Havia frango assado com muito piripiri, mesas no quintal por causa do calor, árvores do jardim cobertas de luzes de muitas cores. A família paterna era confusa, barulhenta, alegre, causavam-me algum receio por serem tão expansivos. Eu não só era a única criança alourada e branquinha como a única reservada.
O Pai Natal chegaria assim que nos escondêssemos, não nos era permitido vê-lo. Não me lembro exactamente dos presentes, talvez fossem livros, chocolates e por certo as bonecas com as quais pouco ou nada brincávamos. Depois de os abrirmos rapidamente voltaríamos a brincar à apanhada e às escondidas, coisa em que só usávamos os nossos corpos mal cobertos de roupa e os pés descalços.
A neve era uma coisa que eu não percebia o que era, não obstante se usar algodão para se fingir a sua existência.
Com o fim dos natais quentes também despareceu pouco a pouco aquela família alargada, sobrou dela a tendência que temos para elevar a voz, dizer disparates e gostar de piripiri.
~CC~
Ricos natais infantis, CC. Não tenho tais memórias de família alargada senão agora. Posso dizer que fiz os nossos natais, secundada por meus irmãos. Depois dos bolos e dos fofos de abóbora que, por vezes, meu pai condescendia em terminar de fritar, corríamos até à igreja, por caminho de terra e sem luz eléctrica, o pinhal de um lado e um silvado do outro, todos enfarinhados e ainda a vestir os casacos, cheirando a fumo de lume de chão. Íamos à Missa do Galo, ritual muito do nosso gosto. Nessa única noite, o taberneiro fechava a taberna e empurrava os homens para a rua, dizendo, vá, agora vamos todos à missa do galo. E iam. Fincavam pés junto à entrada da igreja e ali permaneciam em forte barreira, estátuas sérias e graves, rosto tisnado de barbas por fazer, imagem quase terrível, o sobrolho carregado avultando no bruxeleio das velas. A pose de resistentes e as samarras coçadas emprestavam-lhes certo ar de ladrões de Ali-Babá, as mãos sujas do trabalho na terra num sufoco de sem préstimo, a cruzar em baixo ou afundadas no forro do bolso onde repousava um lenço sujo, um canivete, uma conta por pagar.
ResponderEliminarE a gente tem saudade destas coisas:). Que não eram boas. Mas eram nossas no tempo em que o mundo era possibilidade de tudo. Sentíamo-nos felizes.
Nas antípodas do meu, mas também muito bonito. Obrigada por contar-nos.
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