Vivi e vivo demasiado depressa, não guardei fotos, guardei poucos nomes, esqueci mais. Alguns períodos da minha vida pareço ter eliminado tão fundo que parecem não ter existido. Os dolorosos, aqueles em que fui frágil ou menos esperta. Devo ter aprendido a apagar coisas muito cedo, toda a gente sabe que é assim que se sobrevive à dor. Certas partes da minha infância desapareceram, a escola, por exemplo. Não me lembro de andar na escola, apenas uma ou duas imagens difusas.
Fiquei surpreendida hoje com a minúcia com que um colega reconstituiu a sua história de vida, eu, quando me reformar (se algum dia chegar a fazê-lo) não serei capaz.
Comecei a perder coisas no dia em que saí de Angola com uma família que trazia apenas duas malas de roupa. Nunca mais quis ter nada, nunca mais valorizei ter coisas.
Gosto muito desta cidade onde vivo mas se tiver que sair desta casa amanhã, sou capaz de fazer uma mala de roupa e nada mais. Não chorarei por esta serra, por este mar. Só meia dúzia de pessoas me fazem falta, conheço cada vez mais gente e cada vez menos gente me faz realmente falta. Talvez isto possa parecer frio, mas acho que é apenas uma maneira de me proteger.
Hoje também estive com gente que não tem nada. Um deles disse que tinha o seu talhão na horta social, era a única coisa sua. Mesmo assim o colega que a deixou para ele, podia voltar. Quando penso nisso sei que tenho uma casa para onde voltar, um lugar, um abrigo. Preciso só de abrigo. E às vezes o vento é tão forte.
~CC~
E tens-me!
ResponderEliminar*jj*