Vejo-os chegar pela manhã.
É verdade as carruagens já não andam vazias e voltou aquele chiar do comboio a chegar à estação.
Mas parecem saídos de um filme de terror.
Metade do rosto não se vê, e se alguns olham em frente, outros caminham de olhos no chão. Fico a vê-los a subir a rua por um momento, metade tira a máscara enquanto sobe, outra metade conserva-a.
Hoje, na primeira tentativa de comprar pão no café vizinho, o empregado tirou a máscara ao perceber que a minha filha não estava a compreender o que dizia sobre a forma de pagamento.
Já não consigo avaliar comportamentos, eu própria terei sido provavelmente algumas vezes inconsistente. Sinto que estamos todos bastante cansados, cada um a seu modo e por diversas razões. Mas ao mesmo tempo é incrível a capacidade de adaptação, de resiliência.
Penso nisso todas estas manhãs em que os vejo chegar e partir, uns a descer a rua, outros a subir, uns já com a máscara, outros prontos a colocá-la. Nestes anos todos não terei estado assim nunca a observá-los, presa da minha pressa matinal, quase sempre a sair cedo de casa.
Os comboios voltaram a partir e a chegar. Há nisso uma alegria contida por uma tristeza que se atravessa em cada rosto semi-coberto.
~CC~
A porta da gaiola foi aberta, mas a sensação de fechados persiste, como se tivéssemos desaprendido de voar.
ResponderEliminarBoa tarde, com saúde
Sim, uma parte significativa sim, é uma expressão muito feliz: temos asas mas já desaprendemos de voar.
Eliminar~CC~
A verdade é que na 2.Feira haviam mais cerca de 200 infectados e ontem, Terça-Feira subiu para cerca de 420. Fizeram mais testes e daí a subida? Talvez. Mas temo que com o desconfinamento o covid-19 prolifere e, sabemos que esse, "nasceu" para matar
ResponderEliminarOxalá tudo corra bem... Oxalá...estou apreensivo
Cumpts
O meu coração hesita como o de quase todos: querer sair, evitar sair.
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Vá-se lá saber porquê hoje a sua crónica fez-me lembrar a toada de Portalegre do Régio, talvez pelo cansaço da repetição, mas com comboios e máscaras em vez do vento suão. E com muita mais esperança.
ResponderEliminarBoa noite CC.
É que os meus momentos de tristeza são normalmente curtos e mesmo quando desespero um bocadinho, luto contra.
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é tudo muito estranho e acho que nunca nos vamos adaptar
ResponderEliminarNão se esqueça que é essa capacidade de adaptação que fez a humanidade manter-se por cá, como espécie (contudo, acho que é das únicas que é predadora de si própria).
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Talvez nos tornemos esses seres solitários e macambúzios que as máscaras fazem de nós. Coisa não humana, mas parecida. Gestos comedidos, sem gargalhadas nem gritos, obedientes e de eficiência comprovada. Mas todos ligados. E tal.
ResponderEliminarNão há humana alegria que resista. Ninguém resiste à calamidade que aí vem, de fome, desemprego e perda de condições de vida. Esta é a verdadeira calamidade que se aproxima. E aí sim, está montado, para alguns que são muitos, o estado de calamidade.
Sim, evitar os outros é o novo normal, nem nos olhamos.
ResponderEliminarMas vamos resistir Bea, sobre-nos a dignidade e a capacidade de ajudar o outro.
~CC~