domingo, 24 de novembro de 2013

O jogo da dor



Chega a época dos peditórios, é o que Dezembro traz de mais insuportável. Agora começam logo a meio de Novembro e irão prolongar-se por mais de um mês. Não podemos aproximar-nos dos supermercados, por ora deixaram os mercados de lado, não sei até quando.

Dão-nos sacos com listas de pedidos cada vez mais concretos, desta vez pedem coisas para crianças. Que crianças serão? Onde estão? Com as suas famílias? Em instituições de acolhimento? É insuportável a ideia de que estamos a falar de quem precisa mesmo de leite, de fraldas, de chuchas, tão insuportável a ideia como o peditório organizado em seu favor. Não haverá outro modo? São sempre muito jovens os que nos dão o saquinho, competindo entre eles muitas vezes e fazendo questão de não nos deixar passar, parece ao mesmo tempo uma brincadeira de miúdos. Terão consciência do que fazem? Contactarão eles com as crianças para as quais pedem? Ou a sua acção resume-se ao saco entregue?

Nada nos é dito sobre as crianças que precisam, nem sobre o modo como estas coisas chegarão até elas. São rostos invisíveis, ocultos pela caridade. É insuportável a ideia de que aquilo que pagamos em impostos não lhes chega, nem o que podemos descontar através do IRS para estas instituições. São cada vez mais aquelas que recorrem a estes peditórios. Dão-nos muitas vezes qualquer coisa que não precisamos em troca de uma moeda, um porta chaves, um marcador, um bonequinho. É inevitável pensar no que o Estado desperdiçou em negócios de vão de escada, na injustiça que é os que têm pouco ainda terem que dar aos que têm menos. Ninguém recusa os sacos cor de rosa com o alfinete a dizer o que é preciso: papas lácteas, cremes, leite adaptado. Ninguém diz não, se o fizermos sentimos que estamos a negar auxilio, é com isto que as instituições contam, com o nosso mal estar. Podia ser de outra forma? 

È o que Dezembro traz de mais insuportável, o doloroso jogo da caridade, é ser quem somos no sítio onde estamos.

~CC~


2 comentários:

  1. Eles contam com o nosso alívio de consciência, e nada sabemos deles. Eu recuso o saco; uso outros meios, no fundo talvez também para alívio da consciência.

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