TESTAMENTO
Vou partir de avião
E o medo das alturas misturado comigo
E o medo das alturas misturado comigo
Faz-me tomar calmantes
E ter sonhos confusos.
Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com a voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais do que um horário certo
Ou uma cama bem feita
Dêem-lhe amor
Dentro das coisas
Dentro das coisas
Sonhar com sóis azuis e céus brilhantes
Em vez de lhe ensinarem contas de somar
E a descascar batatas
Preparem a minha filha para a vida
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu
Que se lembre de mim
A minha filha
E mais tarde que diga à sua filha
Que eu voei lá no céu
E fui contentamento deslumbrante
Ao ver na sua casa as contas de somar erradas
E as batatas no saco esquecidas
E íntegras.
Ana Luísa Amaral
Não tem nome o que eu gosto desta poeta que só no ano passado me foi apresentada. Um óptimo testamento, muito bem escrito e descrito.
ResponderEliminarBea, também não sou grande leitora dela, mas às vezes vou à procura e quase sempre gosto do que encontro.
Eliminar~CC~
Há poesia que não diz nada e julga que diz muito. É como atirar um balde de tinta para cima de uma tela e dizer que é um Picasso e a gente fica ali a tentar descortinar nem se sabe o quê. E porquê? Porque, à semelhança da pintura, é arbitrária, dela se podendo dizer todo o bem ou todo o mal.
ResponderEliminarNão é o caso.
Mas preparem a minha filha para a vida sem lhe ensinarem contas de somar nem a descascar batatas, ficou-me a remoer.
Difícil Joaquim julgar a Arte, quase sempre abstenho-me de o fazer, não me sinto qualificada e prefiro reservar-me no gosto/não gosto, encontro/não encontro sentido. Quanto ao resto, fez-me rir, mas acredito eu que há capacidades mais importantes do que as triviais e sobretudo aquelas que durante séculos às mulheres foram atribuídas. Eu prefiro saber fantasiar do que descascar batatas, sendo a primeira bem mais difícil, parece-me. Contudo, sem desprezo para o descasque das ditas:) (até já há quem as frite com casca).
Eliminar~CC~
eu gosto da inutilidade. é isso que dá sentido à arte.
EliminarMesmo Diogo...e quão desvalorizada está!
Eliminar~CC~