mas cada vez me convenço mais que outros profissionais deviam também residir nos hospitais, desses que podem dar abraços.
~CC~
Dar abraços, sim. Mas, sobretudo, fazer companhia e, dentro dela, entender e ajudar. Pensava eu que, em tais lugares, o pessoal era escolhido a dedo. Foi pelo menos a ideia com que fiquei do do que ouvi - há quantos anos - a uma doente oncológica. É preciso dar tempo, atenção e esperança a doentes esmagados pelo peso e fatalidade da doença. Seja ela cardíaca, ou de outra natureza. Talvez hoje, com a existência de psicólogos e psiquiatras, seja mais difícil do que então, quando pouco se ouvia falar deles. Não sei se o SNS está ciente do seu papel.
ResponderEliminarBom Dia, CC.
Sim, creio que já há profissionais com sensibilidade, no meu percurso apanhei dois dois, com e sem. Mas acho que as equipas médicas deviam ter mais do que médicos e enfermeiros, também psicólogos, técnicos de serviço social e até animadores socioculturais. Dizem os médicos que estão nos centros de saúde que muitas das problemáticas nem são doença, ela é algo de secundário face ao cerne do que afecta a vida da pessoa.
Eliminar~CC~
Que lucidez e emoção CC encontrei na sua crónica! Pareceu-me como uma ave a sobrevoar o local, ou um drone como agora se usa, ou uma repórter que vai fazer um programa para uma rádio local, ou uma jornalista que vai entrevistar um médico, ou uma visita a um familiar ou amigo internado, nunca como uma paciente. Não é que tenha sido fria ou distante no que escreveu ou como o escreveu, nada disso, mas sobressaiu o facto de não querer ser o centro, o centro foram os outros... aliás, como na sua crónica do call center.
ResponderEliminarSartre afinal estava errado: o inferno não são os outros.
Um abraço.
Os outros podem mesmo ser o paraíso:)
EliminarUm abraço
~CC~
Imagino essa 'Catedral da fragilidade maior'. A expressão não podia ser mais eloquente. Acompanhei a minha irmã algumas vezes - se calhar menos do que deveria - a uma catedral assim. E a solidão é muita e muito grande, apesar de haver profissionais que sabem olhar para a pessoa e não só para a doença, mas as coisas ainda estão muito divididas e espartilhadas. Se sentimos as dores, existem; se não as sentimos, reduz-se a empatia.
ResponderEliminarE também falo por mim. Tenho/temos tanto a aprender.
Este seu texto, como outros que tem partilhado, valem mais do que muitos tratados ou palestras de humanidade.
Um abraço, CC, e obrigada.
O seu comentário também é uma benção de partilha e amizade, obrigada.
Eliminar~CC~